Pelagianismo – A controvérsia pelagiana | Ministério Ligonier
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A controvérsia pelagiana

Nota do editor: Este é o segundo de 6 capítulos da série da revista Tabletalk: O fim de uma era: a história da Igreja no século V

“Concede-me o que me ordenas e ordena o que quiseres.” Essa passagem da pena de Santo Agostinho de Hipona foi o ensinamento do grande teólogo que provocou uma das mais importantes controvérsias na história da igreja, e que foi levada à fúria nos primeiros anos do século V.

A provocação dessa oração estimulou um monge britânico chamado Pelágio a reagir vigorosamente contra seu conteúdo. Quando Pelágio chegou a Roma em algum momento da primeira década do século V, ficou chocado com a negligência moral que se observava entre os cristãos professos e até mesmo entre o clero. Ele atribuiu muito desse mal-estar às implicações do ensinamento de Santo Agostinho, ou seja, que a justiça só poderia ser alcançada pelos cristãos com a ajuda especial da graça divina.

Com relação à oração de Agostinho: “Ó Deus, concede-me o que me ordenas e ordena o que quiseres”, Pelágio não teve problemas com a segunda parte. Ele acreditava que o maior atributo de Deus era de fato a Sua justiça, e por justiça Deus tinha o direito perfeito de obrigar Suas criaturas a obedecê-lo de acordo com Sua lei. Foi a primeira parte da oração que exercitou Pelágio, na qual Agostinho pedia a Deus que concedesse o que Ele ordena. Pelágio reagiu expressando que tudo o que Deus ordena implica a capacidade de obedecer daquele que recebe a ordem. O homem não deveria ter que pedir graça para ser obediente.

Agora, essa discussão se ampliou em mais debates sobre a natureza da queda de Adão, a extensão da corrupção em nossa humanidade que descrevemos sob a rubrica “pecado original” e a doutrina sobre o batismo.

A posição de Pelágio era que o pecado de Adão afetou Adão e apenas Adão. Isto é, como resultado da transgressão de Adão não houve mudança na natureza constituinte da raça humana. O homem nasceu em um estado de retidão e, como alguém criado à imagem de Deus, foi criado imutavelmente assim. Embora fosse possível que ele pecasse, não era possível que ele perdesse sua natureza humana básica, que era capaz de ser obediente sempre e em qualquer lugar. Pelágio continuou afirmando que é possível, mesmo após o pecado de Adão, que todo ser humano tivesse uma vida de perfeita retidão e que, de fato, alguns alcançaram tal status.

Pelágio não se opunha à graça, apenas à ideia de que a graça era necessária para a obediência. Ele sustentou que a graça facilita a obediência, mas não é um pré-requisito necessário para a obediência. Não há transferência de culpa de Adão para sua descendência nem qualquer mudança na natureza humana como uma consequência da queda. O único impacto negativo que Adão teve em sua descendência foi o de dar um mau exemplo, e se aqueles que seguem o caminho de Adão imitarem sua desobediência, compartilharão de sua culpa, afirmou Pelágio, mas apenas por serem eles próprios realmente culpados. Não pode haver transferência ou imputação de culpa de um homem para outro de acordo com o ensinamento de Pelágio. Por outro lado, Agostinho argumentou que a queda prejudicou seriamente a capacidade moral da raça humana. De fato, a queda de Adão mergulhou toda a humanidade no estado ruinoso do pecado original. O pecado original não se refere ao primeiro pecado de Adão e Eva, mas se refere às consequências desse primeiro pecado para a raça humana. Refere-se ao julgamento de Deus sobre toda a raça humana, pelo qual Ele castiga sobre nós os efeitos do pecado de Adão pela completa corrupção de todos os seus descendentes. Paulo desenvolve esse tema no quinto capítulo de sua epístola aos Romanos.

A questão-chave para Agostinho nesta controvérsia foi a questão da capacidade moral do homem caído ou a falta dela. Agostinho argumentou que, antes da queda, Adão e Eva gozavam de livre arbítrio, bem como de liberdade moral. O arbítrio é a faculdade pela qual as escolhas são feitas. A liberdade refere-se à capacidade de usar essa faculdade para abraçar as coisas de Deus. Após a queda, Agostinho disse que o arbítrio, ou a faculdade de escolher, permaneceu intacta; ou seja, os seres humanos ainda são livres no sentido de poderem escolher o que quiserem. No entanto, suas escolhas estão profundamente influenciadas pela escravidão do pecado que os mantém em um estado corrupto. E como resultado dessa escravidão ao pecado, a liberdade original que Adão e Eva desfrutavam antes da queda foi perdida.

A única maneira pela qual a liberdade moral poderia ser restaurada seria por meio da obra sobrenatural da graça de Deus na alma. Essa renovação da liberdade é o que a Bíblia chama de liberdade “real” (Tg 2:8). Portanto, o ponto crucial da questão tinha a ver com a questão da incapacidade moral como o cerne do pecado original. A controvérsia rendeu vários veredictos da Igreja, entre eles o julgamento da igreja em um sínodo no ano 418, no qual o Concílio de Cartago condenou os ensinamentos de Pelágio. O herege foi exilado para Constantinopla em 429. E, mais uma vez, o pelagianismo foi condenado pela Igreja no Concílio de Éfeso em 431. Ao longo da história da Igreja, repetidas vezes, o pelagianismo sem verniz foi repudiado pela ortodoxia cristã. Até mesmo o Concílio de Trento, que ensina uma forma de semipelagianismo, em seus três primeiros cânones — especialmente no sexto capítulo sobre a justificação — repete a antiga condenação da Igreja ao ensino de Pelágio de que os homens podem ser justos à parte da graça. Mesmo em algo tão recente como o catecismo católico romano moderno, essa condenação continua.

Em nossos dias, o debate entre pelagianismo e agostinianismo pode ser visto como o debate entre humanismo e cristianismo. O humanismo é uma variedade requentada do pelagianismo. No entanto, a luta dentro da Igreja agora é entre a visão agostiniana e várias formas de semipelagianismo, que buscam um meio termo entre as visões de Pelágio e Agostinho. O semipelagianismo ensina que a graça é necessária para alcançar a justiça, mas que essa graça não é concedida ao pecador de forma unilateral ou soberana, como sustenta a teologia reformada. Em vez disso, o semipelagiano argumenta que o indivíduo dá o passo inicial de fé antes que a graça salvadora seja concedida. Assim, Deus concede a graça da fé em conjunto com a obra do pecador em buscar a Deus. Parece que uma pequena mistura de graça e obras não preocupa o semipelagiano. Porém, é nossa tarefa se quisermos ser fiéis primeiro às Escrituras e depois aos antigos concílios da Igreja, discernir a verdade de Agostinho e defendê-la corretamente.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

R.C. Sproul
R.C. Sproul
O Dr. R.C. Sproul foi fundador do Ministério Ligonier, primeiro pastor de pregação e ensino da Saint Andrew's Chapel em Sanford, Flórida, e primeiro presidente da Reformation Bible College. Seu programa de rádio, Renewing Your Mind, ainda se transmite diariamente em centenas de estações de rádio ao redor do mundo e também pode ser ouvido online. Ele escreveu mais de cem livros, entre eles A Santidade de Deus, Eleitos de Deus, Somos todos teólogos e Surpreendido pelo sofrimento. Ele foi reconhecido em todo o mundo por sua defesa clara e convincente da inerrância das Escrituras e por declarar a necessidade que o povo de Deus tem em permanecer com convicção em Sua Palavra.