
O que significa “santa”?
maio 6, 2024
O que significa “apostólica”?
maio 8, 2024O que significa “católica”?

Nota do editor: Este é o terceiro de 5 artigos da coleção: Igreja: uma, santa, católica e apostólica.
Desde seus primeiros dias, a Igreja de Jesus Cristo tem sido descrita como “católica”. O primeiro uso do termo aparece em escritos conhecidos dos pais apostólicos no início e em meados do século II (Inácio de Antioquia, Epístola aos Esmirniotas 8:9; O martírio de Policarpo, Introdução). A palavra vem do grego katholikos, que significa “por toda parte” ou “universal”. Esse era o uso eclesiástico geral nos primeiros séculos. Entretanto, a palavra “católica” é hoje identificada quase que exclusivamente com a Igreja romana. Porém essa associação é um desenvolvimento histórico um pouco tardio. A igreja primitiva aplicava o termo à igreja na totalidade, tanto ao leste quanto ao oeste.
Muitos hoje estão em busca da única igreja verdadeira, a igreja católica com continuidade histórica que remonta a Jesus e aos apóstolos. Jesus declarou em Mt 16:18: “Edificarei a minha igreja.” Jesus só tem uma Igreja, logo, a questão da catolicidade está em relação direta à verdadeira natureza da igreja. Roma e a Ortodoxia Oriental definem a igreja institucionalmente; a catolicidade é entendida como a comunhão com uma instituição visível. Por outro lado, os protestantes explicam a igreja, em especial, embora não em exclusivo, em termos doutrinários ou espirituais. Os protestantes afirmam que a catolicidade se refere acima de tudo ao que é espiritual. Isso, é claro, levanta toda a questão da Igreja visível versus a invisível. Os reformadores incluíram a distinção como um elemento vital de sua eclesiologia. Isso foi mera apologética ou foi um argumento legitimamente bíblico? Essa posição já havia sido promulgada antes da Reforma?
Em Mt 16:16, Pedro confessou que Jesus é “o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Jesus respondeu: “Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mt 16:18). Historicamente, essa passagem gerou uma tremenda controvérsia. A “pedra” é a confissão de Pedro e, portanto, o próprio Cristo, como insistem os protestantes? Ou a igreja está edificada sobre Pedro e, mais adiante, sobre os sucessores de Pedro, os bispos de Roma, como afirma a Igreja romana? Como devemos entender o que Jesus de fato quis dizer?
O livro de Efésios fornece um comentário útil sobre essa passagem. Em Ef 2:20, Paulo afirma que a igreja é “edificad[a] sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular”. A palavra grega para “edificad[a] sobre” é a mesma palavra usada por Jesus em Mateus 16:18. Como a igreja é edificada sobre os apóstolos e profetas? Ela foi edificada no início por meio da pregação deles (At 2:42; 5:42) e depois historicamente por meio de seus escritos inspirados. Mediante o evangelho, eles testificaram de Jesus Cristo — Sua pessoa e obra — como o fundamento supremo da Igreja (1 Co 3:11). Em Efésios 1:13, Paulo escreve que nEle “em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa”. Paulo está explicando como a igreja de Éfeso foi edificada e, ao fazê-lo, descreve como a Igreja católica será edificada. O evangelho foi proclamado, os efésios responderam com fé e foram selados em uma união espiritual com Jesus Cristo. Por conseguinte, o meio de edificar a Igreja é o evangelho apostólico, uma mensagem de salvação somente pela graça, por meio da fé somente em Cristo: uma mensagem profetizada pelos profetas e testemunhada pelos relatos oculares dos apóstolos. Portanto, a rocha de Mt 16 deve se referir à confissão de Cristo feita por Pedro.
A primazia e a importância do evangelho na compreensão da natureza e da catolicidade da verdadeira igreja não podem ser exageradas. Paulo advertiu os gálatas que aqueles que abraçaram e ensinaram um evangelho distorcido haviam abandonado Cristo e estavam sob uma maldição divina (Gl 1:6-8). Eles não faziam parte da verdadeira igreja católica. Em vista disso, podemos concluir, com base no ensino claro das Escrituras, que a Igreja consiste naqueles que abraçaram o verdadeiro evangelho, foram espiritualmente unidos a Cristo e se tornaram membros de Seu corpo: Sua Igreja (Jo 15:4-5; 17:23; Rm 12:12-13; Ef 1:22-23). E, como é espiritual em sua natureza, essa união é invisível. Paulo explicou a distinção entre a igreja visível e a invisível ao usar Israel como exemplo. Nem todos os que faziam parte da nação visível de Israel faziam parte do reino espiritual de Deus (Rm 2:28-29; 9:6-7). As Escrituras deixam claro que é perfeitamente possível ser membro da igreja visível e não fazer parte da Igreja invisível de Jesus Cristo. Antes de mais nada, a natureza da única e verdadeira Igreja é espiritual e invisível.
Entretanto, embora essa união espiritual possa não ser visível, a própria união produzirá manifestações visíveis na vida de todos os que estão unidos a Cristo. Os membros da Igreja católica serão evidenciados por novas naturezas e vidas transformadas caracterizadas por submissão, obediência, amor e compromisso com Deus e Sua Palavra, em especial, Seu evangelho (Jo 3:3-8; 8:31-32; Rm 6:1-22; 2 Co 5:17; Gl 1:6-9; Fp 3:3-11; Tt 2:11-14; 1 Jo 2:3-6). O apóstolo João advertiu que, onde não há santidade de vida, não há união com Cristo, mesmo que o crente professo seja um membro de carteirinha da igreja visível (1 Jo 2:3-6; 3:4-10). Jesus fez exortações semelhantes em Suas pregações e parábolas (Mt 7:13-23, 13:18-30; Jo 8:30-44). Além disso, os indivíduos que estão unidos a Cristo também são membros de comunhões visíveis organizadas como corpos locais, razão pela qual Paulo pôde falar da igreja em Roma, Corinto e Éfeso.
Jesus ordenou que Seu evangelho fosse proclamado em todo o mundo (Mt 28:18-20). Sua única e verdadeira Igreja católica abrange pessoas de todas as culturas, raças, gêneros e contextos sociopolíticos (Ef 2:11-12; Cl 3:11; Hb 12:22-23). É a companhia daqueles que creram e obedeceram ao evangelho, e que dão evidência de sua união com Cristo vivendo em santidade. Esses formarão a Igreja católica aperfeiçoada no céu, onde, por toda a eternidade, adorarão, servirão e glorificarão a Deus e ao Cordeiro (Ap 5:8-14, 22:1-4). A verdadeira catolicidade é espiritual em sua essência, e não em sua institucionalidade.
A doutrina da Igreja invisível não foi um ensinamento novo dos reformadores. Um dos mais fortes defensores dessa doutrina na Igreja primitiva foi Agostinho. Ele ensinou que a igreja foi edificada, não sobre Pedro, mas sobre sua confissão e, portanto, em Cristo: “Você vê que Cristo edificou a Sua Igreja não sobre um homem, mas sobre a confissão de Pedro” (Sermão 229 P.1., em The Works of Saint Augustine, Sermons, [As obras de São Agostinho, Sermões] vol. III.vi).
Essa exegese é representativa da posição dos pais da Igreja primitiva. Agostinho ensinou que havia muitos na igreja visível que haviam professado Cristo, sido batizados e participado dos sacramentos, porém não eram membros da Igreja invisível (Sermons on the Gospel of John, Tractate 27:11; On Baptism, [Sermões sobre o Evangelho de João, Tratado 27:11; Sobre o batismo], livro IV, cap. 3.5). Segundo Agostinho, a verdadeira Igreja consiste naqueles que se arrependeram e creram, que estão espiritualmente unidos a Cristo como sua Cabeça e que vivem vidas santas como evidência de sua união mística com Ele. Aqueles que não manifestam uma vida transformada, ele caracterizou como cristãos nominais, não genuínos. Ele apelou para o ensino do NT sobre o joio, a rede de arrasto, os bodes, o trigo e o joio para obter apoio (Sermões 5.3; 23.4; 88.19; 149.4; 137.9; Resposta a Petiliano, livro 3, cap. 2.3; Sobre Salmos 965.15; Sobre a moral da Igreja católica 34.76; Cidade de Deus, livro I, cap. 35, Sobre a unidade da Igreja 34-35). Em seu tratado sobre fé e obras, Agostinho alertou contra uma fé morta que professa Cristo, mas não produz uma vida transformada, pois não há arrependimento genuíno. Isso torna os sacramentos nulos e sem efeito. Agostinho certamente percebia a igreja como visível, porém ele fez uma distinção explícita entre a igreja visível e a Igreja invisível.
Ser um verdadeiro membro da Igreja católica é fazer parte desse majestoso corpo de santos, os eleitos de Deus que se converteram e se uniram espiritualmente a Jesus Cristo. É juntar-se à grande companhia dos resgatados, curados, restaurados e perdoados. À luz da possibilidade sóbria de uma profissão de fé vazia, o NT nos exorta a nos examinar, para ver se estamos na fé, para certificar nossa vocação e eleição (2 Co 13:5). Temos a obrigação moral de incentivar outras pessoas a fazer o mesmo. É a união com Cristo, e não a participação em uma organização visível, que nos dá um lugar na única e verdadeira Igreja católica. Assim, os santos de todas as épocas e as Escrituras proclamam: “Digno és […] porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5:9).
Publicado originalmente em Tabletak Magazine.