O cessacionismo - Ministério Ligonier
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O cessacionismo

“Eles adoram dessa forma porque não têm o Espírito Santo.” Ouvi várias afirmações como essa durante meu tempo como um pentecostal/cristão carismático anos atrás, sempre que nós pentecostais falávamos sobre crentes “não-pentecostais”, particularmente aqueles que seguiam uma liturgia formal. Acreditávamos que, embora não-pentecostais fossem salvos, careciam da unção do Espírito Santo, como era evidente em seu estilo de adoração, o qual era exteriormente menos animado e mais estruturado que o nosso. Nossa teologia pentecostal nos falava que os dons de línguas e de profecia nunca cessaram, então qualquer grupo que não praticasse tais dons e a típica animação exterior a eles associada carecia do Espírito, ou, pelo menos, da plenitude de Sua presença. Na nossa visão, crer que esses dons tinham cessado era crer que o Espírito Santo não está em ação no meio do Seu povo. Nos opomos ao cessacionismo, a doutrina de que os dons espirituais que comunicam ou confirmam a revelação divina, particularmente os dons de línguas, milagres e profecia, cessaram com a morte do último apóstolo.

Honestamente, a maior parte da culpa por associar a posição cessacionista com descrença na contínua presença e ação do Espírito é minha e de meus amigos pentecostais. Não estudamos o cessacionismo em detalhes, nem conversamos com os que melhor representam a posição. No entanto, os cessacionistas não estão isentos de culpa. Todos nós conhecíamos cessacionistas que eram meramente por costume, não por convicção. Como pode ser justo culpar pentecostais/cristãos carismáticos por entenderem mal o cessacionismo, quando os únicos cessacionistas que eles conhecem negam a realidade permanente dos chamados dons de sinais (línguas, milagres e profecia) mais porque estavam com medo do incomum do que por causa de um argumento bíblico bem desenvolvido?

Seria necessário um livro inteiro para apresentar uma defesa completa do cessacionismo, mas a essência da posição pode ser afirmada brevemente. Quando Deus dá uma nova revelação especial, Ele emprega métodos extraordinários, tais como profecia e línguas, a fim de entregar a revelação e sinais extraordinários (como milagres) para confirmar aqueles que devemos receber (profetas e apóstolos) como portadores inspirados da revelação. Consequentemente, quando Deus não está fornecendo uma nova revelação especial, Ele não usa métodos extraordinários e sinais; antes, Ele opera em e por meio da exposição da Sua revelação especial (Escritura), através de mestres capacitados e presbíteros devidamente escolhidos.

Algumas evidências bíblicas para o cessacionismo são dignas de nota. Primeiro, o povo de Deus passou séculos sem um profeta em vários momentos da história. Por exemplo, Deus não falou ao Seu povo por profetas — não por profetas como nós normalmente os entendemos — de Abraão até Moisés. Além disso, os judeus do primeiro século reconheceram que o Senhor não havia enviado profetas durante mais ou menos quatro séculos, entre Malaquias e João Batista. No entanto, Deus estava em ação naquelas eras, mesmo quando não haviam profetas.

Segundo, milagres não eram ocorrências cotidianas durante os tempos bíblicos. Eles aconteciam somente quando Deus fornecia uma nova revelação ao Seu povo, que deveria ser registrada. Olhando para a Escritura como um todo, vemos três grandes períodos de milagres: durante as eras de Moisés, de Elias e Eliseu, e de Jesus e Seus apóstolos. Uma nova revelação especial de Deus caracterizou cada período. Moisés recebeu a lei e foi feito mediador da antiga aliança. Elias e Eliseu representaram a instituição formal do ofício profético e dos muitos oráculos que os profetas forneceriam. Jesus e os apóstolos instituíram a nova aliança e proveram a instrução necessária para a era da nova aliança. Dado que até mesmo milagres bíblicos eram tão limitados, não há razão para esperar que haverá pessoas em cada geração que tenham o dom de operar milagres.

Terceiro, Hebreus 1:1-4 nos diz que a Palavra final de Deus para nós é Seu Filho, e que Sua maneira de falar através de Seu Filho — e, portanto, através de apóstolos que falaram com Sua autoridade à Igreja — não é a mesma que as várias formas como falou antes da vinda de Jesus. Dado que Jesus é nosso Profeta e que os apóstolos do primeiro século exerceram um ministério profético, a diferença entre Jesus e Seus apóstolos e os profetas do Antigo Testamento não é que Jesus e Seus apóstolos empregaram novos métodos de ensino, mas que eles falaram de forma resoluta e definitiva. Eles assentaram o fundamento para a Igreja (Ef. 2:18-22), então não esperamos uma revelação contínua, pois o fundamento é assentado apenas uma vez. Não é mais necessário que Jesus ofereça orientação através de profetas e apóstolos.

Finalmente, quando olhamos para a instrução que Jesus e os apóstolos dão para o período pós-apostólico, não encontramos nenhum chamado para que a Igreja busque por profetas, nem espere operadores de milagres, nem procure por quem fala em línguas, para obter uma nova mensagem ou orientação do Senhor. Especialmente pertinente aqui são textos como a despedida de Paulo aos presbíteros de Éfeso em Atos 20, bem como as últimas cartas escritas pelos apóstolos antes de morrerem, incluindo as epístolas paulinas 1 e 2 Timóteo e Tito e as epístolas 1, 2 e 3 de João. O que esses textos ordenam a Igreja a fazer? Que retenham a tradição — ao ensino apostólico — que a Igreja já tinha recebido, não para buscar uma nova revelação.

À luz de tudo isso, e considerando o alto conceito que tem a doutrina da Escritura na teologia reformada, não é de se admirar que o cessacionismo tenha sido a posição reformada padrão. De fato, crer que os dons de línguas, profecias e milagres tenham cessado está tão envolvido com o entendimento reformado confessional da Palavra de Deus escrita e com o poder declarativo da igreja pós-apostólica, que é realmente impossível ser reformado e acreditar que os dons mencionados acima ainda continuam. Se a revelação especial divina não cessou, se a profecia e os dons mencionados continuam, não temos escolha senão registrar essa revelação e segui-la, pois Deus ordena que guardemos e sigamos Sua Palavra. Se a revelação especial divina não cessou, Deus não falou definitivamente em Seu Filho, e o cânon fechado da Escritura não pode ser nossa regra final de fé e prática. Combinar teologia reformada com a posição continuísta de que dons de profecia, milagres e línguas continuam é produzir uma instável e irreconciliável mistura de elementos contraditórios.

Mas isso não implica que os cessacionistas neguem a contínua presença e ação do Espírito Santo. Nós cessacionistas não cremos que o Espírito seja incapaz de falar através de profetas atualmente, mas apenas que Ele escolheu não o fazer. Nós cessacionistas acreditamos que o Espírito pode e muitas vezes cura as pessoas de maneiras inesperadas quando oramos por elas. Cremos que o Espírito Santo fala conosco através da sã exposição de Sua Palavra. Cremos que Ele abre e fecha portas para nós, e até mesmo arranja “coincidências” providenciais em nossas vidas. De fato, afirmo que o cessacionismo reformado tradicional tem uma visão mais elevada do poder e liberdade do Espírito que o continuísmo tradicional. Isto porque nós confessamos que o Espírito deve trazer almas mortas à vida a fim de que possamos crer; que Ele deve fazer isso sem que peçamos, pois, no nosso estado de morte espiritual sem Cristo, não poderíamos pedir por uma nova vida; e que Ele faz isso apenas para aqueles que Ele livremente escolhe e segundo a Sua vontade.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Robert Rothwell
Robert Rothwell
Robert Rothwell é editor associado da revista Tabletalk, escritor sênior do Ministério Ligonier e professor adjunto permanente no Reformation Bible College em Sanford, Flórida.