Graça em Paulo
outubro 30, 2022É hora de (re)descobrir Hebreus
novembro 1, 2022A esperança em Pedro e Judas
Nota do editor: Este é o quarto de 9 capítulos da série da revista Tabletalk: Epístolas do Novo Testamento.
Desde os primeiros dias da igreja, os cristãos têm enfrentado dificuldades. Tentações e sofrimentos inerentes a esta vida de pecado, bem como desafios trazidos por falsos mestres, tornam difícil o viver como um cristão. As epístolas de Pedro e Judas nos encorajam. A Primeira Epístola de Pedro nos mostra uma mensagem de graça genuína — a união misteriosa do sofrimento presente com a glória vindoura. A Segunda Epístola de Pedro nos exorta a permanecer firmemente estabelecidos no conhecimento de Deus que vem por meio de nosso relacionamento com Ele. E a Epístola de Judas nos encoraja a contender pela fé sem temor.
PRIMEIRA PEDRO
O tema de 1 Pedro — revelado nos últimos versículos como graça genuína — emerge da interrelação entre duas ideias importantes: a glória que nos será revelada na segunda vinda de Jesus Cristo e a dificuldade da vida atual em um mundo de pecado. Já no início de sua carta, Pedro se refere à ideia de nossa herança futura e exaltação como crentes. Ele conclui que, se Cristo sofreu e foi posteriormente glorificado (1Pe 1.11), a nossa esperança deve estar na graça que será revelada por Cristo (1.13; 2.12; 4.13; 5.1, 4, 10). Mas essa graça prometida vem somente depois do presente tempo de sofrimento. Se o Filho de Deus sofreu antes de ser glorificado, isso deve acontecer igualmente com todos nós que estamos nele. Pedro também une esses temas no final de sua epístola: “Depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar” (5.10). O caminho para cima é por meio de sofrimento. A restauração vem depois das provações. Isso é a “genuína graça de Deus” em que devemos estar firmes (v. 12).
Essa união de duas verdades aparentemente incompatíveis — o nosso status exaltado em Cristo e os nossos sofrimentos atuais na terra — sempre foi um entendimento difícil para os cristãos. Achamos difícil conciliar o bom plano de Deus para nós com as dificuldades desta vida. E nos perguntamos, se Deus tem realmente um bom plano, por que ele nos permite sofrer agora, quer por causa de nossa fé (como muitos cristãos ao redor do mundo sofrem), quer apenas por sermos humanos e frágeis (sempre sujeitos ao aguilhão do sofrimento e da morte). Mas Pedro foi muito cuidadoso em mostrar, desde as primeiras palavras de sua carta, que esse é e tem sido a forma gloriosa do plano de Deus, “segundo a presciência de Deus Pai” (1.2a). Nos versos seguintes, vemos que uma herança eterna está preparada em relação às aflições presentes, bem como às glórias passadas (vv. 3-12).
Se isso é verdade, o que devemos fazer? Começando com o versículo 15, Pedro responde afirmando que isso tem implicações em nosso “procedimento” como cristãos. A palavra “procedimento”, neste versículo, é usada 21 vezes no Novo Testamento; e, dentre essas ocorrências, dez se acham nas cartas de Pedro (1Pe 1.15, 17, 18; 2.12; 3.1, 2, 16; 2Pe 2.7, 18; 3.11). A estratégia de Pedro para o procedimento cristão, arraigada na esperança, se focaliza em poucas ideias: santificação (ou sermos santos, 1.13-21); um amor sincero aos outros, tanto aos de dentro quanto aos de fora da igreja (1.22-2:12); demonstrar o sacrifício de Cristo Jesus em nossa submissão a líderes injustos e justos; nossa própria disposição para sofrer (2.13-4.6) e nosso servir humilde e amoroso à nova família de Deus (4.7-5.11).
Em toda a epístola, Pedro nos encoraja com o exemplo de Cristo em triunfar sobre aflições extraordinárias, incluindo a morte e o pecado. E sua conclusão é bem simples: Deus estabeleceu a nossa salvação, nos deu a nossa identidade, confirmou o nosso chamado atual e garantiu a nossa futura herança por meio de uma ironia profunda — a morte, a ressurreição e a ascensão de Cristo. Essa ironia — essa misteriosa união de sofrimento e glória — é graça genuína.
SEGUNDA PEDRO
Em sua segunda epístola, o apóstolo Pedro nos instrui sobre o tema do conhecimento de Deus. Pedro nos admoesta a conhecer a Deus intimamente, não apenas de maneira cognitiva. Ele nos exorta a que sejamos firmemente estabelecidos no conhecimento que pode vir tão somente de um relacionamento com Deus. Pedro começa: “Graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor” (2Pe 1.2) e termina dizendo: “Crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 3.18). Esta repetição mostra que Pedro baseia a sua certeza na graça de Deus em Jesus, por meio do conhecimento de Cristo. Esse conhecimento unifica a carta. A palavra conhecimento ou alguma forma do verbo conhecer aparece em 2 Pedro 1.3, 5, 6, 8, 12, 14, 16; 2.20, 21; e 3.18. (Veja também “sabendo… isto” em 1.20; 3.1-3, 17). É um tipo de conhecimento específico. Tem origem bíblica ou apostólica (1.16; 2.1; 3.2) e diz respeito à segunda vinda de Jesus Cristo (3.1-4, 12). Fundamentado no Antigo Testamento e no testemunho dos apóstolos, Pedro nos insta a lembrar o retorno de nosso Salvador. Pois se o esquecemos — se não vivemos à luz do conhecimento do seu retorno iminente — nos tornamos como os escarnecedores que vivem apenas para o tempo presente, os quais se entregam à sensualidade e à ganância (precisamente o que Pedro aborda no capítulo 2).
Qual é o resultado de ter esse conhecimento? Pedro espera que sejamos firmemente arraigados ou confirmados em nossa fé (2Pe 1.12; 1Pe 5.10). Na verdade, este é um alvo pessoal de Pedro, visto que a linguagem e o objetivo da epístola trazem à memória um momento crucial, mas entristecedor, na vida de Pedro. O vocabulário é o de tropeçar e fortalecer.
Na noite em que Jesus foi preso, ele havia dito: “Esta noite, todos vós vos escandalizareis comigo; porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão dispersas” (Mt 26.31). Ao ouvir essas palavras, Pedro respondeu: “Ainda que venhas a ser um tropeço para todos, nunca o serás para mim… Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei” (Mt 26.33-35). Mas Pedro tropeçou. Ele caiu pela primeira vez. Caiu pela segunda vez. E, de modo humilhante, caiu pela terceira vez ante a indagação de um servo no pátio do sumo sacerdote. Ao escrever esta epístola, Pedro retorna à linguagem daquela noite. “Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum” (2Pe 1.10).
Naquela mesma noite da vida de Pedro, Jesus também usou a linguagem de fortalecer. Ele disse a Pedro: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos” (Lc 22.31, 32). A palavra fortalecer vem da mesma raiz da palavra confirmados em 2 Pedro 1.12: “Por esta razão, sempre estarei pronto para trazer-vos lembrados acerca destas coisas, embora estejais certos da verdade já presente convosco e nela confirmados”. Em outras palavras, a grande esperança que Pedro nos dá nesta carta — de acordo com sua missão apostólica pessoal — é que sejamos fortalecidos pelo nosso conhecimento de Jesus Cristo.
JUDAS
A epístola de Judas nos encoraja, como cristãos, a batalhar pela nossa fé. O tema da carta de Judas está no versículo 3. Esse chamado a batalhar está fundamentado na convicção de Judas de que a fé está sendo desafiada por oponentes (“certos indivíduos”, nos versículos 4, 8, 10, 12, 16, 19). A estrutura de toda a epístola flui destas duas ideias. O apelo a batalhar pela fé, no versículo 3, é explicado nos versículos 17 a 23. E Judas defende nos versículos 5 a 16 as conclusões que apresenta no versículo 4 sobre os desafios colocados enfrentados pelo cristianismo.
Primeiramente, nos versículos 17 a 23 vemos que batalhar pela fé está ligado: ao chamado dos cristão para guardarem – em específico, devemos lembrar as palavras dos apóstolos (vv. 17-19) e guardar-nos “no amor de Deus” (vv. 20-21); aos compromissos que os cristãos assumem — devemos edificar-nos na “fé santíssima”, orar “no Espírito Santo” (v. 20) e esperar “a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna” (v. 21); e à conduta pela qual vivemos — devemos ser conhecidos por nos compadecermos “de alguns que estão na dúvida” (v. 22), salvando outros do fogo do inferno e mostrando misericórdia até para com os impenitentes (v. 23).
A epístola de Judas argumenta que somos chamados a batalhar desta maneira porque certas pessoas se opõem à fé (v. 4). Nos versículos 5–10, Judas seleciona três eventos históricos (a apostasia dos rebeldes no deserto, a autonomia de algumas criaturas angelicais e a imoralidade de algumas cidades antigas) para ajudar seus leitores a entenderem que os desafios à fé são sempre presentes e que Deus sempre os confronta com julgamento divino. E nos versículos 11–16 Judas menciona três exemplos de pessoas do Antigo Testamento que desafiaram a fé e trouxeram julgamento sobre si mesmas (Caim, Balaão e Corá).
Embora Judas nos exorte a batalhar pela fé, ele o faz com o conhecimento de que em Jesus Cristo podemos contender sem medo de tropeçar. Judas termina sua carta com uma linda doxologia que comunica exatamente isso: “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém” (Jd 24–25).
Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.