O que é hermenêutica?
outubro 31, 2025
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Como ler a literatura apocalíptica?

Nota do Editor: Este artigo faz parte da coleção sobre Hermenêutica

A literatura apocalíptica apresenta imagens e ensinamentos relacionados ao fim dos tempos, muitas vezes em um formato fortemente simbólico. Uma definição padrão, desenvolvida pelo projeto de gênero da Society of Biblical Literature, afirma que a literatura apocalíptica é “um gênero de literatura reveladora com uma estrutura narrativa, na qual uma revelação é mediada por um ser sobrenatural para um destinatário humano, com a revelação de uma realidade transcendente”. Os princípios a seguir podem nos ajudar a interpretar a literatura apocalíptica segundo as características literárias desse gênero bíblico único.

1. Tenha em mente que a literatura apocalíptica é um subconjunto da profecia bíblica.

Várias vezes no Apocalipse, o gênero do livro é identificado como “profecia” (Ap 22:7, 10, 18-19). O gênero de profecia do Antigo Testamento lida com a situação presente do povo de Deus, ao mesmo tempo em que antecipa acontecimentos futuros. Da mesma forma, em Apocalipse, Jesus tem palavras para a igreja em Seus dias (Ap 2-3) e o livro aborda o glorioso retorno de Jesus no fim dos tempos, bem como os eventos que o precederam e o seguiram, que culminam no estado eterno (ou seja, o novo céu e a nova terra). Por isso, não devemos diminuir a dimensão histórica na interpretação da literatura apocalíptica, apesar do conteúdo simbólico desses livros.

2. Distinguir entre os símbolos e suas correspondências na realidade.

A literatura apocalíptica várias vezes retrata visões gráficas, até mesmo dramáticas, de eventos do fim dos tempos. Embora as visões sejam reais e constantemente haja uma figura ou evento histórico retratado, eles são retratados de forma simbólica. Isso exige uma distinção cuidadosa entre o símbolo real e o referente, ou seja, a pessoa ou evento representado por um símbolo respectivo.

Um exemplo simples seria Apocalipse 12-13, que apresenta dois personagens simbólicos, um dragão e uma mulher. O dragão representa Satanás (o diabo) como um poder bestial, enquanto a mulher simboliza a igreja — ou de forma mais ampla, o povo de Deus — que dá à luz um filho, o Messias. No caso do dragão, a interpretação temos no próprio texto: “E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos” (Ap 12:9). Em outros casos, o texto não oferece a interpretação, e o intérprete deve determinar o referente mais provável de um determinado símbolo.

3. Não se deixe levar por esquemas escatológicos elaborados e cenários do fim dos tempos, se concentre no propósito principal.

É fácil deixar que a curiosidade tome conta de nós, porém como Jesus expressou aos Seus seguidores: “Não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade” (At 1:7). Em vez disso, o principal propósito do Apocalipse é a teodiceia: a demonstração da justiça e da retidão de Deus. Deus, sem dúvida, vindicará os crentes em Cristo e julgará os incrédulos. A literatura apocalíptica é elaborada para tranquilizar os crentes de que, apesar de que possam enfrentar sofrimento e perseguição no presente, Deus conduzirá a história à sua conclusão final. Jesus retornará em toda a Sua glória, julgará os ímpios e conduzirá os crentes à presença de Deus, onde viverão por toda a eternidade. Ao mesmo tempo, Apocalipse demonstra que Deus deu aos incrédulos todas as oportunidades de crer em Cristo. É apenas por causa da recusa persistente em acreditar que finalmente serão julgados.

4. Interpretar a literatura apocalíptica de forma canônica e historicamente redentora.

A literatura apocalíptica tem uma função importante dentro do cânon das Escrituras. Ela fornece o suporte final das Escrituras, que começaram em um jardim, porém terminam em uma cidade. A história bíblica começa com um homem e uma mulher e termina com uma multidão inumerável reunida ao redor do trono de Deus. Entre esses dois extremos, vemos a humanidade se rebelar contra o Criador, o que desencadeia uma grande operação de resgate que culmina na primeira vinda de Jesus como o “Cordeiro” de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1:29, 36). Após um período de missão às nações, a literatura apocalíptica retrata a gloriosa e triunfante segunda vinda de Jesus como o “Leão da tribo de Judá” (Ap 5:5).

Ao invés de apresentar imagens apocalípticas vívidas sobre um fim catastrófico da terra como uma espécie de destruição nuclear, Apocalipse descreve o ápice da história da aliança de Deus com Seu povo. Assim, o pronunciamento no final do livro serve como uma conclusão apropriada: “Eis o tabernáculo de Deus com os homens.  Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles” (Ap 21:3).


Artigo publicado originalmente em Ligonier.org.

Andreas J. Köstenberger
Andreas J. Köstenberger
O Dr. Andreas J. Köstenberger é teólogo residente na Fellowship Raleigh e cofundador da Biblical Foundations. Ele é autor, editor ou tradutor de mais de sessenta livros, entre eles The Jesus of the Gospels [O Jesus dos Evangelhos] e Handbook on Hebrews Through Revelation [Um manual de Hebreus até Apocalipse]. Ele e sua esposa Marny têm quatro filhos adultos e moram na Carolina do Norte.