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junho 7, 2023O contexto greco-romano do mundo judaico

Nota do editor: Este é o segundo de 12 capítulos da série da revista Tabletalk: O mundo judaico nos dias de Jesus.
Você já sentiu que está perdendo algo ao ler o Novo Testamento? Nunca esquecerei de me sentir assim na primeira vez que li a Bíblia de Gênesis a Apocalipse. Quando cheguei aos Evangelhos, fui imediatamente confrontado por grupos religiosos e políticos como os fariseus e saduceus. Mas de onde eles vieram? Não me lembrava de ter lido sobre eles no Antigo Testamento. Herodes, o Grande, foi chamado de “rei dos judeus”, mas como obteve essa posição? Os romanos obviamente estavam no comando, mas como Roma chegou a governar a nação judaica? A última vez que li, o rei persa Ciro governou sobre eles, e permitiu que o povo voltasse para a terra e reconstruísse o templo. O que aconteceu naquela página em branco entre Malaquias e Mateus?
Foi quando percebi que precisava entender o contexto histórico, cultural e político do Novo Testamento. Neste artigo, quero demonstrar como o pano de fundo do texto ilumina o primeiro plano e que, para entender o mundo greco-romano dos judeus, é preciso atentar para o contexto histórico, cultural e político desse momento crucial na história redentora.
A HISTÓRIA DO MUNDO GRECO-ROMANO
Alexandre, o Grande, assumiu o controle de Israel em 332 a.C. e impôs o estilo de vida grego à nação judaica, ele “helenizou” a Terra Santa. Propagou a cultura grega, fundou cidades gregas, construiu edifícios gregos, introduziu a moeda grega e difundiu a língua grega. Embora Alexandre permitisse que os judeus vivessem de acordo com sua lei ancestral, o modo de vida grego tornou-se a maior ameaça à manutenção de uma identidade judaica distinta.
Alguns judeus, sobretudo os mais jovens, adoraram essa mudança cultural de identidade. Usavam chapéus gregos de abas largas e depressa terminavam seus deveres no templo para se exercitarem nus no ginásio, assim como os gregos. Alguns até passaram por cirurgia para reverter a circuncisão.
Outros judeus ficaram horrorizados e ansiavam por serem libertados do controle grego. Depois que Alexandre morreu em 323 a.C., a dinastia selêucida finalmente assumiu o controle dos judeus. Mas nessa época, uma revolta estava se formando. E em 167 a.C., enfim aconteceu. O rei selêucida Antíoco IV Epifânio destruiu cópias das Escrituras judaicas, proibiu a circuncisão, proibiu a observância do sábado e das festas e sacrificou porcos no altar de holocaustos. Em resposta a esse sacrilégio, uma família audaz começou uma revolta judaica: os macabeus.
Matatias e seus filhos estavam cansados de pagar impostos a um governo opressor que procurava erradicar sua religião judaica, sua própria identidade. Seu filho mais velho, Judas Macabeu, era um especialista em combate de guerrilhas. Derrubou altares pagãos, circuncidou crianças à força e até matou alegremente judeus helenizados. Judas e suas tropas finalmente marcharam para Jerusalém e limparam o templo que Antíoco IV havia profanado. Era 14 de dezembro de 165 a.C. Para comemorar esse evento, uma nova festa foi adicionada ao calendário judaico: Hanukkah (que significa “Dedicação”; veja Jo 10:22).
Os judeus estavam agora sob o controle da dinastia dos macabeus (ou asmoneus, por causa de seu ancestral Hashmon). Mas foi Simão Macabeu quem alcançou a completa independência política judaica em 142 a.C. E graças à política de expansão de João Hircano, filho de Simão, sumo sacerdote e governante da nação judaica de cerca de 135 a 104 a.C., os judeus essencialmente recuperaram a mesma quantidade de terra que o rei Davi e Salomão haviam desfrutado.
Muitos governantes asmoneus assumiram o título de “rei” ou “sumo sacerdote”, mas a paz não era uma marca registrada de seu governo. Em vez disso, seu governo estava repleto de traições, assassinatos e corrupção política e religiosa. Israel era uma nação dividida, dividida entre “pró-helenizantes” e “anti-helenizantes”. Os saduceus apoiaram os primeiros; os fariseus os últimos.
Em meio a esse conflito civil, o general romano Pompeu, o Grande, assumiu o controle de Israel em 63 a.C. A nação teve que se submeter a Roma pagando impostos, assim como fizeram sob o domínio assírio, babilônico, medo-persa, grego, ptolomaico e selêucida. No entanto, Pompeu instalou um governante asmoneu, Hircano II, para governar a Judéia e a Iduméia como sumo sacerdote, e também concedeu um nível de liberdade aos judeus. Mas Hircano II era apenas um rei cliente (ou, talvez melhor, um rei fantoche) de Roma.
Logo após que Pompeu foi assassinado, Júlio César chegou ao poder em 48 aC. Sob seu governo, o povo judeu foi favorecido. Ele concedeu uma redução de impostos e uma isenção do serviço militar. Também instalou dois governantes hasmoneus como reis clientes, um com o título de procurador da Judéia (Antípatro), o outro como etnarca ou “governante de um povo” (Hircano II).
Depois que César foi assassinado por Cássio e Bruto em 44 a.C., os judeus tiveram que pagar mais impostos. Mais tarde, Marco Antônio e Otaviano ganharam o controle de Roma. Declararam Herodes “rei dos judeus”. Herodes, admirador da cultura grega, era agora oficialmente amigo e aliado do povo romano (Você pode ouvir a família dos macabeus revirar em seus túmulos?). Foi obrigado a cumprir a vontade de Roma como um rei fantoche, assim como seus descendentes depois dele: Herodes Arquelau (Mt 2:22), Herodes Filipe (Lc 3), Herodes Antipas (Mc 6; ver também Lc 23:7), Herodes Agripa I (At 12) e Herodes Agripa II (At 26).
Vários imperadores romanos que governaram durante o primeiro século instalaram governadores sobre o território de Israel. Embora houvesse muitos, o governador romano mais conhecido é Pôncio Pilatos. Textos extrabíblicos retratam seu governo como opressivo, uma caracterização confirmada em Lucas 13:1.
O maior ato de opressão ocorreu no final da Guerra Romano-Judaica (66–70 d.C.). O filho do imperador Vespasiano, Tito, sitiou a cidade. Mas a escassez, pestilência, doença, fome e violência dentro dos muros da cidade empalideceram em comparação com o ato mais hediondo: a destruição do templo em 70 d.C. Isso alterou muito a identidade, cosmovisão e prática religiosa judaicas, com consequências que se estendem até hoje.
A VIDA JUDAICA SOB OS ROMANOS
Uma política romana monolítica em relação aos judeus não existia no primeiro século. Alguns imperadores foram mais bem dispostos do que outros, ao conceder ao povo judeu privilégios mais fundamentais, como isenção de impostos, isenção militar e liberdade de religião. Na verdade, o judaísmo era considerado uma religio licita (religião permitida), mesmo que os judeus fossem monoteístas e intolerantes com outras religiões.
No entanto, muitos imperadores romanos desprezavam a intolerância religiosa judaica, especialmente quando se tratava da adoração dos deuses do estado romano. Isso fez com que os judeus se tornassem alvos de suspeita, ódio e perseguição. E seu desejo sincero de um messias para libertá-los do “exílio” não ajudou, como determinam os vários motins e revoltas ao longo do primeiro século que estão registrados em Atos 5:36-37; 21:38 e pelo historiador judeu Josefo. Esses eventos apenas aumentaram as suspeitas dos judeus e limitaram seu poder político.
Ainda que os judeus estivessem no poder estavam em dívida com Roma. Muitas vezes, se preocupavam mais em agradar a César do que em agradar ao Deus de Israel. Eram semelhantes a vice-reis, obrigados por Roma a cumprir a vontade de César. Muitos foram completamente helenizados, assim como seus ancestrais antes deles, que abraçaram a estratégia de helenização de Alexandre.
Em última análise, os judeus nunca estiveram exclusivamente sob o controle romano. Aquele que controla toda a história, que “muda os tempos e as estações, remove reis e estabelece reis” (Dn 2:21), providencialmente guiou Sua igreja até “a plenitude do tempo” (Gl 4:4), quando nasceria o verdadeiro Rei (Mq 5:2).
Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.