O evangelho imutável
outubro 18, 2022O testemunho de Marcos
outubro 20, 2022O testemunho de Mateus
Nota do editor: Este é o segundo de 10 capítulos da série da revista Tabletalk: Os evangelhos.
Na história dos estudos bíblicos, temos visto nos últimos duzentos anos a ascensão da chamada “alta crítica”. Grande parte da alta crítica é alimentada pelo ceticismo em relação à confiabilidade dos textos bíblicos. Uma vez que os cristãos ortodoxos se opõem a muitos dos argumentos dos proponentes da alta crítica, aqueles muitas vezes ignoram informações valiosas que podem ser obtidas por meio da análise crítica do texto. Algumas dessas análises podem ser muito úteis para nosso esforço de buscar uma compreensão exata da Bíblia.
Um elemento da erudição crítica que pode fazer isso é a dimensão conhecida como crítica da fonte. Como o título sugere, esse tipo de crítica tenta reconstruir a maneira como os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) foram escritos.
A suposição geral entre os críticos de fontes é que Marcos foi o primeiro evangelho escrito. Isso é visto por uma análise de Mateus e Lucas, tanto Mateus quanto Lucas têm material em seus evangelhos que é comum ao evangelho de Marcos. Ao mesmo tempo, há material comum encontrado em Lucas e em Mateus que não é encontrado em Marcos. Os estudiosos então tentam explicar essa informação comum encontrada nesses dois evangelhos que não está no evangelho de Marcos. A hipótese provisória é que Mateus e Lucas, além de terem Marcos como fonte de suas informações, tinham uma segunda fonte independente que Marcos não usava. Esta segunda fonte independente é chamada simplesmente de “fonte Q”.
Essa letra Q é usada porque é a primeira letra da palavra alemã quelle, que é simplesmente a palavra para fonte. Ou seja, a fonte Q é uma fonte desconhecida para nós, mas conhecida pelos escritores dos evangelhos Mateus e Lucas. Grande parte dessa análise é especulativa e hipotética. Os estudiosos divergem sobre se a suposta fonte Q era uma fonte escrita compartilhada por Mateus e Lucas, ou simplesmente uma tradição oral à qual ambos tinham acesso. Onde quer que cheguemos em nossas conclusões sobre o método com o qual os escritores dos evangelhos compilaram seus textos, a própria análise que vimos nos proporciona um benefício claro. Ao isolar o material encontrado em Mateus e somente em Mateus, ou ao isolar o material encontrado em Lucas e somente em Lucas, ou ao isolar o material encontrado em Marcos e somente em Marcos, obtemos pistas sobre o público ao qual o autor estava dirigindo suas informações e também os principais temas do autor em seu evangelho em particular.
Por exemplo, ao olhar para o evangelho de Mateus, encontramos mais citações e alusões às Escrituras do Antigo Testamento do que em qualquer outro evangelho. Este fato por si só dá credibilidade à ideia de que Mateus estava dirigindo seu evangelho principalmente para uma audiência judaica para mostrar como Jesus, o Messias tão esperado, cumpriu a profecia do Antigo Testamento.
Também vemos no evangelho de Mateus uma forte condenação do clero judeu daquele período da história que foi responsável por administrar a destruição de Jesus. Os escribas e fariseus são particularmente destacados, pois Mateus registra para nós o julgamento de “ais” proferido contra os escribas e fariseus por sua hipocrisia. Com relação a isso, também encontramos em Mateus mais informações sobre o ensino de Jesus a respeito do inferno do que encontramos em qualquer outro lugar nos quatro evangelhos.
No entanto, se procurássemos num único tema que parece ser o tema mais central e mais importante de todo o evangelho de Mateus, seria o tema da vinda do reino. Vemos em primeira instância que o termo “evangelho” se refere ao evangelho do reino: as boas novas do anúncio do avanço do reino de Deus. No caso de Mateus, ele usa a frase “reino dos céus” em vez da terminologia “reino de Deus”. Mateus o faz não por ter uma visão diferente do significado ou conteúdo do reino de Deus; antes, por sensibilidade para com seus leitores judeus, ele faz uso comum do que é chamado de “perífrase”, um certo tipo de circunlóquio para evitar mencionar o nome sagrado de Deus. Assim, para Mateus, a doutrina do reino dos céus é o mesmo reino que os outros escritores chamam de reino de Deus.
Mateus fala sobre o avanço do reino e a chegada de Jesus em Sua encarnação. Ele anuncia a vinda do reino no início do ministério público de Jesus, e no final do livro Mateus fala sobre a consumação final da vinda desse reino no Discurso do Monte das Oliveiras. Assim, da primeira página de Mateus à última página, vemos o tema unificador da vinda do reino de Deus na aparição do próprio Rei, que é o Messias de Israel e o cumprimento do reino dado a Judá.
O evangelho de Mateus é rico em informações detalhadas sobre o ensino de Jesus e particularmente em Suas parábolas, que nem sempre estão incluídas nos outros evangelhos. Novamente, o foco central das parábolas de Jesus é o reino, onde Ele introduz as parábolas dizendo: “O reino dos céus é semelhante a isto…” ou “o reino dos céus é semelhante àquilo…” Se quisermos entender o significado do aparecimento de Jesus na plenitude dos tempos para inaugurar o reino e todo o significado da história redentora, veremos que esse foco é nítido no evangelho de Mateus.
Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Megazine.