
O que é a caridade?
abril 21, 2025O que é a mansidão?

Nota do editor: Este artigo faz parte da coleção Virtudes e defeitos.
A palavra “quebrado” possui um significado muito diferente, ou oposto, quando usada para um copo ou uma bicicleta do que quando usada para um cavalo. Um vidro quebrado ou uma bicicleta se tornam inúteis, enquanto um cavalo quebrado (domado) se torna útil. Quando pensamos na vida cristã, quebrado é mais apropriado no último sentido do que no primeiro. Pecadores destruídos e arruinados pela queda e por sua própria pecaminosidade passam a servir de forma útil a Deus e ao Seu reino. Essa transformação acontece por meio do fruto do Espírito Santo conhecido como mansidão.
A mansidão hoje parece algo de uma era passada, associada ao “movimento de mansidão” da Lei Seca e à proibição do álcool. Bebidas fortes e embriaguez estão em foco quando falamos sobre esse assunto, porém certamente não se limita apenas a isso. A palavra grega que pode ser traduzida como “mansidão” é com frequência traduzida em versões mais modernas como “autocontrole” ou “domínio próprio” (1 Co 9:25; 2 Pe 1:6). O apóstolo Paulo em Gálatas 5 contrasta a obra pecaminosa da carne (Gl 5:18-21) com o fruto do Espírito (Gl 5:22-23) e termina essa seção afirmando: “E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências”, para andar “também no Espírito” (Gl 5:24-25). A natureza autocontrolada da mansidão vem do controle do Espírito Santo em todas as coisas.
A Escritura compara uma pessoa ou uma nação sem mansidão ou autocontrole a uma “cidade derribada, que não tem muros” (Pv 25:28), um “jumento selvagem” (Gn 16:12) e uma “vide brava” (Jr 2:21), todos os quais transmitem paixões e prazeres desenfreados que levam à destruição. Por outro lado, o cristão é descrito como alguém sóbrio, casto, modesto, rápido para ouvir e tardio para falar. Em vez de ser selvagem, o discípulo de Cristo é disciplinado em pensamento, palavra e ações. Paulo expressa que devemos nos exercitar (ou nos disciplinar) “na piedade” (1 Tm 4:7). Esse treinamento na piedade vem do caráter de mansidão e autocontrole. Em vez de satisfazer depressa todos os caprichos e impulsos, o desejo maior de obediência e glória de Deus são fatores determinantes. Portanto, mansidão é um fruto produzido pelo Espírito na vida do crente que se manifesta na abstinência piedosa de paixões pecaminosas e na moderação até mesmo de bons desejos, em conformidade com Cristo.
Um personagem bíblico que demonstra que esse caráter espiritual deve residir principalmente no coração e na mente, e não na mera conformidade externa, é Sansão. Por fora, ele estava sob um voto nazireu de mansidão (Jz 13:7), mas por dentro não tinha autocontrole. Ele ordenou a seu pai que lhe arranjasse uma esposa estrangeira entre os filisteus, pois ele a “viu” e disse: “Toma-me esta, porque só desta me agrado” (Jz 14:1-3). A luxúria desenfreada tornou-se uma grande armadilha para Sansão (Jz 14:15-17; Jz 16:1, 5, 15-18). Até mesmo sua vingança contra os filisteus foi ao que tudo indica motivada por uma explosão pessoal de raiva que resultou em uma vingança contra seus inimigos, e não por um fervor santo. No final, Sansão é uma trágica história de um homem poderoso que foi enfraquecido e destruído por sua falta de mansidão interior.
Compare isso com Jesus em Sua tentação no deserto (Mt 4:1-11). A manobra do diabo era tentar Jesus a satisfazer um bom desejo de uma maneira ilícita. Para fazer isso, Jesus teria que cumprir Seu desejo em vez de obedecer a Seu Pai. Em cada situação, Ele resistiu, porque a realização pessoal não justificava os meios de obter ou atingir tais desejos. Então, o Salvador sem pecado se conteve, pois a obediência e a glória de Deus eram maiores para Ele do que a auto-realização pecaminosa. Seu desejo por Deus superou todas as tentações pecaminosas. Essa é a virtude divina da mansidão na prática.
Este fruto da mansidão será demonstrado principalmente na vida de um cristão em três áreas. Primeiro, nossos pensamentos devem ser transformados “pela renovação da vossa mente”, não mais tendo nossa mente aprisionada pela preocupação e ansiedade (Fp 4:4-8), mas sim fixando nossa mente nas coisas lá do alto (Cl 3:2). Em segundo lugar, as emoções do coração devem ser moderadas pela piedade e santidade (Pv 4:23-27), não dominadas pela raiva, luxúria, ganância, ciúme, inveja ou cobiça (Mt 15:18-19; Gl 5:18-21). Terceiro, as ações e os feitos da nossa boca e da nossa vida devem demonstrar o fruto do domínio próprio, desde a nossa fala, que deve ser adequada, não suja; até a nossa ingestão de alimentos e bebidas, que deve ser moderada, não dado à gula nem à embriaguez; até as nossas posses e vestimentas, que devem ser modestas, não chamativas; até a nossa ética de trabalho, que deve ser diligente, não preguiçosa ou dominadora. O fruto do domínio próprio afeta quase todas as áreas e todos os estágios da vida, à medida que está sob o controle do Espírito (Tt 2:2-6). Então, não é surpresa que uma qualificação distintiva para um bispo seja que ele deve ter autocontrole (1 Tm 3:2; Tt 1:8).
Em um mundo onde o autocontrole é visto como algo que proíbe a autoexpressão e até mesmo é prejudicial e nocivo para a pessoa, a Bíblia apresenta uma perspectiva oposta. Essas pessoas “livres” vão contra a ordem de seu Criador e, por conseguinte, se destroem por meio de sua pecaminosidade desenfreada. Contudo, o cristão fica sob os limites da mansidão do Espírito Santo, para destruir os laços do pecado e da morte. O bom Pastor nos diz: “O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10:10). Em vez de ser um chato, a manisdão na vida do crente é parte da vida abundante em Cristo que produz frutos bons e que glorificam a Deus.
Artigo publicado originalmente em Ligonier.org.