A Bíblia
janeiro 31, 2025Salvação
fevereiro 4, 2025Cristo
Nota do editor: Este é o sétimo de 17 capítulos da série da revista Tabletalk: Cristianismo e liberalismo.
Uma das ênfases de J. Gresham Machen em Cristianismo e liberalismo é a necessidade de entender Jesus corretamente. Como um fervoroso líder eclesiástico e acadêmico talentoso, Machen estava bem informado sobre visões pouco ortodoxas sobre Jesus, tanto na igreja quanto na academia, e os mesmos erros com frequência surgem em nossos dias. Nos dias de hoje, Na literatura acadêmica, estudiosos costumam descrever Jesus como um profeta judeu de Nazaré que também foi, em certo aspecto, o Filho de Deus, mas isso nem sempre é entendido como o divino Filho de Deus. Muitas vezes, se presume que Jesus de Nazaré foi um ser humano sobre o qual podemos falar muitas coisas, por outro lado falar dele como o divino Filho de Deus seria muita especulação. Porém aqui devemos ter cuidado, pois a cristologia ortodoxa adverte que seria bastante errado pensar em Jesus apenas como uma pessoa de Nazaré. Ao mesmo tempo, também seria incorreto negar a verdadeira humanidade de Jesus, o que também é inegociável para a cristologia ortodoxa. Navegar nessas águas turbulentas exige que articulemos a doutrina de Cristo com precisão.
Ainda bem, temos centenas de anos de reflexão bíblica fiel nos grandes credos da igreja para nos ajudar a ter uma visão correta de Cristo. Para começar, devemos entender que falar sobre Cristo é falar da segunda pessoa da Trindade: o Filho eterno de Deus. É esse Filho divino de Deus, essa pessoa divina, que encontramos na encarnação. Portanto, seria incorreto falar de Jesus Cristo como se estivéssemos nos deparando com um ser humano que surge em Nazaré. Também seria incorreto pensar em duas pessoas na encarnação, como se na encarnação conhecêssemos uma pessoa divina e uma humana. Em vez disso, Jesus Cristo é uma pessoa: uma pessoa divina que assumiu uma natureza humana. Embora Ele tenha nascido em Belém e crescido em Nazaré segundo Sua natureza humana (Mt 1:18-23; Lc 2:1-14), Suas verdadeiras origens são eternas (ver Mq 5:2), pois Ele é o Filho eterno de Deus.
Isso exige que entendamos com exatidão o que é frequentemente conhecido como a ‘união hipostática’ (ver Confissão de Fé de Westminster 8.2). A união hipostática ensina que na encarnação, duas naturezas (divina e humana) se unem na única pessoa de Cristo. A palavra hypostasis (de onde vem o termo hipostático) se refere a uma pessoa divina, e ‘união’ se refere à união das naturezas divina e humana em uma só pessoa. Isso significa que na encarnação, Cristo retém Sua natureza divina enquanto também assume uma natureza humana. Contudo, essas naturezas não estão de forma alguma confundidas, alteradas, divididas ou separadas, mas estão unidas na única pessoa de Cristo. Nem as naturezas agem por si mesmas, é sempre a pessoa do Filho de Deus que age. Isso reflete um importante princípio cristológico: as pessoas agem, as naturezas não.
Além disso, a única pessoa de Cristo atua segundo o que é próprio de cada natureza. Assim, na encarnação, o Filho de Deus continua sendo o que sempre foi (divino), porém assume uma verdadeira natureza humana por nós e para nossa salvação. Na união hipostática, falamos do Cristo que é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, não obstante, Ele permanece uma só pessoa.
Talvez não seja surpreendente que a união hipostática nem sempre tenha sido expressada de forma correta. Várias heresias ilustram a maneira errada de pensar sobre Cristo. O arianismo ensina que o Filho de Deus não era totalmente divino da mesma forma que o Pai é divino. Mas isso ignora o claro ensino bíblico da plena divindade de Jesus (p. ex., Jo 1:1; 20:28; Hb 1:8; 1 Jo 5:20). Ademais, não há meio termo quando se trata de divindade: Jesus é divino ou não é. Outras heresias ensinam que Jesus não era totalmente humano. Por exemplo, o apolinarismo ensina que Jesus não tinha mente humana. Porém isso tornaria Jesus menos que ser humano, e Ele não estaria qualificado para ser o Salvador da humanidade, pois todos nós temos mentes pecaminosas que precisam de redenção. O eutiquianismo argumenta que em Cristo as naturezas divina e humana estão de alguma forma misturadas em um terceira natureza, algum tipo de combinação do divino e do humano. Mas esse ensino também significa que Jesus não teve uma natureza humana como a nossa, e essa postura deve, por conseguinte, ser rejeitada (ver Hb 2:14-18). Outra heresia que continua a aparecer é o nestorianismo. Essa visão errônea, que foi refutada por Cirilo de Alexandria e pelo Concílio de Éfeso em 431 d.C., ensina que há duas pessoas em Cristo. Porém a cristologia ortodoxa ensina que Cristo é uma pessoa.
Machen entendeu por que isso é tão importante. Nos Evangelhos, Jesus está preocupado que Seus discípulos saibam quem Ele é, em contraste com as especulações das multidões (Mt 16:13-17). Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo. Os discípulos sabiam claramente que Jesus era um homem, mas também tinham que reconhecer que Ele era o Messias e o divino Filho de Deus. Em outro lugar, Paulo está preocupado que confessemos Jesus de forma correta (p. ex., Fp 2:6-11; 1 Tm 3:16). Pensar e comunicar de maneira correta sobre Cristo é uma preocupação bíblica para todos os cristãos, não deve ser uma especulação abstrata apenas para os teólogos. Como Machen escreveu: “Se Jesus era o que o Novo Testamento representa, então podemos com segurança confiar a Ele o destino eterno de nossas almas”.
Esta é a razão da importância: nosso Salvador deve ser verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem para nos salvar do pecado. Apenas Aquele que é Deus pode resistir à ira de Deus contra o pecado e nos conceder a vida eterna (ver Catecismo Maior de Westminster 38; Catecismo de Heidelberg 17). Contudo, só alguém que é homem, que possui a nossa mesma natureza, poderia suportar a maldição pelos nossos pecados na mesma natureza que pecou no princípio (ver CMW 39; CH 16). Apenas Jesus é o segundo Adão com uma perfeita obediência que supera a desobediência do primeiro Adão sem nunca deixar de ser o Filho eterno de Deus. Porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, pelo qual importa que sejamos salvos, pois somente Jesus é o Senhor ressuscitado e glorificado, quem é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem.
Os grandes credos da igreja falam de Cristo como a segunda pessoa da Trindade que desceu para nos salvar. Ele não é um homem que se tornou Deus, mas Deus que se fez homem. Essa é uma diferença essencial com implicações enormes. Falar de Jesus principalmente como um homem ou como se Ele fosse um ser humano, de uma forma que os credos não ensinam, é negar algo central do evangelho. O próprio Machen observou que a expiação substitutiva assume a singularidade da pessoa de Cristo. Nosso estado de pecado é tão grande que nenhum homem poderia nos tirar da situação desesperadora. Não precisamos apenas de um modelo ou de um mestre, precisamos de um Salvador. Como afirmou Machen, “Jesus não é um mero exemplo de fé, mas sim o objeto da fé”. Não precisamos de um simples homem para nos salvar, precisamos de um verdadeiro homem para nos salvar. Precisamos de alguém que seja verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Precisamos de Jesus Cristo. Isso se aplicava na época de Machen e ainda se aplica nos dias de hoje.
Este artigo foi publicado originalmente na TableTalk Magazine.