A forma de viver no reino
dezembro 12, 2024
A forma de viver no reino
dezembro 12, 2024

O caráter dos cidadãos do reino

Nota do editor: Este é o segundo de 14 capítulos da série da revista Tabletalk: Manual para viver no reino.

Em seu evangelho monumental, Mateus apresenta Jesus como descendente de Abraão e Davi, relata Sua concepção virginal e milagrosa e o Seu nascimento, narra Sua fuga para o Egito e o Seu retorno a Nazaré. No início do ministério público de Jesus, João Batista clama: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3:2). Mais adiante, ao saber da prisão de João, Jesus começa a proclamar uma mensagem idêntica (Mt 4: 17). No entanto, embora João seja apenas o precursor, Jesus é o Messias. Em seguida, Jesus reúne uma grande quantidade de seguidores e percorre grandes distâncias e muitas regiões, e pregava “o evangelho do reino e cura[va] toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4:23).

Após este preâmbulo, Mateus começa a primeira das cinco principais seções de ensino de Jesus em seu evangelho. O número cinco lembra o Pentateuco, os cinco livros de Moisés. Da mesma forma, a referência à subida de Jesus a um monte faz recordar a subida de Moisés ao monte Sinai para receber a lei. Esta conexão mosaica é posteriormente reforçada pelas repetidas declarações de Jesus: “Ouvistes que foi dito […]. Eu, porém, vos digo” (Mt 5:21–22, 27–28, 31–32, 33–34, 38–39, 43–44). A mensagem de Mateus é clara: Jesus é um novo e maior Moisés, quem ensina e aplica com autoridade a lei divina (ver Mt 7:28-29).

Neste discurso inaugural do Evangelho segundo Mateus, no início do Sermão do Monte, Jesus ensina aos Seus seguidores sobre o caráter dos cidadãos do reino. Como mestre, Ele apresenta essas características na forma de oito bem-aventuranças memoráveis, cada uma pronuncia uma bênção sobre aqueles que possuem um determinado caráter, com a adição de dois atributos metafóricos: sal e luz. Assim, Jesus ecoa as Dez Palavras ou Mandamentos da lei de Moisés ao estabelecer dez características daqueles que herdarão e habitarão o reino eterno de Deus. É notório que, “vendo Jesus as multidões”, Ele dirigiu Suas palavras aos Seus discípulos (Mt 5:1-2).

“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5:3).

Jesus começa a retratar o cidadão do reino com um atributo talvez surpreendente: a humildade de espírito. “Bem-aventurados”, isto é, eternamente favorecidos por Deus, são aqueles que se reconhecem espiritualmente pobres e necessitados, como o homem da parábola de Jesus sobre o fariseu e o publicano. O fariseu é orgulhoso, arrogante e altivo de todas as suas realizações religiosas, enquanto o publicano, de longe, “não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”(Lc 18:13). Aqueles que se reconhecem espiritualmente pobres sentem bastante a sua necessidade de Deus e a sua dependência dEle. Imploram por misericórdia, pois sabem que nunca poderiam estar diante de um Deus justo e santo por seus próprios méritos.

“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” (Mt 5:4).

Na seguinte bem-aventurança, Jesus afirma uma parte da sabedoria do Antigo Testamento enunciada no livro de Eclesiastes: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração” (Ec 7:2). Ao considerar que todos nós morreremos um dia, devemos viver de acordo com o nosso destino eterno. Portanto, “o coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria” (Ec 7:4). Os impenitentes que buscam o prazer acabam por se envolver na negação das realidades eternas, enquanto a pessoa sábia está consciente do seu destino final, e lamenta o seu próprio pecado e os pecados dos outros ao seu redor. Conscientes das suas próprias deficiências e da rebelião contra Deus, confiam na misericórdia divina e receberão consolo e perdão.

“Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5:5).

A mansidão é uma virtude rara em nossos dias, quando a autopromoção reina, o conhecimento das mídias sociais é valorizado e a submissão aos outros é vista como fraqueza. A sabedoria convencional declara: “Se você não se impor, será pisoteado”. Por outro lado, Jesus é “manso e humilde de coração” (Mt 11:29). Ele se revelará aos mansos, porém confrontará os arrogantes e autossuficientes. Dará descanso aos cansados, enquanto os orgulhosos terão que carregar seus pesados fardos. Deus é o Governante soberano e Jesus é o Rei dos reis e Senhor dos senhores. Não somos nada além daquilo que Deus nos dá. Assim, os sábios, mansos e humildes, olham para o seu Senhor soberano em busca de Sua misericórdia, graça e provisão. Eles se escondem à sombra de Suas asas e buscam Sua proteção, na confiança de que serão os mansos, e não os autoconfiantes e que se promovem, aqueles que herdarão a terra.

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos” (Mt 5:6).

O reino de Deus – Seu reino sob Seu governo – é um lugar onde reina a justiça, porque o próprio Deus é perfeitamente justo em Seu caráter. Assim, aqueles que “têm fome e sede de justiça” serão fartos. Mais adiante, Jesus declara aos Seus seguidores que, a menos que a sua justiça exceda em muito a dos escribas e fariseus, nunca entrarão no reino dos céus (Mt 5:20). Por sua vez, eles deveriam buscar “em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas [comida, roupas e abrigo] serão acrescentadas” (6:33). Você e eu, de fato, buscamos a justiça e valorizamos a integridade? Ou ansiamos por tratamento preferencial e encontramos formas sutis de controlar e manipular os outros, de preferência sem que percebam? Mais uma vez, Jesus aborda a essência do assunto, ao pedir um coração que se deleite na justiça. É claro que nada disso é possível sem Cristo, a quem Deus “fez pecado por nós”, ainda que Ele “não conheceu pecado […] para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5:21).

“Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5:7).

Quem é misericordioso sabe que necessita de misericórdia e que em Cristo recebeu misericórdia (Rm 12:1). Como destinatário da misericórdia, ele estende misericórdia aos outros e os trata com bondade e terna compaixão. Desta forma, a misericórdia equilibra a justiça. A misericórdia pode parecer fraqueza, porém, na verdade, aqueles que oferecem misericórdia o fazem com força interior, conscientes de que estão seguros no amor de Deus e têm a certeza da sua aceitação e favor em Cristo. Ao mesmo tempo, estão conscientes da sua própria fragilidade e fraqueza, portanto, são sensíveis aos outros. Jesus deu o exemplo, segundo a profecia messiânica de Isaías: “Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega” (Mt 12:20; ver Is 42:3). Jesus tratava as pessoas com ternura e compaixão. Da mesma forma, em vez de serem orgulhosos e arrogantes, os cidadãos do reino de Deus são humildes e amáveis.

“Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus” (Mt 5:8). 

Quem pode afirmar ser limpo de coração? Tal como os fariseus, estamos todos sujos por dentro. Em vista disso, a exortação de Jesus a eles se aplica a todos nós: “Limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo!” (Mt 23:26). No entanto, a limpeza só pode ser realizada pelo Espírito Santo. Mais uma vez, essa ideia não é nova nas Escrituras. Já vimos isso em Davi, quem orou após ter cometido um pecado grave: “Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me e ficarei mais alvo que a neve. Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável” (Sl 51:7, 10). Davi entendia que o pecado separa as pessoas de Deus e por isso implorou: “Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito” (Sl 51:11). Embora Deus nunca removerá o Seu Espírito dos crentes genuínos, ainda devemos nos purificar com a ajuda do Espírito Santo para que nos tornemos limpos de coração e assim possamos ver a Deus um dia (2 Co 7:1; 1 Jo 3:2).

“Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5:9).

Todos querem a paz, no entanto, onde estão os pacificadores? A expressão “pacificador” se usa apenas aqui no Novo Testamento. A forma verbal “fazer a paz” é usada em outro lugar só uma vez em uma das cartas do apóstolo Paulo: “Porque aprouve a Deus que, nele [Jesus], residisse toda a plenitude, e que, havendo feito a paz pelo sangue da cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus” (Col 1:19–20). Isso revela que Jesus é o Pacificador definitivo e que mediante a Sua morte na cruz Ele nos reconciliou com Deus. Agora que temos paz com Deus, somos chamados a fazer a paz e, como o Filho de Deus, seremos chamados “filhos de Deus”. A bênção que Jesus pronuncia aqui não é apenas para aqueles que valorizam a paz, é para aqueles que buscam de forma ativa a paz com Deus e com os outros. Esses pacificadores anseiam pela reconciliação e paz nas relações e não conflitos, e procuram acalmar em vez de inflamar, pacificar em vez de exacerbar. “O homem iracundo suscita contendas, mas o longânimo apazigua a luta” (Pv 15:18). Portanto, os crentes devem “segui[r] a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Heb 12:14). Desta forma, tais filhos de Deus refletem a Deus Pai, quem está de forma ativa comprometido na pacificação através do sangue da cruz do Seu Filho amado.

“Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5:10).

Outra vez, as palavras de Jesus aqui desafiam a lógica comum. Ninguém em sua lucidez se consideraria abençoado quando fosse perseguido. Mas aqui Jesus pronuncia uma bênção sobre aqueles que são perseguidos por causa da justiça. Embora até agora todas as bem-aventuranças tenham sido expressas na terceira pessoa, neste ponto Jesus se volta diretamente para Seus seguidores e se dirige a eles com as palavras adicionais: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós” (Mt 5:11-12). Ao serem odiados e insultados, os discípulos de Jesus fazem parte da nobre linhagem dos profetas do Antigo Testamento que sofreram perseguições e maus-tratos semelhantes. Poderão sofrer perdas terrenas, porém receberão uma grande recompensa nos céus.

“Vós sois o sal da terra” (Mt 5:13).

Entretanto, Jesus dá instruções aos Seus seguidores que ainda estão neste mundo, ao usar duas metáforas diferentes: a do sal e da luz. A respeito do sal, Jesus explica: “Ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens” (Mt 5:13). Se os discípulos de Jesus não se diferenciam do mundo ao seu redor, para que servem? Tal como o sal tempera uma refeição, os cristãos são chamados para acrescentar sabor e até mesmo a agir como conservantes numa cultura corrupta. Por outro lado, Jesus explica numa observação séria que uma vez que o sal perde o seu sabor, se torna inútil. Por conseguinte, não sejamos cristãos inúteis.

“Vós sois a luz do mundo” (Mt 5:14).

Por último, Jesus compara os crentes à luz. Em outro lugar, Jesus afirma: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8:12; 9:5), contudo, aqui Ele declara aos Seus seguidores: “Vós sois a luz do mundo”. Isso não é uma contradição. Pelo contrário, os discípulos de Cristo são chamados a servir como luz do mundo porque, como crentes na luz, se tornaram “filhos da luz” (Jo 12:36). Ao prolongar a metáfora da luz, Jesus detalha:

Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus (Mt 5:14–16).

Embora não sejamos salvos pelas nossas boas obras, somos salvos para fazer boas obras que glorificam o nosso Pai celestial.

Logo no início do Sermão do Monte, Jesus deu aos Seus seguidores um magnífico mosaico de qualidades que destacam os Seus discípulos: humildade de espírito, dor pelo pecado, mansidão, um profundo desejo de justiça, misericórdia, limpeza de coração, um desejo ativo de fazer a paz e paciência para suportar perseguições por causa da justiça. Este catálogo de características difere bastante dos valores do mundo, que incluem autossuficiência e orgulho, viver para o prazer, autoafirmação agressiva, progredir a todo custo, brutalidade e grosseria, decadência moral, postura combativa e vigilância excessiva para garantir que os seus direitos nunca sejam violados. Além disso, os discípulos de Cristo deveriam dar sabor à cultura e brilhar como luzes de Deus no mundo. Ao imitar essas dez características, com a ajuda da presença do Espírito Santo, os seguidores de Jesus provarão ser cidadãos do reino de Deus, já aqui e agora, e por toda a eternidade.


Este artigo foi publicado originalmente na TableTalk Magazine.

Andreas J. Köstenberger
Andreas J. Köstenberger
Andreas Köstenberger es profesor de investigación de Nuevo Testamento y Teología Bíblica y director del Centro de Estudios Bíblicos del Midwestern Baptist Theological Seminary. También es el fundador de Biblical Foundations,™ una organización dedicada a fomentar el regreso a los fundamentos bíblicos en el hogar, la iglesia y la sociedad.