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Impassibilidade

Nota do Editor: Este é o quarto de 16 capítulos da série da revista Tabletalk: Atributos de Deus mal compreendidos.

Uma tradição antiga e amada da vida da igreja é uma refeição coletiva ou com fins de confraternização. A comida é abundante e todos desfrutam do farto banquete. Ao passar pelos alimentos e sobremesas com o prato, você escolhe alguns itens e deixa passar outros. Por que isso é assim? Por que você escolhe alguns, mas não outros? A verdade é que cada um dos alimentos ou sobremesas que você vê diante de si está tendo um efeito sobre você, influenciando e impactando você. Como assim? Você percebe cada item como bom ou ruim e, então, é atraído pelo bom e repelido pelo ruim. Quando você se move para receber o que é bom e se afasta do que é ruim, você foi mudado, movido e afetado por esses alimentos e sua percepção deles. Esta é a vida de uma criatura “passível”.

Ser “passível” significa que você é capaz de ser influenciado por uma influência externa. Você é capaz de ser “paciente” de um “agente”. As palavras paciente e passível vêm da mesma raiz, pati-, que significa “sofrer ou passar por”. Um paciente é aquele que sofre ou passa pela ação de um agente. Portanto, ser passível é poder “ser” ou “capaz de ser” paciente de um agente.

Conforme você passa pela fila do almoço e coloca certos alimentos em seu prato enquanto evita outros, você está “passando por” mudanças, movimentos e variações em direção ao que você percebe como bom e se afastando do que você percebe como ruim. Os alimentos são agentes que movem você, seu paciente, por sua qualidade (seja boa ou ruim, conforme percebida por você).

Esses movimentos para o bom e para longe do ruim, essas “passagens”, são “paixões”. Damos a essas paixões nomes como amor e ódio, alegria e tristeza, confiança e medo, misericórdia e vingança. Como Paulo disse em Ef 2:3: “Entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”.

Deus ajuda os desamparados da infinita plenitude de Sua própria bondade, não de um movimento sincero ou manipulação emocional. Portanto, o desamparado pode sempre invocar a Deus, com a certeza de que Ele não é misericordioso, mas a própria misericórdia. Deus não é movido pela misericórdia, Ele é misericórdia.

As paixões são a realização dos desejos do corpo e da alma do homem. São movimentos em direção ao que percebemos como bom ou para longe do que percebemos como ruim. Paulo ordena aos cristãos em Colossenses 3:2 que pensem “nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra”. Traduções mais antigas dizem: “Coloque suas afeições [isto é, paixões] naquilo que é do alto”, o que significa “seja atraído para o bem conforme definido por Deus e seja repelido pelo mau conforme definido por Deus, não conforme definido pelo homem caído e sua natureza pecaminosa”.

A vida das criaturas passíveis, a experiência das paixões, é um fluxo constante de movimentos e movimentações, altos e baixos, mudanças provocadas por todos os tipos de forças externas. Uma luz verde nos deixa felizes em um momento; então um sinal vermelho muda completamente nosso humor. Um gol marcado pelo nosso time favorito nos dá grande euforia e confiança; então um gol marcado pelo time adversário provoca frustração e medo.

Agora que entendemos o que significa ser passível, podemos nos regozijar e adorar nosso Deus que é “impassível”. A impassibilidade é uma negação. Assim, quando dizemos que Deus é “sem paixões” ou que Deus é impassível, negamos que as paixões que descrevemos acima estejam em Deus. Deus nunca é paciente de um agente. Deus nunca é movido por algo que provoque uma mudança nEle. A criatura não exerce uma força sobre o Criador que o mude e faça com que Ele se aproxime de um bem percebido ou se afaste de um mal percebido.

Em vez disso, Deus é “bendito eternamente” (Rm 1:25; 2 Co 11:31), e nossa justiça ou maldade não muda Deus (Jó 35:5-8). Esta é uma notícia maravilhosa, porque significa que o amor e a misericórdia de Deus, por exemplo, não são paixões como nas criaturas, mas “perfeições”. O que queremos dizer é que Deus não é movido a amar ou movido à misericórdia, mas ama e é misericordioso desde a infinita plenitude de Sua própria bondade. Deus não é movido a amar, “Deus é amor” (1 Jo 4:8). E porque o amor de Deus não é uma paixão, Ele não pode deixar de ser amor, assim como não pode deixar de ser.

Se o amor de Deus fosse uma paixão como a nossa, mudaria constantemente baseado em nossa bondade e maldade. Nossas mudanças causariam mudanças em Deus. Na verdade, toda a criação seria uma constante causa de mudança em um Deus onisciente e onipresente. Mas Deus se relaciona com a criação e ama Seu povo com um amor eterno precisamente porque Deus nos ama a partir de Sua plenitude infinita e não com base na bondade percebida em nós. De fato, “nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1 Jo 4:19). Que o povo de Deus proclame: “Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre” (Sl 136:1).

Da mesma forma, Deus não é movido à misericórdia por algo que Ele percebe em nós. Nossa misericórdia depende de sentirmos as cordas do coração puxadas em direção a alguém ou alguma coisa. Grande parte das doações de caridade depende de levar as pessoas à misericórdia. Embora possa haver corrupção em tais sistemas, devemos confessar nossa vergonha por desconsiderarmos o sofrimento genuíno de muitos. Fazemos isso, porque devemos ser movidos à misericórdia. Mas a misericórdia de Deus não é uma paixão. Deus ajuda os desamparados da infinita plenitude de Sua própria bondade, não de um movimento sincero ou manipulação emocional. Portanto, o desamparado pode sempre invocar a Deus, sabendo que Ele não é misericordioso, mas a própria misericórdia. Deus não é movido pela misericórdia, Ele é misericórdia. Vamos prestar culto e adorar nosso Deus e dizer: “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3:22-23).

Porque a impassibilidade é uma negação, ela é mais facilmente compreendida em contraste com a passibilidade humana. Nossas paixões são movimentos do corpo e da mente, mudanças produzidas quando nos tornamos pacientes de agentes de todos os tipos. Mas o amor e a misericórdia de Deus — e muito mais — não são paixões ou movimentos, mudanças ou estados de ser. Em vez disso, são o próprio Deus, perfeito, infinito, eterno e imutável, que derrama Sua bondade sobre Suas criaturas. Louvado seja Deus, pois “o Senhor é bom para todos, e as suas ternas misericórdias permeiam todas as suas obras. Todas as tuas obras te renderão graças, Senhor; e os teus santos te bendirão” (Sl 145:9-10).

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Samuel D. Renihan
Samuel D. Renihan
O Dr. Samuel D. Renihan é pastor da Trinity Reformed Baptist Church em La Mirada, Califórnia (EUA). Ele é autor de God without Passions [Deus sem paixões] e The Mystery of Christ, His Covenant, and His Kingdom [O mistério de Cristo: Seu pacto e Seu reino].