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Asseidade e simplicidade

Nota do Editor: Este é o segundo de 16 capítulos da série da revista Tabletalk: Atributos de Deus mal compreendidos.

Os cristãos adoram o verdadeiro Deus, cujo nome correto é “Eu Sou” (Êx 3:14). Alguns talvez considerem isso um nome sem peso e simples para Deus. Afinal, não podemos atribuir “é” a tudo o que é real, de elefantes a elétrons? Então, como o nome “Eu Sou” é um nome peculiar e importante para o Deus que adoramos e de quem dependemos para viver, respirar e tudo mais (At 17:25)? O contexto da notável autorrevelação de Deus de Seu nome a Moisés em Êxodo 3 é Sua promessa de libertar Israel de sua escravidão no Egito. Moisés confessa sua própria auto-insuficiência para essa obra redentora (Êx 3:11). Para garantir a Moisés e aos filhos de Israel que Ele é perfeitamente suficiente para essa salvação quase inimaginável, Deus se identifica com esse título incomum. Este nome indica a razão da perfeita confiabilidade de Deus.

Os teólogos há muito tempo entendem que esse nome sinaliza a autossuficiência absoluta de Deus e a plenitude ilimitada do ser. Deus não expressa a Moisés “Eu Sou isso” ou “Eu Sou aquilo”, mas simplesmente “Eu Sou o Que Sou”. Não especifica ou contrai Seu ato de ser a nada em particular, assim nos revela a verdade incompreensível de que Ele simplesmente “é”, Sua própria razão de ser. É precisamente por isso que podemos depender dEle plenamente e sem reservas, pois Ele não depende de nada, nem mesmo de um ato de existência, que seja realmente distinto de Si mesmo. Se Deus fosse de alguma forma um ser dependente, toda a nossa confiança nEle teria que estar fundamentada em algo mais fundamental na realidade do que Deus. No entanto, a Sagrada Escritura é bastante clara de que não há nada mais básico e absoluto no ser do que Deus. Ele é Aquele de quem, por meio de quem, e para quem são todas as coisas (Rm 11:36). Podemos traçar a explicação causal para todos os seres e eventos não divinos, em última análise, até o próprio Deus. E se perguntarmos: “Por que Deus?”, a resposta é simplesmente “Deus”. Como “Eu Sou”, Deus é apenas o é em virtude do qual Ele existe. Para ser exatos, Deus não “tem” existência, mas “é” a própria existência subsistente, como tem sido afirmado por teólogos cristãos ortodoxos ao longo dos séculos. Sua existência contém toda a realidade que atribuímos a Ele: Sua sabedoria, poder, bondade, justiça, amor, verdade e assim por diante. O “é” de Deus deve ser pensado como a plenitude infinita do ser e não como a noção simplificada de apenas “estar lá”.

A alcunha dada a essa doutrina da autossuficiência independente de Deus é “asseidade”. Esse termo é adaptado do latim a se, que significa “de si mesmo” ou “por si”. Talvez seja útil pensar nisso como a doutrina da autossuficiência de Deus. O teólogo reformado holandês Herman Bavinck afirma que “quando Deus atribui essa asseidade a Si mesmo nas Escrituras, Ele se dá a conhecer como um ser absoluto, como Aquele que ‘é em um sentido absoluto”. Bavinck acrescenta: “Por essa perfeição, Ele é ao mesmo tempo essencial e absolutamente distinto de todas as criaturas.” As criaturas, apenas porque são criaturas, dependem das causas de seu ser para existir, para possuir as naturezas particulares que possuem, para operar como operam, e assim por diante. Mas Deus não existe ou opera com tal confiança nas causas. Ele dá a todos, mas não recebe de ninguém. Como Deus pergunta a Jó em Jó 41:11 : “Quem primeiro me deu a mim, para que eu haja de retribuir-lhe? Pois o que está debaixo de todos os céus é meu.”

Às vezes, podem surgir mal-entendidos sobre a asseidade e a independência de Deus. Em primeiro lugar, deve-se notar que a asseidade não significa que Deus é a “causa” de Si mesmo. Ele é “a partir de” ou “de” Si mesmo no sentido de que Ele é a “razão perfeitamente suficiente” para Sua própria existência, essência e operação. Isso não é o mesmo que dizer que Ele causa a Si mesmo. Como a primeira causa absoluta de tudo que foi criado, Deus não deve ser contado entre o que é causado. Se Ele fosse, não seria a primeira causa absoluta; algo o precederia em ser. Também se deve ter em conta que algo não pode ser a causa de si mesmo em nenhum sentido estrito, pois causar é uma operação que requer a existência do operador como precondição necessária. Não se pode “fazer” se não se “é”.

Em segundo lugar, a asseidade divina não significa que Deus seja independente de causas externas, embora de alguma forma exista na dependência de causas internas. Alguns teólogos modernos afirmam que asseidade significa apenas que Deus não depende de causas externas a Si mesmo, o que deixa aberta a possibilidade de que Ele seja composto de partes e, portanto, de alguma forma dependente das partes das quais Ele é composto. Basta dizer que, se Deus fosse composto de partes internas, Ele ainda precisaria de algum agente externo para fornecer unidade a essas partes e, assim, o problema da dependência externa não seria evitado. Asseidade significa que Deus é independente de “todas” as causas, seja de dentro (como partes) ou de fora (como um criador ou causa eficiente).

Por fim, alguém pode estar preocupado com o fato de que a asseidade divina de alguma forma isola Deus de um relacionamento significativo e íntimo com Suas criaturas. Se Deus é mesmo independente em todos os aspectos de Seu ser e vida, como isso não resulta no deus distante do deísmo? Os cristãos certamente não devem pensar em Deus como afastado ou distante de Suas criaturas. Pois, nEle vivemos, e nos movemos, e existimos (At 17:28). Asseidade significa que o inverso não é assim. Deus não vive, se move ou existe na criatura ou a partir dela. Ele está tão perto de cada um de nós quanto o próprio ato de ser pelo qual existimos, porque Ele é a causa imediata desse ato. Mas Ele não está perto de nós de tal forma que Ele deriva algo de nós. É porque Ele é “Eu Sou” e assim “por Si só”, que Ele pode suprir tudo para nós: existência, essência e atividade. Estes são transmitidos a nós pela própria plenitude perfeita do ser de Deus. Longe de remover Deus de nós, Sua asseidade é a própria razão pela qual Ele pode estar tão perto de nós em com tanta abundância e provisão. Ele está perto de nós como Doador, não como receptor.

A doutrina da simplicidade divina é muitas vezes associada à asseidade de Deus. Em um aspecto, a simplicidade é apenas um mecanismo para manter a verdade da asseidade e independência de Deus. A doutrina afirma que Deus não é constituído de partes. Esse ensinamento pode ser encontrado nos escritos dos pais da igreja, nos escolásticos medievais e nas primeiras gerações de teólogos protestantes. Também está consagrado em várias das confissões reformadas mais conhecidas. O que é composto de partes depende de suas partes para algum aspecto de seu ser. Além do mais, as partes são realmente distintas dos todos compostos por elas. Um volante não é um carro. Uma pétala não é uma flor. Um corpo material não é um homem, e assim por diante. Cada uma dessas partes é necessária para algum aspecto do ser do todo no qual está incorporada. E embora o todo composto seja maior em ser do que qualquer uma de suas partes, no entanto, depende de suas partes para ser. Se Deus é a causa primeira absoluta do ser, Aquele que é “Eu Sou” em toda a riqueza existencial desse nome, então Ele não pode existir como esses seres que dependem de partes. 

A simplicidade divina tem profundas implicações teológicas. Significa que Deus não “tem” sua existência, essência ou atributos como componentes dos quais Ele deriva a unidade de Seu ser. Pelo contrário, Deus simplesmente “é” Sua existência, essência e atributos. Sua unidade de ser não é consequência de algo mais fundamental do que Ele mesmo. Também significa que os atributos de Deus, embora distintos em nossas concepções e em nossa fala sobre Deus, não existem em Deus como um conjunto de propriedades realmente distintas. O puritano John Owen escreve: “Os atributos de Deus, os únicos que parecem ser distintos na essência de Deus, são todos essencialmente iguais uns aos outros, e todos iguais à essência do próprio Deus” (ênfase adicionada). Isso significa que Deus “apenas é” o amor pelo qual Ele ama, a sabedoria pela qual Ele é sábio, o poder pelo qual Ele é poderoso, e assim por diante. E cada uma dessas virtudes divinas nada mais é do que a divindade em si, a própria essência de Deus. A simplicidade divina não apenas afirma uma harmonia entre os atributos de Deus — isso poderia ser dito sobre os atributos dos anjos — mas afirma que cada atributo, embora revelado e compreendido de várias maneiras, não é nada além do próprio Deus simples. Apesar de todo o mistério que acompanha as doutrinas de asseidade e simplicidade, deve ficar claro que Deus não seria Deus se não fosse perfeitamente autossuficiente e não composto. Porque Ele não é constituído de partes, Ele não pode se desfazer diante de nós. Simplesmente não existem partes nas quais Ele possa se desintegrar. É porque Ele é a se e simples que podemos lançar-nos sobre Ele e Sua Palavra totalmente e sem reservas.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

James Anderson
James Anderson
El Dr. James N. Anderson es Profesor Carl W. McMurray de Teología y Filosofía en el Reformed Theological Seminary en Charlotte, N.C., y es ministro ordenado en la Associate Reformed Presbyterian Church (Iglesia Presbiteriana Reformada Asociada). Es el maestro de la serie de enseñanza de Ligonier Exploring Islam y autor de What's Your Worldview?