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Contextos importantes para entender a teologia reformada

Nota do Editor: Este é o sétimo de 16 capítulos da série da revista Tabletalk: Artigos selecionados Ligonier.

A maioria dos cristãos entende a importância do contexto para interpretar a Escritura de forma correta. Percebemos que os livros da Escritura foram escritos milhares de anos atrás em culturas bem diferentes das nossas e em línguas que não crescemos falando. Estas coisas que foram simplesmente dadas, realidades cotidianas para os autores humanos originais e suas audiências são coisas que temos de estudar e aprender. Sabemos que se estamos estudando o Antigo Testamento, precisamos aprender hebraico e aramaico (ou confiar nos tradutores que aprenderam essas línguas). Precisamos aprender sobre a história antiga, geografia, cultura e práticas do Oriente Próximo a fim de entender sobre o que os autores bíblicos estão falando. Se estamos estudando o Novo Testamento, precisamos aprender grego. Precisamos aprender sobre o mundo do século I sob o domínio do Império romano. Tudo isso é simplesmente parte da natureza da interpretação histórico-gramatical.

O contexto também é importante se quisermos entender a teologia reformada corretamente. A teologia reformada foi uma consequência da Reforma protestante do século XVI e essa Reforma aconteceu em um contexto histórico e cultural particular. Os autores naquela época escreveram a partir de um contexto filosófico e teológico particular. Ter uma compreensão desses vários contextos é importante para entender a teologia reformada. Gostaria de mencionar brevemente esses três contextos: o histórico, o filosófico e o teológico.

Contexto histórico

A Reforma protestante não aconteceu em uma tarde porque um monte de monges católico romanos se entediaram e decidiram dar uma festa que saiu do controle. A Reforma protestante foi o ponto culminante de muitos eventos históricos que a precedem em um curso de muitos séculos. Conflitos entre a igreja e várias entidades políticas (tanto imperiais quanto as mais locais) além de vários conflitos nas próprias entidades políticas que também desempenharam um papel. Conflitos no interior da própria igreja resultado de corrupção e muitas tentativas de reforma desempenharam um papel. Mudanças culturais, inclusive mudanças econômicas e tecnológicas desempenharam um papel.

Podemos ver a relevância direta do contexto histórico quando, por exemplo, lemos de Lutero À nobreza cristã da nação alemã ou Do cativeiro babilônico da igreja, dois dos escritos protestantes mais importantes do início da Reforma. Podemos ver a relevância quando lemos o “Carta ao rei da França Francisco I” no início de suas Institutas. O prefácio é um contexto importante para entender o conteúdo das Institutas.

Além disso, muitas das confissões reformadas abordam questões que presumem ou respondem às condições históricas específicas. O exemplo mais claro do impacto do contexto histórico no conteúdo da teologia reformada pode ser observado na diferença entre a Confissão de Fé de Westminster original e a revisão americana da mesma confissão no assunto do magistrado civil e na relação entre igreja e Estado. Devemos entender que o contexto histórico é importante para entender a teologia reformada. Se um crente deseja ter uma compreensão melhor da teologia reformada, ele ou ela precisa dedicar um tempo para estudar a história dos séculos XIV e XV, os duzentos anos que precedem a Reforma, e então estudar a história dos séculos XVI e XVII. A teologia não existe em um vácuo histórico.

Contexto filosófico

A fim de entender a importância do contexto filosófico da teologia reformada é necessário lembrar o período histórico da Reforma. A Reforma protestante começou no início do século XVI com o trabalho de Martinho Lutero. A primeira edição em latim das Institutas de João Calvino foi publicada em 1536 e a edição final em latim em 1559. Os maiores escritos dos teólogos reformados como Zuínglio, Musculus, Vermiglio, Bullinger, Beza, Zanchius e Ursino foram publicados no século XVI. Todas as obras dos teólogos escolásticos reformados no período inicial da ortodoxia e maioria das obras publicadas no período da alta ortodoxia foram publicadas antes do fim do século XVII. Isso inclui as obras dos teólogos reformados tais como Polanus, Ames, Wollebius, Maccovius, Witsius, Turretin e Mastricht.

Todas as principais confissões e catecismos reformados também foram publicados nesses dois séculos. Por exemplo, a Confissão Tetrapolitana (1530), a Primeira Confissão Helvética (1536), a Confissão Francesa (1559), a Confissão dos Escoceses (1560), a Confissão Belga (1561), o Catecismo de Heidelberg (1563), a Segunda Confissão Helvética (1566), os Cânones de Dort (1618-19), a Confissão de Fé de Westminster (1646), o Catecismo Maior de Westminster (1647) e o Breve Catecismo de Westminster (1647) foram escritos no século XVI e na primeira metade do século XVII.

Isso é importante, porque significa que as grandes obras teológicas dos teólogos reformados clássicos e as confissões reformadas que eles produziram foram todos publicados nos dias finais de um contexto filosófico pré-Iluminismo. Em outras palavras, esses teólogos estavam escrevendo antes do “desenvolvimento da subjetividade” advinda do Iluminismo. Lembre-se de que o assim chamado pai da filosofia moderna, René Descartes, nasceu em 1596, bem no fim do século XVI. Suas obras filosóficas mais importantes não foram escritas até o final da década de 30, início da década de 40, até o século XVII e levou tempo para que as obras começassem a influenciar nas universidades e entre os teólogos.

Isso não significa que o contexto filosófico pré-Iluminismo era monolítico. Também não significa que não existiam precursores filosóficos do que se tornou a filosofia moderna. Havia, por exemplo, na filosofia do nominalismo tanto quanto no antigo ceticismo grego que havia sido redescoberta durante a Renascimento. O que isso realmente significa é que os pressupostos filosóficos da teologia reformada clássica tem muito mais em comum com os pressupostos filosóficos gerais dos teólogos medievais do que qualquer coisa na era pós-cartesiana. Em geral, eles trabalhavam dentro de um contexto que não questionava a existência do mundo externo independente das mentes humanas ou de nossa capacidade de ter conhecimento verdadeiro do mundo através do uso dos nossos sentidos e faculdades racionais dados por Deus. Além disso, trabalharam dentro de um contexto filosófico que, com algumas exceções (p. ex., nominalismo), reconheciam que as coisas têm naturezas reais.

Esse contexto filosófico geral da teologia reformada foi aos poucos perdendo relevância à medida que as ideias do Iluminismo começaram a influenciar o pensamento dos teólogos. Isso teve um impacto catastrófico na teologia reformada. Como Richard Muller explica (usando a expressão “aristotelismo cristão” para descrever a filosofia pré-Iluminismo):

O declínio da ortodoxia protestante coincide com o declínio do fenômeno intelectual interrelacionado do método escolástico e o aristotelismo cristão. A filosofia Racionalista foi fundamentalmente incapaz de se tornar uma serva adequada e, ao invés disso, exigiu que a filosofia e não a teologia fosse considerada rainha das ciências. Sem uma estrutura filosófica para complementar suas doutrinas e para juntá-la ao método escolástico, a ortodoxia protestante chegou ao fim.

Em outras palavras, se queremos saber o porquê de haver tantos gigantes da teologia reformada nos séculos XVI e XVII e comparativamente poucos depois, uma grande parte disso tem a ver com o fato dos teólogos posteriores adotarem várias formas da filosofia Iluminista e rejeitarem o contexto filosófico pré-Iluminismo. Quando a teologia reformada é adaptada aos pressupostos filosóficos Iluministas, ela murcha e morre.

Nossos pressupostos filosóficos afetam nosso entendimento dos princípios mais básicos da realidade e conhecimento. Muitos leitores da teologia reformada da atualidade cresceram absorvendo princípios filosóficos pós-Iluminismo sem sequer estarem conscientes disso, porque é o próprio ar intelectual que respiramos. Isso facilmente leva a um mal entendimento das doutrinas reformadas tradicionais se lermos essas doutrinas pelas lentes do pós-Iluminismo. E o que é mais sério, muitos teólogos Reformados contemporâneos têm, conscientemente ou não, adotado uma versão ou outra da filosofia pós-Iluminismo. A filosofia pós-Iluminismo teve um enorme impacto em nosso entendimento sobre Deus, o homem, o pecado e tudo.

Quando teólogos reformados contemporâneos, que adotaram uma ou outra forma da filosofia pós-Iluminismo, também subscrevem a uma confissão reformada, que foram todas escritas por teólogos que pensavam dentro de um contexto filosófico pré-Iluminismo, inevitavelmente haverá um conflito interno. A tentação de revisar ou rejeitar radicalmente o ensino confessional estará sempre presente. Tal revisão e rejeição radical da doutrina confessional reformada já começou a acontecer. Vemos isto de forma mais clara nos escritos de teólogos reformados contemporâneos que rejeitam a doutrina de Deus ensinada nas confissões Reformadas (p. ex., CFW, cap. 2).

Contexto teológico

Se alguém deseja estudar a teologia dos Cânones de Dort, geralmente entendemos que seja necessário ter alguma compreensão da controvérsia arminiana e da teologia dos remonstrantes, porque os Cânones de Dort respondem às doutrinas específicas dos remonstrantes/arminianos. O mesmo princípio também se aplica à teologia reformada clássica em geral. A teologia reformada responde e está “reformando” algo que já existia, ou seja, a teologia católico romana medieval.

Esse contexto teológico presumido pode ser visto nos escritos dos primeiros teólogos reformados e em todas as nossas confissões reformadas. Uma e outra vez, vemos os teólogos reformados e as confissões reformadas responderem às várias doutrinas e práticas católico romanas específicas. Às vezes corrigem essas doutrinas e práticas. Às vezes as rejeitam completamente. A não ser que tenhamos algum entendimento das doutrinas e práticas católico romanas, pode ser bem difícil entendermos do que os teólogos e confissões reformados estão tratando.

Os teólogos reformados dos séculos XVI e XVII entendiam a teologia do catolicismo do último período medieval e podiam presumir que a maioria de seus leitores (outros teólogos e pastores) teriam algum entendimento disso também. Muitos, se não a maioria, dos leitores contemporâneos da teologia reformada não tem o mesmo conhecimento básico da doutrina e prática católico romana que os primeiros teólogos reformados e seus leitores tinham. Não têm a mesma compreensão do abrangente sistema eclesio-sacerdotal-soteriológico da teologia católico romana. Podem ter ouvido pedaços isolados em relação a coisas tais como justificação ou a relação entre a Escritura e a tradição, mas a maioria não entende que a natureza abrangente de todo o sistema católico romano e como cada peça se relaciona com todas as demais.

Isso coloca os leitores contemporâneos da teologia reformada em algo como a posição de um leitor dos Cânones de Dort que não entende a teologia arminiana a qual os Cânones respondem. Podemos ter algum entendimento da teologia reformada sem esse conhecimento, mas sem o contexto teológico é muito fácil que esse entendimento limitado gere um mal-entendido. Por exemplo, quantos cristãos reformados entendem quão importante é a compreensão de Roma sobre a constituição de Adão antes da queda e a relação entre a natureza e graça naquele momento para a sua compreensão do pecado, graça e justificação? Esse conhecimento é um contexto importante para entender a teologia reformada sobre o pecado, a graça e a justificação.

Conclusão

A teologia reformada clássica não caiu do céu sem qualquer contexto. Ela foi desenvolvida dentro da história humana real com contextos históricos, culturais, políticos, filosóficos e teológicos reais. Estamos a quinhentos anos de distância desses contextos. Nosso contexto histórico, filosófico e teológico do século XXI é muito diferente do contexto dos séculos XVI e XVII. Se estivermos cientes que existem diferenças, pode ser muito fácil projetar nosso contexto contemporâneo nos escritos desses séculos. Se estivermos cientes de que existem diferenças, mas permanecemos ignorantes aos contextos dos séculos XVI e XVII podemos facilmente deixar passar a verdadeira importância de alguns de seus ensinos. Em resumo, o mesmo tipo de esforço que devemos aplicar em aprender o contexto dos escritos bíblicos deve ser aplicado em aprender o contexto da teologia reformada clássica.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Keith A. Mathison
Keith A. Mathison
O Dr. Keith A. Mathison é professor de Teologia Sistemática no Reformation Bible College em Sanford, Flórida. Ele é autor de vários livros, incluindo The Lord’s Supper [A Ceia do Senhor] e From Age to Age [De era em era].