Um renascimento ocidental - Ministério Ligonier
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Um renascimento ocidental

Nota do editor: Este é o quinto de 6 capítulos da série da revista Tabletalk: Século VIII.

A Europa ocidental, no século VIII, foi dominada pelo que os historiadores chamam de “Renascimento carolíngio”, que não deve ser confundido com o Renascimento dos séculos XV e XVI. O Renascimento do século VIII recebeu o nome da dinastia governante da França, os carolíngios. A princípio, eram os prefeitos hereditários do palácio real francês, desfrutavam de poder real sob a monarquia figurativa dos merovíngios. O mais famoso dos prefeitos carolíngios foi Carlos Martel (690–741), Carlos “o Martelo”, assim chamado por sua vitória militar decisiva sobre os exércitos muçulmanos espanhóis. Muitas vezes é esquecido que durante grande parte do período medieval, a Espanha era islâmica. Um exército muçulmano da África cruzou o estreito de Gibraltar em 711 e, em 718, conquistou quase toda a Espanha cristã. Os muçulmanos então avançaram para a França. No entanto, em 732 em Tours (ou possivelmente, Poitiers), foram recebidos por um exército católico francês. Aqui, Carlos Martel esmagou as forças muçulmanas, que interromperam de forma permanente o progresso ocidental do Império islâmico. Os franceses expulsaram os muçulmanos de volta para a Espanha, e lá permaneceram pelos próximos setecentos anos, até que finalmente foram expulsos de volta para o norte da África em 1492. Martel salvou a Europa para o cristianismo.

Martel também deu forte apoio à cristianização da Alemanha pagã. Isso foi realizado por um verdadeiro fluxo de monges missionários ingleses, o mais famoso deles foi Bonifácio (680–754). Nos trezentos anos seguintes, os mosteiros dessa área foram os centros geradores de vida da religião e da cultura cristã na Alemanha.

Essa aliança entre os carolíngios e o papado na evangelização da Alemanha ficou mais forte após a morte de Martel em 741 e a ascensão de seus filhos Carlomano e Pepino ao poder. Martel colocou Carlomano e Pepino em um mosteiro durante sua juventude, onde os monges os criaram para ter uma preocupação genuína com o bem-estar da Igreja. Agora que dividiam o trono da França, convidaram Bonifácio para ajudá-los a reformar sua Igreja. Como Bonifácio agia como representante do papa, essas reformas fortaleceram o vínculo entre a França e o papado. Carlomano tornou-se monge depois que as reformas de Bonifácio foram concluídas, e deixou seu irmão Pepino como único governante da França.

No entanto, na teoria, Pepino ainda era apenas o prefeito do palácio, o principal servo de Quilderico III, o último dos fracos reis merovíngios. O fogo da ambição dançava no coração de Pepino; ele sentiu que ele, o verdadeiro governante da França, deveria usar sua coroa real. Assim, Pepino obteve o apoio do papa Zacarias e, em 751, depôs Quilderico. Então Bonifácio, novamente agiu em nome do papa, coroou Pepino rei da França, o primeiro da grande dinastia real carolíngia. Esta foi a primeira vez que um papa afirmou que sua autoridade apostólica envolvia o direito de sancionar o destronamento de um rei e sua substituição por outro. Pepino recompensou o papa ao invadir o reino lombardo da Itália em 756, que ameaçava Roma. Ele deu ao papa todas as cidades lombardas que havia capturado. Essa ação, conhecida como “a doação de Pepino”, criou um grande conjunto de territórios papais em forma de H no centro-oeste e nordeste da Itália: os “estados papais”. Os papas a partir de então seriam tanto governantes seculares quanto líderes espirituais.

Quando Pepino morreu em 768, seus dois filhos, Carlos e Carlomano, o sucederam como governantes conjuntos da França. Carlomano morreu em 771, e deixou Carlos como único governante. Ele reinou pelos quarenta e três anos seguintes (771-814) e criou o primeiro grande império ocidental desde a queda de Roma em 410. Ele é chamado de “Carlos, o Grande” ou Carlos Magno (do latim magnus, “grande”) .

Carlos Magno é uma das figuras verdadeiramente colossais da história europeia. Foi chamado de “Moisés da Idade Média”, porque tirou os povos germânicos do deserto da barbárie pagã e deu a eles um novo código de leis civis e eclesiásticas. Seu biógrafo, Einhard, conta-nos que Carlos Magno era um homem gigantesco fisicamente, sóbrio e simples em sua vida privada, um governante justo e generoso, um pai afetuoso e muito popular entre seus súditos. Ele tinha uma mente perspicaz, uma sincera devoção à fé cristã e à Igreja católica e um ardente senso de missão pessoal da parte de Deus para unir as nações ocidentais em um império cristão.

Poderíamos passar muito do nosso tempo contando a história das guerras de Carlos Magno, que finalmente quebraram a espinha dorsal do poder pagão na Alemanha. No entanto, é mais proveitoso considerar seu papel na consolidação da França e da Alemanha com a aderência de uma nova cultura cristã. O principal conselheiro religioso de Carlos Magno, o monge inglês Alcuíno de York (730-804), foi fundamental nisso. Alcuíno foi o diretor da escola da catedral de York antes de servir Carlos Magno em 782. Nos vinte e dois anos seguintes, atuou como diretor da escola do império carolíngio. O homem mais culto da Europa ocidental, Alcuíno foi (entre outras funções) um comentarista bíblico, estudioso textual, revisor litúrgico, defensor da ortodoxia, reformador de mosteiros, construtor de bibliotecas e astrônomo erudito. As principais contribuições de Alcuíno para o renascimento carolíngio foram as seguintes:

Língua. Alcuíno reformou a ortografia e desenvolveu um novo estilo de caligrafia chamada “minúscula carolíngia”, no qual se baseiam nossas modernas letras impressas. Os estudiosos carolíngios reviveram a língua latina, refinaram-na e a ensinaram a todas as pessoas instruídas. Tornou-se a língua internacional da civilização ocidental. Qualquer que fosse sua língua nativa, todos os ocidentais instruídos falavam latim.

Literatura. Nos dias anteriores à invenção da impressão, os monges tinham que copiar os livros à mão. O exército de monges estudiosos de Carlos Magno fez numerosas cópias de escritos antigos. A maioria de nossos textos sobreviventes da Grécia e Roma antigas chegaram até nós de cópias carolíngias. Alcuíno supervisionou o estabelecimento de bibliotecas monásticas em todo o império de Carlos Magno, onde esses livros foram copiados e armazenados. Desta forma, o Renascimento carolíngio ajudou a preservar e transmitir ao presente o conhecimento e a cultura do passado.

A Bíblia. Alcuíno revisou o texto da Bíblia latina e estabeleceu uma edição padrão da Vulgata de Jerônimo.

Educação. Carlos Magno teve um forte interesse pessoal na divulgação da educação. Ordenou aos bispos e abades que criassem escolas para treinar padres e monges. Decretou que cada paróquia deveria ter uma escola para educar todos os meninos da localidade. Fundou sua própria academia real em Aachen, presidida por Alcuíno e que incentivou o estudo da lógica, filosofia e literatura.

Muitos dos conselheiros da igreja de Carlos Magno viram a grande extensão de seu reino como uma recriação do Império romano no Ocidente. Isso levou Carlos Magno a ser reconhecido como “imperador dos romanos” no ano 800. No dia de Natal daquele ano, enquanto Carlos Magno estava ajoelhado no altar da Igreja de São Pedro em Roma, e recebia a comunhão, o papa Leão III produziu uma coroa e a colocou na cabeça de Carlos Magno. Assim nasceu o “Sacro Império romano”. A coroação de Carlos Magno por Leão significava que ele não era simplesmente rei da França, mas também o herdeiro dos antigos imperadores romanos; aquele em quem renasceu o Império romano; o governante supremo do mundo ocidental.

A visão exaltada de Carlos Magno sobre a realeza, no entanto, o colocou em sério conflito com o papado. Podemos entender o conceito de Carlos Magno sobre sua própria posição a partir de uma carta endereçada a ele por Alcuíno:

Nosso Senhor Jesus Cristo o estabeleceu como o governante do povo de Cristo, em poder mais excelente que o papa ou o imperador de Constantinopla, em sabedoria mais distinta, na dignidade de seu governo mais sublime. Somente de ti depende toda a segurança das igrejas de Cristo.

Ao longo de seu reinado, Carlos Magno agiu sempre com base nessa teoria de “reinado sagrado”, considerando-se o superior do papa mesmo em questões doutrinárias. Podemos ver isso de forma clara em duas questões. Em primeiro lugar, a resposta do Ocidente à controvérsia iconoclasta foi formulada por Carlos Magno, e não pelo papa, nos chamados livros carolinos (“livros de Carlos”), escritos com a ajuda de seus conselheiros religiosos, especialmente Alcuíno. Os livros carolinos tentaram traçar um caminho intermediário entre os defensores do Oriente e os inimigos dos ícones. Em segundo lugar, Carlos Magno também sancionou a inserção da cláusula filioque no Credo Niceno, por cima da oposição do papa Leão III, de modo que o credo agora dizia que o Espírito Santo procede do Pai “e do Filho”. A Igreja oriental protestou com veemência contra esta alteração unilateral de um credo ecumênico por um imperador ocidental, mas sem sucesso. Isso teria consequências fatídicas, e contribuiria para a eventual divisão do Oriente e do Ocidente em igrejas separadas e mutuamente hostis em 1054.

A relação entre Carlos Magno e o papado, então, era difícil. A criação do Sacro Império romano abriu caminho para os ferozes conflitos entre papas e imperadores no final da Idade Média. O papado representava o grande princípio espiritual da liberdade e independência da Igreja do controle do Estado. No entanto, para garantir essa independência, os papas queriam colocar o estado sob o controle da Igreja. Por outro lado, Carlos Magno e seus sucessores se viam como “reis sagrados”, os governantes divinamente escolhidos de um império cristão, responsáveis perante Deus por seu bem-estar espiritual e secular. O papa era, para eles, nada mais que o principal conselheiro espiritual. Enquanto a Igreja e o Estado estivessem unidos e vistos como dois aspectos de uma única sociedade cristã, a possibilidade de conflito religioso e político entre o papa e o imperador era muito real.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Nicholas R. Needham
Nicholas R. Needham
O Dr. Nicholas Needham é ministro da Inverness Reformed Baptist Church, Escócia, e professor de História da Igreja no Highland Theological College em Dingwal, Escócia. Ele é autor de um trabalho com múltiplos volumes, 2,000 Years of Christ’s Power [2000 anos do poder de Cristo].