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A piedade pessoal do reino

Nota do editor: Este é o quarto de 14 capítulos da série da revista Tabletalk: Manual para viver no reino.

A palavra “piedade” meio que fica presa na garganta. O que isso significa? Ser “piedoso para alguns pode significar uma atitude de superioridade, que é, na melhor das hipóteses, desanimadora e, na pior das hipóteses, cheia de orgulho espiritual. Para outros, ser piedoso está profundamente enraizado na história do pietismo evangélico dos Morávios, que influenciaram John Wesley e, portanto, todo o despertar evangélico do século XVIII e até aos nossos dias. É provável que muitos pensem na piedade como algumas “disciplinas espirituais” práticas para o indivíduo.

O cap. 6 do Evangelho segundo Mateus, centro do famoso Sermão do Monte, é então instrutivo para as nossas presunções sobre o que significa piedade e como colocá-la em prática de diversas maneiras interessantes. Em primeiro lugar, observe a lista de temas que nosso Senhor escolhe. Dar, orar, jejuar – até agora, tão normais em termos do que esperaríamos no tema da piedade – e depois dinheiro outra vez, desta vez de uma perspectiva diferente, o que talvez não seja tão surpreendente, dada a dificuldade preponderante que a maioria dos humanos tem com dinheiro e bens. Mas então Jesus termina com uma longa seção sobre ansiedade ou preocupação, que não é exatamente uma “disciplina espiritual” como tal, e no meio disso está uma das declarações mais conhecidas do Sermão do Monte sobre buscar primeiro o reino de Deus.

Em segundo lugar, ainda mais importante, observe o contraste contínuo que permeia todo este capítulo. Várias vezes, Jesus está declarando aos Seus seguidores para não serem “como eles”, aqueles que demonstram piedade, porém para serem “como estes”, aqueles que pensam apenas em Deus como seu observador. Você pode ver esse contraste em Mateus 6:1-2 , onde Jesus descreve o extraordinário comportamento ostentoso dos doadores naquela época e depois afirma aos Seus seguidores: “Não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens”. Então não seja como eles. Em vez disso, seja assim: “Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita” (Mt 6:3).

Você pode ver o mesmo contraste quando Ele ensina sobre a oração: “Quando orardes, não sereis como os hipócritas” (Mt 6:5). Então não seja como eles. Em vez disso, seja assim: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto…” (Mt 6:6).

Podemos ver o mesmo contraste no ensinamento de Jesus sobre o jejum: “Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas…” (Mt 6:16). Em vez disso, “quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto” (Mt 6:17). Não seja como eles; em vez disso, seja assim.

A única ruptura neste padrão ocorre com o ensino de Jesus sobre os tesouros no céu. Ele não segue explicitamente o mesmo tipo de expressão, contudo, o contraste está implícito: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra” (Mt 6:19), o que implica que é algo que muitas pessoas fazem. Não devemos ser como eles. Em vez disso, “ajuntai para vós outros tesouros no céu…” (Mt 6:20).

O ensino de Jesus no final do capítulo sobre preocupação ou ansiedade apresenta o mesmo contraste mais uma vez. Depois de ter descrito toda a ansiedade que surge ao correr atrás das coisas deste mundo, Ele indica: “Os gentios é que procuram todas estas coisas…” (Mt 6:32). Então não seja como eles. Em vez disso, seja assim: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça…” (Mt 6:33).

Para entender o que Jesus está ensinando aqui sobre piedade, então, devemos entender os dois grupos que Ele contrasta em Seu ensino. Há aqueles a quem Jesus chama de hypokriteai ou “hipócritas” (Mt 6:2, 5, 16) e outro grupo que ele chama de ethnikoi, “gentios” (Mt 6:7, 32). Quando se trata de dar, orar e jejuar, devemos evitar o exemplo dos hipócritas. Quando se trata de evitar o exemplo dos gentios, devemos ter cuidado também com o seu modelo de oração, principalmente com o exemplo que dão em relação à ansiedade. Ao que tudo indica, tanto os hipócritas como os gentios têm problemas quando se trata de ajuntar tesouros na terra.

Dado que “gentios” deve referir-se à religiosidade não-judaica do Mundo Antigo, em especial, à cultura greco-romana da época, conclui-se que a religiosidade a que Jesus se refere pelo termo “hipócritas” se refere às práticas de alguns dos judeus de Sua época. Na verdade, Ele torna essa associação irrefutável ao mencionar as “sinagogas” nos vv. 2 e 5. Não podemos concluir que Mateus quis dizer que todos os seguidores do modo de vida judaico eram hipócritas em sua época. Afinal, ele já descreveu muito bem a piedade de José e Maria, sem falar que ele também era judeu. A questão é que havia líderes religiosos nos dias de Jesus que eram hipócritas, davam uma demonstração de religiosidade e piedade, porém que não possuíam a verdadeira essência. Da mesma forma, havia pagãos ou gentios no tempo de Jesus que também erraram em relação à piedade.

Os hipócritas parecem ter um entendimento correto sobre Deus, em termos gerais, mas uma ausência fundamental de interesse em agradá-lo, em contraste com parecer bem aos olhos de outras pessoas. Por outro lado, os gentios têm um entendimento incorreto sobre Deus e uma visão errada da piedade. Acham que serão ouvidos por suas vãs repetições (Mt 6:7), o que significa que eles têm uma espécie de ideia mágica de oração que deriva de uma concepção pagã de Deus. Ou estão ansiosos, pois não entendem que nosso Pai celestial sabe que precisamos dessas necessidades básicas (Mt 6:32). Por outro lado, os hipócritas estão muito mais interessados – na prática – no que as pessoas pensam do que no que Deus pensa. Querem ser “vistos” pelos homens (Mt 6:1). Anunciam suas doações com “trombetas”, obviamente para impressionar as pessoas (Mt 6:2). Ou ainda, os hipócritas oram do lado de fora, onde todos podem ver sua disposição para orar (Mt 6:5), e se estão jejuando, se certificam de que parecem contristados para que todos possam saber que estão jejuando (Mt 6:16).

Portanto, a chave para a verdadeira piedade bíblica é conhecer a Deus e querer agradá-lo. Precisamos evitar o erro dos gentios, que pensam que Deus é como uma espécie de máquina de sorte divina, que Ele é obrigado a nos ouvir e a nos dar o que queremos se orarmos bastante e com palavras teológicas muito sofisticadas. Além disso, não devemos pensar que, de alguma forma, Deus está tão distante do mundo que Ele na verdade não se importa com o que acontece conosco, então é melhor nos certificarmos de que cuidamos de nós mesmos. “Deus cuida daqueles que cuidam de si mesmos” pode ser uma frase bem conhecida, porém não é bíblica.

Também precisamos evitar o erro de pessoas religiosas bem-educadas que podem saber quem é Deus em teoria, só que na prática revelam um comportamento religioso que trai um compromisso fundamental de impressionar as pessoas. Como é fácil ser assim, agir para o louvor das pessoas em tudo, desde práticas comuns de piedade, como a oração, até escrever livros e artigos. Isso não quer dizer que devamos ser deliberadamente rudes ou imprudentes na forma como tratamos as pessoas (um tópico para outro artigo é a necessidade da bondade divina em nossas relações com nossos semelhantes), porém isso quer dizer que, como afirmou Jesus, devemos buscar primeiro o reino de Deus e Sua justiça, e confiar que todas essas outras coisas serão acrescentados a nós também, conforme precisarmos deles e segundo a sabedoria de nosso Pai.

Um dos sermões mais marcantes que já li foi pregado por Jonathan Edwards sobre este texto que nos exorta a buscar primeiro o reino de Deus. Ele argumentou de forma extensa que temos diante de nós a melhor oferta possível que qualquer um de nós poderia imaginar. Se nos comprometermos a cuidar do reino de Deus, dos Seus assuntos, dos Seus negócios, então Deus se compromete a cuidar dos nossos assuntos. Quem não se entregaria a Deus e deixaria que Deus cuidasse dele? Essa é a essência da piedade do reino. Todos os detalhes do que isso significa no dia a dia serão resolvidos à medida que não apenas soubermos quem é Deus, mas de fato nos comprometermos a buscar primeiro o Seu reino. Por consequência, sem dúvida, daremos, oraremos, jejuaremos e – em nossa era movida pela ansiedade, talvez o mais importante de tudo – não nos preocuparemos.


Este artigo foi publicado originalmente na TableTalk Magazine.

Josh Moody
Josh Moody
O Dr. Josh Moody é pastor sênior da College Church em Wheaton, Illinois, e presidente do God Centered Life Ministries. Ele é autor de vários livros, incluindo How the Bible Can Change Your Life [Como a Bíblia pode mudar a sua vida].