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Como orar o Salmo 51?

Nota do Editor: Este é o penúltimo de 16 capítulos da série da revista Tabletalk: Artigos selecionados Ligonier.

O povo de Deus vê já há muito tempo as palavras de Davi no Salmo 51 como um modelo de como orar quando nos sentimos sobrecarregados por nossas ofensas abomináveis contra o santo Deus. É certo que, com sua linguagem de “hissopo”, “crimes de sangue” e “ofertas queimadas” (para não mencionar a alegação aparente de Davi de que Deus é a única parte ofendida), o salmo pode apresentar ilustrações estranhas para o povo da nova aliança de Deus. Apesar disso, o Salmo 51 é um guia magnífico para orações de arrependimento. O propósito deste artigo é demonstrar como o Salmo 51 nos guia em nosso arrependimento. [1]

1. Ore por perdão (Sl 51:1-9): “Compadece-te de mim”; “Lava-me”; “Purifica-me”; “Apaga”.

Nossa maior necessidade é Deus, nosso maior problema é o pecado e a nossa única solução é o perdão de Deus. Quando pecamos, nossa maior necessidade não é de encobri-lo, racionalizá-lo ou até mesmo nos sentirmos melhor, “ao desabafar”. Precisamos de perdão. E Deus é rápido em perdoar aqueles que vêm a Ele humildemente para confessar seu pecado e pedir perdão. Mas precisamos ter nossas consciências feridas se quisermos buscar misericórdia como João Calvino afirma: “Nunca pediremos perdão a Deus até que tenhamos obtido tal visão de nossos pecados que nos inspire temor”. [2] Precisamos estar bem familiarizados com nossos pecados e preparados para nos arrependermos quando o Espírito incomodar nossa consciência. Então, oraremos por perdão, não porque Deus é relutante em oferecê-lo, mas porque estamos conscientes de que somos totalmente dependentes da misericórdia de Deus. Não fazemos penitência. Não nos autoflagelamos para expiar nosso pecado. Também não encaramos nosso pecado. Como Davi, expomos nosso pecado e dependemos da promessa de Deus de perdoar o Seu povo. Quando estamos sofrendo a agonia do remorso, podemos desejar ter uma máquina do tempo. Se apenas pudéssemos voltar no tempo e desfazer o que fizemos. Querido cristão, nós temos algo melhor. Temos a promessa certa, como Davi teve de Natã, de que o Senhor “perdoou o [nosso] pecado” (2 Sm 12:13). Dê nome ao seu pecado especificamente, confesse-o e ore por misericórdia.

2. Ore por restauração (Sl 51:10-12): “renova dentro de mim”; “Não me repulses”; “Restitui-me”.

Depois de ter orado por perdão, Davi agora ora por restauração. O verdadeiro arrependimento busca perdão e restauração, transformação e renovação. Hipócritas dissimulados buscam perdão pelos pecados para os quais eles têm toda a intenção de retornar. Pecadores penitentes buscam perdão e restauração ao favor de Deus e as muitas graças que acompanham sua salvação. Davi buscou renovação do que havia perdido pelo seu pecado: um coração puro, um espírito inabalável e voluntário, a presença de Deus e o Espírito de graça e alegria. O pecado é mais pavoroso e triste porque aborrece a Deus. Quando pecamos e imploramos por perdão, fazemos bem, então, de considerar as orações de Davi pela restauração e renovação dessas graças. Ore que Deus o torne disposto e pronto para obedecer, para te dar um coração puro com integridade, para renovar a alegria de estar na salvação de Deus e te tornar consciente de Sua presença eterna.

3. Ore por obediência e ofereça sacrifícios espirituais (Sl 51:13-17): “Eu irei…” “Espírito quebrantado”; Coração contrito”.

A restauração dessas graças compele uma nova resolução e esforço por uma nova obediência (ver Breve Catecismo de Westminster, 87). Somos perdoados e restaurados à uma nova obediência. Se Davi encontrar o perdão e restauração que procura, ele expressará sua gratidão em forma de proclamação: anunciar aos outros as boas novas da graça de Deus que ele próprio experimentou de forma abundante. Calvino observa: “Aqueles que foram misericordiosamente restaurados de suas quedas sentirão inflamados pela lei comum da caridade a estender uma mão amiga aos seus irmãos, e em geral, aqueles que são participantes da graça de Deus são constrangidos pelo princípio religioso e pela consideração da glória divina a desejar que outros sejam trazidos para participar dela”.[3] O rei também decide louvar ao Senhor (Sl 51:14-15). Finalmente, ele oferece sacrifícios espirituais ao invés de sacrifícios animais. Isso pode parecer estranho, uma vez que o Senhor instituiu um sistema sacrificial como uma provisão para o pecado. Contudo, Davi entendeu o que muitos judeus não entenderam. Muitos debaixo da lei procuraram o perdão de Deus e a salvação por meio de ofertas como pagamento na forma de um sacrifício animal no altar. Davi entendeu que não poderia oferecer nada ao Senhor que pudesse obter perdão, mas permaneceu inteiramente dependente da misericórdia e expiação prometida do Senhor.[3]

Possuir um coração quebrantado, de acordo com John Bunyan, é “tê-lo aleijado, deficiente e neutralizado por um senso da ira de Deus por causa do pecado”. Um espírito contrito é um que é penitente, “dolorosamente afligido e profundamente triste pelos pecados que cometeu contra Deus e o dano causado à alma”.[4] Um coração quebrantado e contrito, então, reflete uma postura humilde, triste e expectante. Queridos irmãos, Deus não despreza um espírito quebrantado e um coração contrito  (Sl 51:17). Ele se alegra nele. Quando assumimos essa postura, reconhecemos nossa dependência na provisão final do Senhor pelo nosso pecado (não importa quão grave), a obra expiatória do Senhor Jesus Cristo. Renove sua obediência ao Senhor e ofereça seu coração a Ele.

4. Ore pelo povo de Deus (Sl 51:18-19): “Faze bem”; “Edifica”.

Até agora, Davi ofereceu orações por ele: por perdão, restauração e decisão de andar em obediência grata com um coração contrito. No versículo 18, Davi começa a oferecer súplicas por parte do povo de Deus, talvez uma conclusão estranha à primeira vista para uma oração de arrependimento. Com certeza, a petição de Davi por Sião é única, pois ele era o real vice-regente do Senhor em Israel. Como pastor-rei, era responsável pelo cuidado e proteção do povo de Deus. Seu pecado gerou juízo e aflição sobre o povo de Israel de maneiras que os pecados dos outros não provocaram.[5] Contudo, ainda é verdade, embora a uma extensão menor, que o nosso pecado também perturba a igreja. À medida em que nossos pecados machucaram outras pessoas, oramos por elas (e, às vezes, confessamos a elas). E, sabendo da dor e tristeza que sentimos, oramos por elas e encorajamos elas de forma que não caiam na mesma armadilha. Além disso, confiamos o cuidado da igreja ao seu Cabeça, o Senhor Jesus Cristo. Não podemos destruir completamente a igreja pelo nosso pecado, nem podemos edificá-la ou fazê-la crescer pelos nossos próprios esforços. Ao confiar que Cristo edificará e preservar Sua igreja, nossas orações de arrependimento devem ter a igreja corporativa em mente. Ainda que alguns pecados sejam privados, nunca pecamos de forma isolada. Somos membros de um corpo (Gl 3:26). Portanto, oramos ao Senhor para desfazer o nosso mal, preservar o Seu povo, estabelecer Sua igreja e prosperar os seus caminhos. [7]

A tristeza de Davi por seu pecado foi correspondida apenas por sua confiança de que o Senhor se alegra em demonstrar misericórdia a Seu povo quebrantado e contrito. Quando você estiver preso nas agonias da tristeza esmagadora pelo seu pecado, ore por perdão e restauração, decida andar em nova obediência e ofereça súplicas por outras pessoas, para que não caiam em pecado. O mais importante, assim como Davi esperava para a expiação completa e final que o Senhor proveria, fixemos nossos olhos no Rei que veio para nos tornar mais alvos que a neve. E assim, nos levantamos dos nossos joelhos penitentes e seguimos em frente como aqueles que estão seguros de que o Senhor “perdoou o [nosso] pecado” (2 Sm 12.13) “quanto dista o Oriente do Ocidente” (Sl 103:12).

[1] Com certeza, existem inúmeros outros salmos que podem servir como modelos para orações de penitência. Para ler sobre a importância de orar os salmos e um guia completo sobre orar os salmos dentro de sua estrutura canônica, ver Gordon Wenham, The Psalter Reclaimed: Praying and Praising with the Psalms [O Saltério recuperado: como orar e louvar com os Salmos] (Wheaton, Ill.: Crossway, 2013).


  • [2] João Calvino, Commentary on the Book of Psalms [Comentário ao Livro dos Salmos] (Bellingham, Wash.: Logos, 2010), 2:284–85.
  • [3] Calvino, Commentary on the Book of Psalms [Comentário ao Livro dos Salmos], 2:302.
  • [4] R.C. Sproul, Following Christ [Seguir a Cristo] (Wheaton, Ill.: Tyndale House, 1996). “Aqui os pensamentos profundos de Davi revelam seu entendimento que muitas pessoas no Antigo Testamento não conseguiram compreender: que os sacrifícios no tempo não ganhavam mérito algum para o pecador. Os sacrifícios apontavam para além deles para o Sacrifício perfeito. A expiação perfeita foi oferecida pelo Cordeiro perfeito sem defeito. O sangue de touros e bodes não pode tirar o pecado. O sangue de Jesus pode. Para nos beneficiarmos da expiação de Cristo, para ganhar essa cobertura, requer que venhamos diante de Deus em quebrantamento e contrição. Os verdadeiros sacrifícios de Deus são um espírito quebrantado e um coração contrito”.
  • [5] John Bunyan, The Acceptable Sacrifice [O sacrifício aceitável] (Bellingham, Wash.: Logos, 2006), 1:69.
  • [6] Calvino observa a singularidade do dever sentido por Davi: “Erguido ao trono e originalmente ungido para ser rei pelo propósito exato de cuidar da Igreja de Deus, pela sua conduta desgraçada ele quase a destruiu. Embora responsável por essa culpa, agora ora para que Deus a restaure no exercício de sua misericórdia gratuita”. Commentary on the Book of Psalms [Comentário ao Livro dos Salmos], 2:307.

Este artigo foi publicado originalmente na Ligonier Ministries Blog.

Aaron L. Garriott
Aaron L. Garriott
Aaron L. Garriott é editor sênior da Tabletalk Magazine, professor adjunto residente no Reformation Bible College em Sanford, Flórida, e graduado pelo Reformed Theological Seminary em Orlando, Flórida.