Como ler os Evangelhos?
outubro 29, 2025
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O que é hermenêutica?

Nota do Editor: Este artigo faz parte da coleção sobre Hermenêutica

“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2 Tm 2:15). Estas palavras do apóstolo Paulo ao seu protegido, Timóteo, nos lembram de nossa responsabilidade de interpretar corretamente a Palavra de Deus. Afinal, Deus falou conosco por meio de Sua Palavra, e é de suma importância que entendamos o que Ele diz. É por isso que precisamos de uma hermenêutica sólida.

Hermenêutica é a ciência e a arte da interpretação bíblica. É uma ciência, pois existem regras para interpretar as Escrituras, assim como existem regras para dirigir um carro. Se você não conhece as regras, não saberá dirigir de maneira correta. Além de conhecer os princípios, você também deve saber quando aplicá-los. Por esse motivo, a hermenêutica também pode ser chamada de arte. Como a Escritura não é monolítica, porque contém múltiplos gêneros e foi escrita ao longo de muito tempo, por vários autores, em diferentes idiomas, é preciso discernimento para saber quais regras de interpretação aplicar a qualquer texto para encontrar o que o autor queria expressar. Em última análise, esse é o objetivo da hermenêutica: entender como interpretar o texto para encontrar o que o autor queria expressar.

A principal preocupação ao interpretar a Bíblia é descobrir o significado que o autor pretendia. Uma abordagem muito comum para estudar a Bíblia é ler o texto e então perguntar: “O que esse texto significa para mim?” Embora seja importante tentar aplicar o texto à própria vida, essa nunca deve ser a primeira pergunta que fazemos às Escrituras. Em vez disso, a primeira pergunta deveria ser: “O que o autor queria comunicar?” Pular essa pergunta pode causar mal-entendidos e aplicações incorretas do texto. A seguir, alguns conceitos hermenêuticos fundamentais que ajudarão a descobrir o significado que o autor pretendia em um texto das Escrituras.¹

O método gramático-histórico

Ao longo da história, muitos cristãos ortodoxos, especialmente da tradição reformada, utilizam o que é chamado de método gramático-histórico para discernir a intenção do autor nas Escrituras. Esse método tem suas raízes na antiga escola de interpretação de Antioquia, foi muito utilizado durante a Reforma e continua a ser amplamente utilizado na igreja hoje. Ele se concentra no contexto histórico e nas formas gramaticais do texto bíblico.

Em relação ao contexto histórico, o leitor deve fazer perguntas como: Quem é o autor? Quem era o público original? Há alguma alusão cultural no texto que exija investigação adicional? Observar as formas gramaticais envolve estudar o significado das palavras, entender as relações sintáticas e reconhecer as construções literárias do texto. Estudar essas coisas ajudará o intérprete não apenas a entender uma passagem específica, mas também a perguntar como essa passagem se relaciona contextualmente com o que está antes ou depois dela. Para resumir a importância de ver o texto em seu devido contexto histórico e gramatical, talvez pudéssemos afirmar que as três palavras mais importantes a serem lembradas ao interpretar a Bíblia são estas: contexto, contexto, contexto.

O método gramático-histórico enfatiza a interpretação das Escrituras segundo seu sentido literal. Essa linguagem é útil desde que entendamos que “literal” não significa nivelar a natureza literária do texto. Como a Escritura é literatura, ela com frequência inclui figuras de linguagem, simbolismo, metáforas e outros recursos literários. Interpretar as Escrituras segundo seu sentido literal significa identificar corretamente esses recursos e entendê-los segundo as regras normais do gênero literário do texto. Portanto, quando a Escritura usa simbolismo em poesia ou textos proféticos, devemos interpretá-lo simbolicamente ou estaremos distorcendo o significado pretendido pelo autor.²

A analogia da fé

Como a Bíblia tem um Autor divino e também autores humanos, a intenção do Autor divino também deve ser considerada. À luz disso, um princípio hermenêutico fundamental é a analogia da , ou a regra da fé, que diz que a Escritura deve interpretar a Escritura. O capítulo 1 da Confissão de Fé de Westminster explica: “A regra infalível de interpretação da Escritura é a própria Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto das Escrituras (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente” (1.9).

Além de afirmar que a Escritura tem apenas um sentido (o sentido literal, conforme definido acima), a confissão reconhece, como a própria Bíblia faz em 2 Pedro 3:16, que alguns textos nas Escrituras são mais difíceis de entender do que outros. Porque Deus não se contradiz, Sua Palavra também não pode apresentar contradições. Portanto, quando há textos nas Escrituras que são difíceis de entender, é necessário recorrer a trechos mais claros das Escrituras para interpretá-los.

Cristo em todas as Escrituras

Uma segunda implicação hermenêutica da autoria divina das Escrituras é que, embora a intenção do Autor divino nunca entre em conflito com a intenção do autor humano, ela pode se expandir além do alcance total do autor humano. Assim, quando a Confissão de Westminster fala sobre o “verdadeiro e pleno sentido” das Escrituras, ela reconhece que a revelação posterior de Deus lança luz sobre Sua revelação anterior.

O Evangelho segundo Lucas afirma essa realidade quando registra o encontro de Jesus ressuscitado com os dois discípulos no caminho para Emaús. Lucas registra que “começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24:27). Poucos versículos depois, quando Ele apareceu aos onze apóstolos restantes, Jesus lhes abriu o entendimento para entenderem as Escrituras, que incluíam “tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24:44). Essa referência explícita à divisão tripla da Bíblia hebraica indica que Jesus está reivindicando que cada parte das Escrituras do Antigo Testamento dá testemunho dEle. Através de uma tipologia cuidadosa, especialmente traçando temas e padrões que o Autor divino teceu em toda a Sua Palavra, podemos ver como todos os caminhos na Bíblia levam a Jesus.³


1. Para uma explicação mais detalhada desses princípios e de outros princípios hermenêuticos, veja Knowing Scripture [Conhecimento das Escrituras], de R.C. Sproul (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2016).

2. Embora muitas questões gramaticais e históricas possam ser respondidas observando os detalhes do texto e fazendo boas perguntas, o uso de ferramentas como uma boa Bíblia de estudo ou comentários pode ajudar a destacar detalhes importantes do texto.

3. Um excelente recurso para entender como praticar a tipologia cuidadosa e entender os temas presentes nas Escrituras é o livro de Dennis Johnson , Walking with Jesus through His Word: Discovering Christ in All the Scriptures [No caminho com Jesus através de Sua Palavra: como encontrar Cristo em todas as Escrituras] (Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2015).

Artigo publicado originalmente em Ligonier.org.

Jared Jeter
Jared Jeter
Jared Jeter é editor de conteúdo no Ministério Ligonier e professor adjunto residente no Reformation Bible College em Sanford, Flórida.