Um renascimento ocidental
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Nota do editor: Este é o útimo de 6 capítulos da série da revista Tabletalk: Século VIII.
No ano de 726, a ordem do imperador Leão para destruir a imagem de Cristo no palácio imperial provocou um motim, e uma longa e virulenta controvérsia envolveu a Igreja oriental. Até que a imperatriz Irene convocou o segundo concílio de Nicéia em 787, a questão foi resolvida em favor das imagens. Mesmo assim, seguiu-se um renascimento da iconoclastia e apenas em 843 o tumulto foi finalmente encerrado pelo patriarca Metódio, uma ocasião marcada a partir de então como a Festa da Ortodoxia. A controvérsia foi violenta, com contornos de selvageria. Os monges foram açoitados publicamente até a morte ou tiveram suas narinas cortadas; um deles foi despedaçado por uma multidão, enquanto o patriarca Constantino de Constantinopla foi decapitado em praça pública. O papado foi forçado a se aliar aos francos, e não ao Oriente, pois a iconoclastia era estranha ao Ocidente.
O que causou essas convulsões? No século anterior, as imagens eram cada vez mais vistas como janelas para o mundo espiritual; os ícones de Cristo e dos santos tornaram-se objetos de devoção, promovidos ativamente pela Igreja. O Concílio Quinissexto, celebrado no ano de 692, decretou que Cristo deveria ser representado em forma humana “para que possamos perceber através dele a profundidade da humilhação de Deus”. Leôncio de Neápolis viu as imagens de Cristo como uma extensão, uma recriação, da encarnação.
Os iconoclastas se opuseram. O imperador Constantino V argumentou que se uma imagem representa apenas a natureza humana de Cristo, separa Sua humanidade de Sua pessoa. Se retrata Cristo em ambas as naturezas, Sua divindade é reduzida ao nível da humanidade. A única imagem real de Cristo é aquela que Ele nos deu: a eucaristia. Ele convocou um concílio em 754 que condenou as imagens como blasfêmias contra a encarnação.
Quando a imperatriz Irene chegou ao poder de fato, ela convocou um concílio em 787. Nesse concílio ordenou a restauração das imagens, pois mostravam que a encarnação era real. As imagens deveriam receber “reverência honrosa, não de fato aquela verdadeira adoração de fé que pertence apenas à natureza divina… pois a honra que se presta à imagem passa para aquilo que a imagem representa, e quem reverencia a imagem reverencia nela o sujeito representado”. O concílio considerou anátema qualquer um que igualasse imagens a ídolos.
O concílio despertou a oposição do recém-poderoso reino franco. Carlos, o Grande, redigiu o Libri Carolini, que argumentava que somente Deus pode ser adorado; o princípio de que a imagem é venerada por causa de sua relação com o original é falso e engana as pessoas simples. Esses livros rejeitaram tanto o concílio iconoclasta de 754 quanto o iconódulo Segundo Concílio de Nicéia (a favor dos ícones); a imperatriz Irene não tinha o direito de ensinar os homens nem de convocar um concílio. No entanto, os iconoclastas falharam em apreciar a distinção iconódica entre latreia (serviço, adoração) e proskunesis (veneração de imagens). O latim tinha apenas uma palavra, adoro, para traduzir os dois termos; o que parecia implicar adoração idólatra.
Até hoje, a característica mais proeminente em uma Igreja ortodoxa oriental é a iconóstase, uma tela alta em toda a sala, na frente. A iconóstase divide o santuário — a área atrás dele — da congregação. Somente o clero pode entrar no santuário; nenhuma mulher pode entrar. Simboliza o mundo divino. A nave, onde fica a congregação, é a imagem do mundo humano e tudo o que nele existe. Embora divididos pela iconóstase, esses dois são considerados partes de um todo, o ponto de encontro do céu e da terra. Na própria iconóstase — situada entre o céu e a terra — existem vários níveis de ícones, o que representa uma grande nuvem de testemunhas, e simbolizam a Igreja em seu desenvolvimento rumo à eternidade.
A teologia dos ícones. De 726 a 730, João Damasceno emergiu como o principal teólogo iconódulo. Distinguiu com cuidado entre adoração (latreia) — devida somente a Deus — e veneração (proskunesis) em seus vários graus, sinal da subordinação e humildade do venerador. João insiste que adoremos apenas a Deus.
João argumenta que uma imagem do Deus invisível seria um erro grave, mas que uma imagem do Deus encarnado é diferente, pois Cristo assumiu a carne humana. Os cristãos, afirmava ele, não vivem sob a antiga aliança, que proibia imagens, mas sob a nova era da graça. O próprio homem é a imagem de Deus. Argumentar que as imagens são inadmissíveis, de acordo com João, é dizer que a matéria é má. As imagens sagradas são meios de instrução na fé, memoriais de vidas cristãs, estímulos para uma vida boa e canais de graça por seu poder sacramental. O Filho é a imagem idêntica do Deus invisível; a natureza criada do homem é uma cópia da natureza de Deus que não é criada; a criação reflete vagamente o divino.
O mundo inteiro é icônico. João escreve que uma imagem é uma semelhança de algo imaginado, mas há também uma dissimilaridade entre a imagem e o original, uma vez que são elementos diferentes. Precisamos de imagens, argumenta João, já que somos seres físicos para quem o mundo espiritual é um mistério. Os ícones fornecem uma janela para este mundo, uma ajuda no caminho da salvação. Deus por natureza não tem corpo. Mas, de acordo com João, Ele nos deu semelhanças e imagens de acordo com a analogia de nossa natureza corporal. Isso implica uma concepção do cosmos como semiótica, na qual o homem, abrange o terreno e o espiritual, é capaz de compreender a realidade espiritual invisível por meio de sinais visíveis.
Antes disso, no século IV, Gregório de Nissa havia argumentado que a revelação visível de Deus na criação é superior à revelação verbal, pois considerava a linguagem inerentemente ambígua e, portanto, inadequada para descrever Deus. Por outro lado, a criação indica Sua existência de maneira positiva. Assim, a questão dos ícones aponta para assuntos mais profundos e abrangentes sobre a revelação de Deus.
Questões em jogo. O Oriente concorda que a adoração de imagens era proibida na antiga aliança, mas afirma que as imagens eram objetos de veneração. Se todas as imagens fossem proibidas, argumentam, não poderia haver querubins sobre o propiciatório e a arca da aliança.
A encarnação mudou o quadro momentaneamente. Deus, o Filho, tomou a natureza humana, incluído um corpo, em uma união pessoal permanente. Deus agora tem forma humana permanente e visível. A encarnação, de acordo com os ortodoxos orientais, não apenas justifica os ícones, mas também os ordena; afirmar o contrário é questionar a realidade da encarnação, e implica que a humanidade do Filho não é permanente e eternamente real. Isso supõe também que o espiritual e o material estão em oposição.
Os iconoclastas, por sua vez, insistiam que os ícones eram idólatras e eram proibidos pelo segundo mandamento. De fato, alegaram que a perda dos territórios orientais para o Islã foi o julgamento de Deus pela idolatria.
Preocupações reformadas. Os reformados têm vários problemas com ícones, principalmente sua presença no contexto da adoração como o elemento visual mais proeminente na igreja. Isso, na melhor das hipóteses, cria ambiguidade. Em segundo lugar, o ponto crucial diz respeito aos ícones de Cristo. O Catecismo Maior de Westminster, na pergunta 109, opõe-se aos ícones da Trindade e — por extensão — de Cristo, visto que Cristo é o Filho eterno encarnado. No entanto, os versículos que sustentam a doutrina referem-se à adoração de falsos deuses por Israel por meio de objetos materiais, um contexto diferente da iconografia oriental. Além disso, o Catecismo não rejeita os ícones dos santos, uma vez que estes não estão relacionados com o culto.
De acordo com os ortodoxos orientais, os ícones de Cristo não são apenas permitidos, são ordenados pela encarnação. Opor-se às imagens de Cristo é negar a realidade da encarnação; Sua humanidade não seria real, mas apenas aparente: a heresia do docetismo. No entanto, fazer um ícone de Cristo é abstrair Sua humanidade de Sua pessoa (o Filho eterno) e, assim, cair no nestorianismo. Aqui, os ortodoxos orientais, que negam frontalmente o nestorianismo, argumentam que a pessoa de Deus, o Verbo encarnado, aparece na imagem e que esta não é uma representação de Deus, pois o Verbo é visível como homem. Além disso, há uma semelhança e uma diferença entre a imagem e o que ela representa, evidente no fato de que os ícones são usados para transmitir a natureza humana transfigurada com a beleza divina. O ícone não é uma representação da Divindade, mas indica a participação de uma determinada pessoa na vida divina.
Onde concordamos. A teologia reformada também acredita em ícones. A ideia de imagem (eikôn) é uma categoria bíblica: o homem feito à imagem de Deus, Cristo a imagem do Deus invisível. Porém, além disso, tudo é icônico para os reformados. Deus imprimiu evidências de Sua própria beleza e glória em toda a criação. “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (Sl 19:1).
O que o calvinismo fez foi permitir uma apreciação terrena da beleza. Ao eliminar a arte e a escultura da adoração eclesiástica, as levou para o mundo e colocou a estética no contexto da revelação geral, como testemunho de Deus no mundo e não como o foco da adoração a Deus na Igreja. O resultado foi o enorme florescimento da criatividade na cultura pós-Reforma, centrada não no reino sobrenatural de anjos e demônios, mas no mundo ao redor que reflete a glória e a beleza de Deus.
Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.