Contra mundum - Ministério Ligonier
Igreja, Estado e perseguição
janeiro 9, 2023
Nossos pais do século IV
janeiro 11, 2023
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Contra mundum

Nota do editor: Este é o penúltimo de 8 capítulos da série da revista Tabletalk: Uma era de definição: a história da Igreja no século IV.

Conforme ilustrado em outros artigos desta edição, o século IV foi uma época muito interessante na história da Igreja. Depois de sofrer muita perseguição como uma religião desprezada aos olhos de Roma, a conversão de Constantino e o Edito de Milão em 313 trouxeram uma política de tolerância para o cristianismo. As ameaças externas à Igreja diminuíram um pouco, mas as ameaças internas mais uma vez começaram a crescer. A heresia não era novidade na Igreja. O apóstolo Paulo assumiu o desafio contra os judaizantes no primeiro século e, entre outros, Irineu refutou os gnósticos e marcionitas do século II. No século IV, a primeira heresia foi o ensinamento de um presbítero de Alexandria chamado Ário, a respeito da pessoa de Cristo. Alexandre, o bispo de Alexandria, refutou seu ensino e seus seguidores, o que levou o imperador Constantino a convocar o primeiro concílio ecumênico em Niceia durante o inverno de 324-325.

A controvérsia nunca é uma coisa agradável mas, na vida da Igreja, algumas das mais amargas dissensões produziram os frutos mais doces e duradouros. A controvérsia ariana produziu não apenas o Credo Niceno de 325 (o qual ainda hoje é recitado em muitas igrejas), mas também trouxe à tona uma figura verdadeiramente heróica da fé: Atanásio de Alexandria. Nascido por volta de 296, Atanásio era uma espécie de prodígio teológico e foi criado desde cedo em casa e sob a tutela do bispo Alexandre. Na época do Concílio de Nicéia, era diácono e compareceu ao concílio como secretário de Alexandre. Mesmo no papel de secretário, Atanásio contribuiu significativamente para a redação do credo. Contudo, foi após o concílio que seu legado foi forjado, ao ascender ao cargo de bispo em 328 após a morte de Alexandre. Há três coisas a respeito desse campeão da ortodoxia que eu gostaria que a Igreja contemporânea considerasse.

Antes de mais nada, Atanásio foi movido em sua refutação do arianismo por suas implicações práticas. Em outras palavras, nesse debate teológico sutilmente matizado, ele estava preocupado com as implicações dessa heresia na salvação. Dois dos escritos de Atanásio refletem sua preocupação prática e pastoral. No texto Sobre a Encarnação do Verbo, ele esboça o fato de que na encarnação, Deus o Verbo, Jesus Cristo, tornou-se humano para renovar o que era humano e para santificar o que havia se tornado corrupto em Adão. E em Apologia Contra os Arianos, afirma que apenas Deus inicia e realiza a salvação, e argumenta que era necessário que nosso Salvador fosse totalmente humano (para renovar a humanidade) e totalmente divino (para realizar a reconciliação).

Os cristãos evangélicos tendem a se afastar das controvérsias teológicas, pois assumem que é apenas uma questão de teólogos flexionando seus músculos intelectuais em debates especulativos que não têm relação com a fé pessoal. Embora possa haver casos em que isso seja verdade, muitas das controvérsias atuais, como os “Debates sobre o senhorio de Cristo na salvação”, a declaração ecumênica “Evangélicos e católicos juntos”, e as controvérsias da “Nova perspectiva sobre Paulo” são muito práticas. E, como Atanásio, devemos entender suas implicações em relação à “fé uma vez entregue”.

Uma segunda coisa que podemos aprender com Atanásio é que a unidade não deve ser buscada à parte, ou às custas da verdade. O Concílio de Nicéia produziu o credo que estabeleceu a fórmula ortodoxa da natureza de Cristo. Todos aqueles que não se conformaram com este credo foram considerados hereges, e isso resultou no exílio de Ário e daqueles que se aliaram a ele. Dez anos depois, os principais líderes da Igreja convenceram o imperador Constantino a restaurar Ário. Constantino, por sua vez, escreveu uma carta a Atanásio (que havia se tornado bispo nessa época) insistindo com ele que recebesse Ário “cujas opiniões haviam sido deturpadas”. Atanásio se recusou a readmitir Ário e seus seguidores, pois “não poderia haver comunhão entre a Igreja e aquele que negava a divindade de Cristo”. Visto que o imperador e muitos de seus colegas oficiais pressionavam pela restauração, a concessão teria sido fácil, se não compreensível para Atanásio, mas ele não cedeu. A lição para nós é óbvia: quando aqueles com quem temos comunhão se afastam dos fundamentos da fé, isso é nada menos que uma violação dessa comunhão. Este é o ensinamento claro das Escrituras: Gálatas 1:6-9; 2 João 7-11; Judas 3-4. A separação é dolorosa, mas às vezes é necessária. A posterior restauração de Ário e seus seguidores acabou levando o arianismo a se tornar dominante nas províncias orientais da Igreja.

Uma terceira coisa que podemos aprender com Atanásio é a determinação ousada em prol da verdade. A restauração de Ário e seus seguidores levou à expulsão de Atanásio em 335. Embora tenha sido restaurado pouco antes da morte de Constantino em 337, isso foi apenas o começo; ao todo, Atanásio foi exilado cinco vezes. Duas coisas podem ser vislumbradas nas expulsões de Atanásio. Primeiro, ele não permitiu que as experiências o amargassem ou o afundassem na tristeza. Como Paulo durante suas várias prisões, Atanásio foi bastante produtivo durante o exílio. Em segundo lugar, o exílio não fez com que esse santo cedesse e transigisse. Nosso adversário procura nos desgastar em seus assaltos, e se o primeiro ataque não funcionar, talvez o terceiro ou quarto o faça. Atanásio foi tão destemido pela verdade após seu quinto e último exílio quanto após o primeiro. O que podemos aprender com esse corajoso homem de fé? Podemos aprender que o evangelho é defendido ou negado nas doutrinas que sustentamos e que a comunhão cristã é, antes de tudo, uma questão de unidade doutrinária. Finalmente, devemos nos apegar firmemente ao evangelho, apesar das consequências.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Ken Jones
Ken Jones
O reverendo Ken Jones é pastor da Glendale Missionary Baptist Church em Miami, Flórida.