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Nota do Editor: Este é o oitavo de 16 capítulos da série da revista Tabletalk: Artigos selecionados Ligonier.
O que tulipas, o amor de Deus e um entendimento da salvação que já tem vários séculos têm em comum? Que todos eles refletem o que hoje é conhecido como os cinco pontos do calvinismo.
Como essas coisas estão interconectadas? A palavra inglesa tulip [tulipa em português] forma um acróstico que resume um entendimento específico da salvação que tem em seu centro o amor de Deus. Veremos como isso funciona.
Depravação total
A T na TULIP representa a depravação total (total depravity em inglês), que descreve como o pecado afeta os seres humanos. Mas para entendermos isso precisamos começar antes do pecado entrar no mundo. Nosso Deus trino desde toda a eternidade existe como Pai, Filho e Espírito Santo, iguais em poder e glória, e desfrutam um relacionamento de amor santo que não tem início e nem fim. Esse amor santo motivou a decisão livre de Deus de criar o universo e criar homem e mulher à Sua própria imagem para amar a Ele e a um ao outro. No entanto, Adão escolheu rejeitar nosso Criador, e, pela desobediência de Adão, a humanidade caiu em pecado (Gn 3; Rm 5:12-21). A depravação total diz que o pecado nos distorceu tanto que, sem a graça, amamos outras coisas mais do que amamos a Deus. Nossas mentes, nossos corpos, nossas afeições, nossos espíritos, cada parte de nós foi afetada pelo pecado e não podemos escapar desse dilema por nossa própria conta. Entretanto, Deus não parou de amar Sua criação (Jo 3:16). E em Seu amor Ele restringe o pecado, nos poupa de sermos tão maus quanto podemos possivelmente ser. Portanto, até mesmo aqueles que não conhecem a Cristo podem fazer coisas que são exteriormente boas. Podem ser bons vizinhos, amar seus filhos, e assim por diante. Contudo, fora da graça, nenhum de nós faz estas coisas com a motivação correta de amar e glorificar a Deus.
Eleição incondicional
A letra U na TULIP representa a eleição incondicional (unconditional election em inglês), que é parte da solução de Deus para nossa depravação total. A queda em pecado, é claro, não surpreendeu a Deus. Ele sabe o fim desde o princípio e ordenou a história como parte da execução de Seu plano e Seus propósitos para todas as coisas (Is 46:8-11; Ef 1:11). O Senhor teria sido justo em nos manter em nosso estado de pecado e separação dEle, mas Ele decidiu pôr Seu amor especial sobre o Seu povo, e escolheu redimi-los e restaurar a eles sua condição de filhos de Deus. Eleição incondicional é a escolha amorosa de Deus de pecadores específicos para a salvação, sem considerar alguma bondade neles (Rm 9:1-29). Seu amor salvífico por nós não é condicionado pela nossa inteligência, aparência, bondade, condição social ou qualquer outra coisa. Ele ama o Seu povo não porque são menos pecadores que os outros. Todo descendente de Adão e Eva (exceto Cristo) é um pecador. Eleição incondicional ensina que Deus escolhe salvar algumas pessoas e preterir outras. Ele tem um amor por algumas pessoas que ele não tem por outras. Se você é um cristão, é porque na eternidade passada, muito antes de você nascer, Deus o escolheu com Seu amor salvífico. Ele não te escolheu porque você era melhor que os outros. Ele não te escolheu porque sabia que você o escolheria se Ele te desse a chance. Ele simplesmente escolheu amar você e uma vez que o amor dEle não é condicionado em nada em relação a você, Ele nunca irá parar de te amar.
Expiação limitada
A letra L na TULIP representa a expiação limitada (limited atonement em inglês), que descreve a intenção de Deus por trás da morte de Cristo em prover salvação. A questão é, Cristo pretendeu expiar pelos pecados de todas as pessoas que já viveram, ou Ele pretendeu expiar os pecados apenas dos eleitos? Outra forma de expressar isso: Deus ama as pessoas em geral, sem referência alguma à elas como indivíduos, e enviou Cristo para morrer a fim de prover a possibilidade de salvação? Ou Deus ama indivíduos específicos, enviou Seu Filho para morrer por eles especificamente, para expiar perfeitamente os seus pecados de tal maneira que a morte de Cristo garante verdadeiramente a salvação para um povo em particular?
A expiação limitada é necessária por causa da justiça de Deus. Se o pecado foi expiado, ele já foi julgado e Deus não o usa mais contra nós. Mas incredulidade é um pecado, então se Cristo morreu por todos os pecadores, como poderia Deus poderia levar em consideração a incredulidade de alguém contra ela? Afinal de contas Cristo já pagou por isso. Mas Deus envia os incrédulos para o inferno, e se o seu pecado já foi expiado, isso é injusto. Ele está mantendo contra eles pecados que não podem ser usados contra eles, porque Cristo expiou por isso.
A expiação limitada também é ensinada explicitamente na Escritura. Sob a antiga aliança, no Dia da Expiação, o sumo sacerdote de Israel oferecia um sacrifício expiatório apenas pelo povo de Israel, não por todas as pessoas no planeta (Lv 16). Na nova aliança, Jesus nos revela que Ele derrama Sua vida pelas Suas ovelhas e apenas por Suas ovelhas (Jo 10:1-18). Algumas pessoas não fazem parte do Seu povo, são bodes. Jesus não morreu pelos bodes, mas pelas ovelhas: Seu povo. Devemos observar que algumas pessoas têm contestado a expiação limitada por conta de textos como 1 Jo 2:2, que afirma que Jesus é a propiciação não apenas pelos nossos pecados, mas “pelos do mundo inteiro”. Contudo, esse texto não está falando da intenção da expiação; ao invés disso, se refere a forma da salvação de forma mais generalizada. Deus proveu apenas um caminho de salvação: através de Cristo (Jo 14:6). Se qualquer um no mundo for salvo, será através de Cristo. Não há outra maneira. O objetivo de 1 Jo 2:2 é que Cristo é a única expiação que pode salvar qualquer pessoa, não que Ele tenha pago pelos pecados de todos os indivíduos.
Graça irresistível
A letra I na TULIP representa a graça irresistível (irresistible grace em inglês), que se refere ao poder amoroso de Deus na salvação. Essencialmente, ela ensina que se Deus ama você e quer você na família dEle, Ele terá você. Ele te ama tanto que se assegurará de que você venha a fé e Ele é poderoso o suficiente para garantir a Sua fé. Tantas vezes na vida, vemos pessoas que amamos indo por caminhos errados e não podemos convencê-las de se desviarem deles. Somos impotentes para assegurar que elas façam a escolha certa. O amor de Deus é poderoso o suficiente para garantir que façamos a escolha certa. Ele pode superar toda a resistência que possamos oferecer e Ele nunca falha em persuadir Seus eleitos a confiar nEle. Certamente, podemos resistir a Cristo por um tempo. Podemos rejeitar o evangelho por anos antes de crer. É por isso que é melhor falar de graça irresistível definitiva ou de graça eficaz. Contudo, quando tudo é dito e feito, Deus levará todos os Seus filhos à fé.
Você provavelmente pode observar como a eleição incondicional exige graça irresistível. Se Deus escolhe alguns para salvação e isso não pode ser frustrado, então a Sua graça precisa ser finalmente irresistível. Ela precisa ser eficaz em nos levar à fé. Mas também encontramos evidências para isso em textos como Jo 6:37-40, onde é dito que todos que foram dados à Cristo pelo Pai para a salvação efetivamente vêm a Ele. Ef 2:1-10 também nos conta que Deus traz à vida pessoas que estão mortas em pecados. A ressurreição requer um poder eficaz, pois as pessoas que estão mortas não podem responder em fé. Deus precisa agir de forma eficaz para nos dar novos corações antes que creiamos, porque não podemos cooperar com Ele se estamos mortos em pecado. Outros textos que apontam para a graça irresistível definitiva de Deus incluem Gn 12:1-3, onde Deus ordena a Abraão a sair de Ur e o patriarca não hesita em partir. Deus decretou e isso acontece.
Em resumo, a graça irresistível preserva a verdade de que Deus não é apenas Todo-Amoroso, mas também é Todo-Poderoso. Seu amor é forte o suficiente para garantir a salvação de todos aqueles que Ele deseja salvar. Seu amor por Seu povo é onipotente.
Perseverança dos santos
A letra P na TULIP representa a perseverança dos santos (perseverance of the saints em inglês), que ensina o permanente amor salvífico de Deus por Seu povo. O Senhor nunca para de amar o Seu povo com um amor salvífico e eficaz; em consequência, todos aqueles que verdadeiramente creram nEle não se afastarão da fé definitivamente. Verdadeiros crentes em Cristo podem parecer abandoná-lo por algum tempo, mas se verdadeiramente creram nEle, sempre retornarão a Ele. Aqueles que professam fé, mas se afastam definitivamente nunca creram verdadeiramente em Cristo. Eles saem de nosso meio, pois nunca foram verdadeiramente dos nossos (1 Jo 2:19).
Reafirmo, outros pontos teológicos como a eleição incondicional requerem a perseverança. Se Deus escolhe salvar os eleitos, os eleitos devem perseverar. Também encontramos o ensino afirmado explicitamente na Escritura. Cristo declara que ninguém pode nos arrebatar das mãos do Pai (Jo 10:28). “Ninguém” inclui até nós mesmos, até mesmo nós não podemos nos arrebatar de Sua mão. Ro 8:28-30 diz que todo aquele que Deus justifica ele também glorifica. Uma vez que a justificação vem pela fé somente (Rm 4), se Deus glorifica a todos que Ele justifica, Ele glorifica a todos que chegam à fé salvífica. Em resumo, Deus nos ama muito para nos deixar cair de Sua graça. Simplesmente não nos deixará.
Como você pode ver, TULIP, ou os cinco pontos do calvinismo, resume a obra da salvação de Deus e destaca o amor onipotente de Deus. Os cristãos podem ter certeza de que se creem, é por causa da obra de Deus e essa obra não pode falhar, porque o amor de Deus não pode falhar.
Este artigo foi publicado originalmente na Ligonier Ministries Blog.