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Deus nos castiga pelos pecados de nossos pais?

Nota do Editor: Este é o último de 16 capítulos da série da revista Tabletalk: Artigos selecionados Ligonier.

Há momentos em que a Bíblia aparenta ter contradições sobre se seremos punidos pelos pecados dos nossos pais, às vezes até no mesmo livro. Por exemplo, o segundo mandamento proíbe a adoração a Deus através de imagens, pois o Senhor é um “Deus zeloso, que visita a maldade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia em milhares aos que me amam e guardam os meus mandamentos” (Ex 20:5-6; Dt 5:9-10). Também lemos no livro de Números que o Senhor não de forma alguma inocenta “o culpado, e visita a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta gerações” (Nm 14:18). Contudo em Deuteronômio lemos: “Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos, em lugar dos pais; cada qual será morto pelo seu pecado” (Dt 24:16).

Séculos depois, Ezequiel avisa: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai, a iniquidade do filho; a justiça do justo ficará sobre ele, e a perversidade do perverso cairá sobre este” (Ez 18:20). Jeremias também profetiza sobre um dia quando, “já não dirão: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram” (Jr 31:29). Então, como é isso? Deus pune os filhos pelos pecados dos pais? A resposta é sim e não. Primeiro, vamos tratar do sim.

Adão, a cabeça federal e o pecado original

Deus de fato nos pune pelos pecados de nossos primeiros pais (ver Rm 5:12–14; 1 Co 15:22). Isto por causa do papel pactual que Adão tinha como cabeça federal no pacto pré-lapsariano de obras. Adão representou exclusivamente toda a sua posteridade, de modo que quando nossos primeiros pais caíram, incorreram em punição não apenas para eles, mas para os seus descendentes: todas as pessoas que nasceriam neste mundo através de geração comum (ver Breve Catecismo de Westminster, 13-17). A Confissão de Fé de Westminster explica em relação aos nossos primeiros pais e o pecado original: “Sendo eles a raiz de toda a humanidade, a culpa por este pecado foi imputada; e a mesma morte em pecado e natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração comum” (CFW 6.3). A única maneira, então, de sermos livrados do pecado e miséria trazida sobre nós pelos nossos primeiros pais é sendo unidos por fé a um cabeça fiel: o Senhor Jesus Cristo. A respeito da nossa filiação federal, então, Deus lida conosco de acordo com os pecados ou obediência de nossos pais. Desta forma, nossa resposta para a pergunta aqui depende de como definimos filiação em contexto.

Agora que já discutimos Adão e seu papel único como cabeça federal no pacto de obras, podemos considerar a pergunta em um contexto mais próximo: seu pai e o meu pai, que é tipicamente a maneira como a pergunta é formulada.

Culpabilidade individual x consequências corporativas

Diferente de Adão, nossos pais não estão em uma posição de cabeça federal em um pacto de obras onde sua obediência ou desobediência determina tudo subsequentemente para seus descendentes. Portanto, podemos dizer sem dúvida que Deus não pune diretamente os filhos pelos pecados de seus pais. Contudo, ao mesmo tempo, as consequências do pecado com bastante frequência afetam as futuras gerações, e desta maneira, há uma certa punição indireta. Por exemplo, os pecados de idolatria e falsa adoração se tornam profundamente estabelecidos na vida religiosa de qualquer sociedade ou família. Por esta razão, nos relatos de vários reis sucessivos em Israel, muitas vezes lemos sobre reis que seguiram nos caminhos de seus pais, seja para o bem ou para o mal. O rei Acazias, por exemplo, “fez o que era mau perante o Senhor; porque andou nos caminhos de seu pai, como também nos caminhos de sua mãe e nos caminhos de Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar a Israel” (1 Rs 22:53). A idolatria e a falsa adoração não são facilmente extinguidos uma vez que são herdados de gerações anteriores. Requer uma reforma intencional e forjada pelo Espírito como a que foi feita por Josias, “fez ele o que era reto perante o Senhor, andou em todo o caminho de Davi, seu pai, e não se desviou nem para a direita nem para a esquerda” (2 Rs 22:2) e destruiu os altos nos quais os ídolos eram adorados (2 Rs 23).

Contudo, não há garantia de que pais justos irão gerar filhos justos e pais perversos vão gerar filhos perversos. O filho de Josias, Joacaz, “fez ele o que era mau perante o Senhor” (2 Rs 23.32). Por outro lado, Ezequias teve um pai perverso em Acaz (2 Rs 16), porém “fez ele o que era reto perante o Senhor, segundo tudo o que fizera Davi, seu pai” (2 Rs 18:3). Observe que o autor de Reis menciona Davi como o pai de Ezequias. Ezequias seguiu nos caminhos piedosos de Davi ao invés dos caminhos perversos de Acaz.

Nesses exemplos do Antigo Testamento, vemos que a idolatria passa facilmente de uma geração para a outra e Deus muitas vezes pune os israelitas como resultado de sua idolatria. Apesar do Senhor não punir o povo diretamente pelos pecados que seus pais cometeram (o Senhor pune aqueles que seguem nos pecados de seus pais), os pecados de seus pais muitas vezes reverberam e as consequências podem ser sentidas nas próximas gerações. Também, apesar de um filho justo não sofrer diretamente pelo pecado de um pai perverso, ele é suscetível a seguir no caminho da perversidade de seu pai. Ele muitas vezes irá indiretamente sofrer as consequências de parte do comportamento perverso de seu pai. Por exemplo, se um pai é dado a embriaguez, seu filho está mais suscetível a experimentar abuso e a seguir os passos de seu pai. No entanto, cada humano sofre a punição por sua própria perversidade. Como Matthew Henry expressa: “Deus não pune os filhos pelos pecados dos pais a não ser que trilhem nos passos de seus pais”. Portanto, nossa resposta à pergunta aqui depende de como definimos a palavra punição em contexto. 

Então o que?

O que isso significa para nós? Podemos extrair diversas aplicações, mas vamos apenas considerar algumas. Primeiro, precisamos ser rápidos a nos arrepender, ser especialmente cuidadosos com os pecados que tão facilmente enrolaram membros de nossa família no passado. Nossos pecados, se não forem mortificados, irão afetar nossos filhos. Segundo, somos lembrados da importância de os pais cristãos discipularem e orarem adequadamente pelos seus filhos. Geralmente, Deus abençoa através de linhagens familiares. Terceiro, o pecado tem consequências diretas para aqueles que o cometem, mas também podem ter consequências indiretas para aqueles à sua volta e para futuras gerações. Por último, não somos escravos dos pecados de nossos pais. Ou somos escravos do pecado ou da justiça (Rm 6:12-23). Deus nos colocou providencialmente em nossas respectivas famílias, culturas e sociedades com todos os privilégios, tentações e desvantagens que vem junto com o contexto (ver At 17:26). O que realmente importa é se o nosso cabeça federal é Adão ou Cristo (Rm 5:12-21).

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Aaron L. Garriott
Aaron L. Garriott
Aaron L. Garriott é editor sênior da Tabletalk Magazine, professor adjunto residente no Reformation Bible College em Sanford, Flórida, e graduado pelo Reformed Theological Seminary em Orlando, Flórida.