Como memorizar e praticar a Bíblia?
outubro 22, 2025
Como memorizar e praticar a Bíblia?
outubro 22, 2025

Como ler a narrativa histórica?

Nota do Editor: Este artigo faz parte da coleção sobre Hermenêutica

A Bíblia registra a narrativa da aliança sobre a criação de todas as coisas por Deus, a queda da humanidade no pecado, a redenção por meio da aliança da graça e suas várias administrações e a consumação de todas as coisas na glória escatológica. O próprio Deus é o narrador principal, pois é Aquele que declara o fim desde o princípio (Is 46:10) e quem é o primeiro e o último (Is 44:6; 48:12). É uma narrativa antiga contada ao longo de cerca de mil e quinhentos anos em três idiomas diferentes. Os recursos literários do Mundo Antigo nem sempre são como os nossos, então pode ser um desafio entender o que encontramos nesses relatos. Portanto, a seguir estão três estratégias de leitura que podem nos ajudar a entender e apreciar melhor a arte da narrativa histórica antiga, conforme apresentada na Bíblia.

1. Entenda que a narrativa unificada da Bíblia nem sempre é apresentada em ordem cronológica.

Isso pode ser visto em uma antiga técnica literária em que o autor faz uma declaração e depois volta a se concentrar em detalhes importantes sobre o evento em si ou como algo surgiu. Às vezes, na Bíblia, a teologia supera a cronologia na organização dos eventos registrados. Por exemplo, Gênesis 2 começa com uma descrição do sétimo dia da criação (vv. 1-3), porém o restante do capítulo volta no tempo para reconsiderar os eventos do sexto dia com mais detalhes (vv. 4-25). Gênesis 10 registra os nomes e descendentes de Noé, a chamada tabela das nações, listados “segundo as suas famílias, segundo as suas línguas, em suas terras, em suas nações” (Gn 10:31). Entretanto, no próximo capítulo, retornamos ao tempo em que havia apenas uma família, língua, terra e nação para nos concentrarmos nos eventos da torre de Babel. O mesmo acontece em 1 Samuel 16 e 17. No final de 1 Samuel 16, Davi é amado por Saul e serve em tempo integral como seu escudeiro. No capítulo seguinte, Davi ainda é desconhecido por Saul e não sabe como manusear a armadura dele.

2. Sempre que possível, deixe que o texto se interprete por si só.

A narrativa bíblica consiste tanto em eventos registrados quanto no diálogo, ou fala, de personagens que aparecem nesses eventos. Às vezes, um pouco de diálogo decisivo lhe dará a pista necessária para entender por que tais eventos foram registrados e seu significado.

Por exemplo, em 1 Reis 17 conhecemos o profeta Elias, que transmite a mensagem de uma seca de três anos ao rei Acabe. Então ele vai para um rio onde é alimentado por corvos por um período de tempo não especificado. Logo, a mando do Senhor, ele viaja para fora da terra prometida para um lugar onde habita uma viúva e seu filho pequeno. O filho da viúva morre e Elias de forma milagrosa ressuscita ele. A resposta da viúva é essencial para compreender todo o relato: “Nisto conheço agora que tu és homem de Deus e que a palavra do Senhor na tua boca é verdade” (1 Rs 17:24). A mesma técnica é aplicada novamente no próximo capítulo. Depois que Elias derrotou os profetas de Baal em um desafio, o povo proclamou: “O Senhor é Deus! O Senhoré Deus!” (1 Rs 18:39). Em uma época de falsos profetas e outros deuses, a Bíblia testifica tanto em palavras quanto em ações que o Senhor é o Deus verdadeiro e que Seus profetas comunicam a Sua verdade.

3. Esteja atento ao inesperado.

Às vezes, algo estranho ou fora do lugar é registrado para prenunciar ou antecipar um evento futuro mais marcante. O ensino na narrativa histórica antiga ocorre através da repetição. Ouça sempre as repetições. Por exemplo, em Êxodo 2, logo após o relato de seu nascimento, está registrado que Moisés matou um egípcio que estava agredindo um hebreu. Então, seu próprio povo reclamou contra ele e ele fugiu para o deserto, onde passou os quarenta anos seguintes vagando pelo deserto (vv. 11-15). O que devemos considerar desta breve narrativa? Está dizendo: “O vosso pecado vos há de achar” (Nm 32:23)? Ou está dizendo que se Deus pode usar alguém como Moisés, um assassino, então Ele, de fato, pode usar alguém como você ou eu? Ambas as afirmações são corretas, porém não representam o objetivo principal da narrativa. Esses eventos na vida de Moisés prenunciam o que está por vir. Como instrumento de Deus, Moisés está prestes a libertar todo o povo de Deus, o que resultará na morte de milhares de egípcios. Depois disso, ele passará mais quarenta anos vagando pelo deserto com seus compatriotas hebreus, que continuarão a reclamar e reclamar contra ele.

Conclusão

A forma de arte da narrativa histórica antiga, conforme encontrada nas Escrituras, é bela e sofisticada. Ao ler essas narrativas, leia com atenção e considere todos os detalhes, tanto o que está incluído quanto o que não está. Por fim, e mais importante, esforce-se para entender como todas as unidades narrativas individuais da Bíblia se reúnem em uma grande narrativa, que culmina na pessoa e na obra de Jesus Cristo (Jo 5:39, 45-47; Lc 24:44).


Artigo publicado originalmente em Ligonier.org.

Miles Van Pelt
Miles Van Pelt
O Dr. Miles V. Van Pelt é professor da cátedra Alan Hayes Belcher de Antigo Testamento e Línguas Bíblicas e diretor do Summer Institute for Biblical Languages no Reformed Theological Seminary em Jackson, Missouri. Ele é autor de vários livros, entre eles Basics of Biblical Hebrew [Noções básicas de hebraico bíblico] e Judges: A 12-Week Study [Juízes: um estudo de 12 semanas].