A piedade pessoal do reino
janeiro 6, 2025A entrada ao reino
janeiro 9, 2025O reino celestial e o reino terreno
Nota do editor: Este é o quinto de 14 capítulos da série da revista Tabletalk: Manual para viver no reino.
Mateus 7:1-12 faz parte do “Manual para viver no reino”, também chamado de Sermão do Monte (Mt 5-7), que na verdade parece ser uma amostra do ensino de Jesus sobre o reino conduzido durante um período de tempo (ver Mt 4:17, 23). O reino de Deus ou dos céus é a nova criação que será consumada no retorno de Cristo. A primeira criação ou reino do mundo (Ap 11:15) é dominada pelo pecado e pela morte para seus súditos, enquanto nós que confiamos em Cristo recebemos a graça da cidadania no reino da nova criação, embora agora devamos sofrer por isso um pouco de tempo até a consumação (Mt 5:3, 10-12; ver 1 Pe 1:6; 5:10).
O ensinamento de Jesus esclarece que os herdeiros da vida no reino dos céus vivem deste lado da glória na velha criação, ao lado e, portanto, à vista daqueles que são do mundo. Não somos do mundo, porém estamos nele e devemos agir como emissários de sal e luz para o reino terreno, mesmo quando compartilhamos temporariamente de suas aflições (Jo 15:16-19; 2 Cor 4:16-5:5, 17; Fil 3:19–21). Para nós, as aflições santificam, e não são atos de julgamento divino (Rom 8:1; Tg 1:2-4). Sabemos que nosso testemunho de Cristo nesta época faz parte da paciência de Deus, pois Ele concede tempo para os que estão perdidos se arrependerem (At 17:30-31; Rom 2:4; 2 Pe 3:9–10).
Nossa passagem, Mateus 7:1–12, consiste em quatro seções: vv. 1-5, 6, 7-11 e 12. Uma das principais questões que enfrentaremos é como essas seções se relacionam entre si, o que faremos ao examinar cada uma delas em ordem.
Mateus 7:1-5 (ver Lc 6:41–42) é relativamente fácil de interpretar por si só. Ironicamente, é uma advertência severa e bem-humorada contra a severidade hipócrita entre o povo de Deus. O rigor da declaração do Senhor é enfatizado pela Sua reprovação: “Hipócrita” (Mt 7:5; ver Pv 3:11 para obter sabedoria e dar ouvidos à reprovação do Senhor). Em outro lugar, Jesus comenta sobre aqueles de fora como hipócritas (p. ex., Mt 6:2, 5, 16; 15:7; 22:18) sobre os quais Ele pronuncia “ais” (ver Mt 23:13, 15, 23, 25, 27; 24:51). Porém aqui, a censura do hipócrita bastante crítico chama a nossa atenção e exige uma reflexão séria sobre as nossas próprias vidas e atitudes.
O humor em Mt 7:1–5 consiste no contraste do hipócrita com uma “trave” (ou viga do telhado) em seu olho versus o “argueiro” (ou partícula de serragem) no olho de seu irmão. Um estudioso notou a “extravagância” do ensino de Jesus em lugares como este com o propósito de chamar a atenção do Seu público e, neste caso, de acentuar o absurdo do hipócrita hipercrítico. Em última análise, a hipocrisia não pode ocorrer entre os cidadãos do reino dos céus, e é particularmente terrível, pois traz desonra a Deus (ver Rom 2:23 no contexto). Em vez disso, as nossas vidas devem conformar-se à realidade transformada de que somos uma obra divina da nova criação através do Espírito Santo (Rom 6:4; Ef 2:10). A ética consequente de Mt 7:1-5 é a pureza do amor e da misericórdia para com os outros em obediência a um Rei que demonstra uma terna compaixão para com todos (p. ex., Mt 11:28-29).
Ao considerar Mateus 7:6 , Jesus usa uma metáfora que faz referência a cães, que na antiga cultura judaica eram animais em essência vis (p. ex., Êx 22:31; 2 Rs 8:13; Ap 22:15) comparáveis aos tolos (Pv 26:11) ou a falsos mestres no meio de uma congregação (Fp 3:2; 2 Pe 2:1-22). Os porcos também eram considerados impuros por excelência (2 Pe 2:22), de modo que a degradação do Filho Pródigo se exemplifica por ele ter que alimentar porcos e até mesmo desejar a alimentação não comestível (Lc 15:15-16). As pérolas possuíam um valor especial no Mundo Antigo (p. ex., Mt 13:46; Ap 21:21), embora obviamente sejam inúteis para os porcos. Os cães que não têm interesse nas coisas sagradas que lhes são lançadas eram cães selvagens que vagavam pelas cidades em matilhas (Sl 59:6, 14), e não cães domésticos que comiam restos debaixo da mesa (p. ex., Mt 15:27).
Então, qual é o objetivo de Jesus ao fazer a memorável declaração em Mateus 7:6? A melhor resposta tem uma conexão com os vv. 1-5, onde Jesus acaba de alertar sobre o perigo do julgamento hipócrita do “irmão” de alguém, que identifica a outra pessoa como membro da igreja, seja irmão ou irmã. Mas depois, Jesus termina com a expectativa de que somos obrigados a ajudar uns aos outros, mesmo que isso envolva exortação e repreensão: “Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão” (Mt 7:5). Em vários textos no Novo Testamento confirmam esta responsabilidade que temos uns para com os outros (p. ex., Mt 18:15-17; Gl 6:1; 1 Ts 5:14; Hb 3:13), a repreensão de Paulo a Pedro em Antioquia é um exemplo notável (Gl 2:11-14).
O que Jesus está ensinando, em Mateus 7:6, é que é importante agir com prudência ao corrigir um irmão ou irmã na igreja. Requer sabedoria e discernimento sobre como fazê-lo e a quem é feito. A repreensão de estranhos por nossa parte, e não pelo Senhor, é suscetível, a falhas potenciais, como a parábola no v. 6 ilustra de forma tão dramática (ver Judas). Porém a restauração de um irmão ou irmã é sempre muito importante e “cobrirá multidão de pecados” (Tg 5:19-20).
Também descobrimos que a próxima seção (Mt 7:7-11) não é difícil de entender em geral, contudo, é difícil de conectar com as declarações que a rodeiam. Os versículos começam com a certeza de que a oração ao nosso Pai será respondida por causa de Sua bondade paternal, de modo que Ele se deleita em suprir o que é necessário para Seus filhos. “Buscai” aqui (v. 7) lembra o ensinamento de Jesus em Mt 6:25-34 sobre o suprimento abundante do Senhor para nós, que nos alivia da ansiedade pelo amanhã.
No entanto, como os vv. 7-11 se enquadram no contexto? A resposta está na passagem paralela de Lucas (Lc 11:9-13), que tem uma diferença fundamental em relação ao relato de Mateus no final. Em Mateus, o Pai dá “boas dádivas” àqueles que pedem e buscam (Mt 7:11), enquanto em Lc 11:13 Jesus declara: “Quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?”. O Espírito Santo é a boa dádiva por excelência dada aos filhos de Deus, pois nEle temos todas as coisas para o crescimento na piedade nesta vida e para a vida de ressurreição na era vindoura.
Agora vemos a conexão de Mt 7:7–11 com seu contexto. É nosso privilégio intervir na situação de outros quando a restauração e o arrependimento de um irmão ou irmã são necessários (Mt 7:5-6). “Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte” (1 Jo 5:16). Em alguns casos, tal intercessão é concedida até mesmo para aqueles de fora (p. ex., Mt 18:15; 1 Cor 7:16; 1 Pe 3:1). A vida eterna através do Espírito Santo é o dom supremo que o Pai pode nos conceder, por essa razão devemos orar pelos outros com ainda mais fervor à luz do que Jesus ensina em Mateus 7:7-11.
O último versículo da passagem (Mt 7:12) também parece estar desconectado do contexto, mas é evidente que a Regra de Ouro mencionada aqui se relaciona especialmente com os vv. 1-5 e aos versículos subsequentes. Quem quer que um crítico severo com uma trave no olho tente tirar o argueiro do nosso olho? Para o crítico, Jesus instrui para tratar os outros como você seria tratado. E a partir disso, qualifique suas ações para com os outros com sabedoria e discernimento (Mt 7:6) e sobretudo, com oração amorosa por eles (Mt 7:7-11). Quem não deseja as orações dos nossos irmãos e irmãs? Portanto, oramos por eles e cumprimos o ensinamento bíblico (“a Lei e os Profetas”), cumprindo nossos deveres para com os outros com amor (Lv 19:18; Mt 19:19; 22:37-40).
Porém se o foco em Mateus 7:1–11 tem sido sobre como tratamos os outros cidadãos do reino de Deus, o v. 12 agora amplia isso para nossas ações também em relação aos súditos deste mundo (“a eles”; ver Lc 10:29-37). Jesus ensina aqui em essência o que Ele aborda de forma mais específica em outros lugares: somos sal e luz no mundo como emissários do reino dos céus. Sem a embaixada do reino, o mundo fica sem sabor, cego e perdido em plena escuridão (ver At 17:27). Mas a maneira como tratamos os outros dentro e fora da igreja age como um testemunho claro da obra da nova criação que está acontecendo em nós: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:35). Este lugar em João é um bom resumo do ensino do nosso Rei em Mateus 7:1–12.
Este artigo foi publicado originalmente na TableTalk Magazine.