Ao mesmo tempo justificado e pecador
setembro 18, 2023O homem como alguém composto de corpo e alma
setembro 22, 2023O homem como a imagem de Deus
Nota do Editor: Este é o segundo de 13 capítulos da série da revista Tabletalk: A doutrina do homem.
A melhor parte da criação de Deus não é mantida em segredo por muito tempo. Afinal, ela está no primeiro capítulo da Bíblia. No entanto, esse capítulo parece demorar para chegar lá, o que coloca a obra de Deus em contexto para que possamos realmente apreciá-la quando vier. A aparição do portador da imagem de Deus é a última e melhor pincelada nessa tela cósmica:
Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança […] Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gn 1:26-27).
A Palavra de Deus fala da criação do homem tanto expressa como artisticamente. Nós nos encontramos lendo esses versículos tanto através de lentes literais quanto literárias. Isso é verdade em outros lugares onde o Espírito Santo reflete sobre as maravilhosas obras de Deus na história, mas o faz de maneira poética. Por exemplo, depois que Israel cruzou o mar Vermelho, Moisés compôs uma canção para celebrar e comemorar a libertação do povo de Deus. Assim também aqui, nos dias extraordinários da criação, não é apenas “o que” a Bíblia diz, mas “como” ela diz, o que nos leva a uma conclusão óbvia: a criação do homem por Deus é totalmente única.
COMO A BÍBLIA DIZ
A história da criação aponta para a posição excepcional do homem no novo mundo de Deus da maneira como o primeiro capítulo de Gênesis está organizado. Quando o consideramos em sua totalidade, uma das características óbvias é a estrutura. A criação é definida dentro de uma estrutura de seis dias. Cada dia prossegue sucessivamente na expectativa de uma nova criatura vindoura que ocupará o reino que lhe pertence. O impulso aumenta à medida que a criação se torna cada vez mais distinta, mais específica e mais elaborada. Tudo avança com entusiasmo para o último dia da semana. Quando o sexto dia finalmente chegar (e apenas depois que Deus trouxer toda a vida vegetal e todos os animais), resta uma criatura a ser apresentada: o homem, o triunfo culminante da palavra falada de Deus. Caso o leitor falhe em seguir os trampolins desses versículos, o cap. 2 de Gênesis remonta à criação do homem e explica o lugar único, os privilégios e o chamado da humanidade.
Se observamos Gênesis 1 mais de perto, inevitavelmente notamos como a narrativa da obra de Deus é acentuada com características poéticas. Refrões e repetições tecem o relato da criação.
Disse Deus: “Haja…”.
E viu Deus que isso era bom.
Houve tarde e manhã, o [enésimo] dia.
Essas frases criam uma cadência conforme lemos o relato para que a narrativa tenha um ritmo confortável. Pelo menos, isso é verdade até a criação do homem, quando o relato de repente sai de seu padrão. Pela primeira vez, Deus não apenas fala e algo se apressa em existir. Agora as pessoas da Trindade falam entre si, enquanto mergulham em um solilóquio pensativo sobre a culminação de todos os seres vivos. O conselho divino reflete em voz alta sobre o significado dessa nova criatura que está prestes a aparecer na ordem criada. Nenhum outro elemento da criação é deliberado dessa maneira.
Ninguém além do homem é ponderado em relação ao seu dever único, que é administrar a criação e exercer domínio sobre ela.
Tenha ele domínio […] sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra […] enchei a terra e sujeitai-a; dominai […] sobre todo animal que rasteja pela terra (Gn 1:26, 28)
Nenhuma outro espécie é discutida em detalhes como tendo gêneros complementares de masculino e feminino.
Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gn 1:27).
A criação também não é elogiada como “muito [boa]” até o aparecimento da humanidade (Gn 1:31). Anteriormente, a criação era “boa”: o que é um grande elogio. Agora recebe seu maior elogio.
Nenhuma outra criatura recebe um relato tão detalhado, porque nenhuma outra criatura é comparável. A humanidade é a melhor obra de Deus e Ele suspende o ritmo do Seu relato para que apreciemos a apresentação da criatura mais excelente da criação. A estrutura e o estilo do texto nos mostram isso. Mas o texto também nos diz isso expressamente quando afirma que apenas a humanidade foi criada à imagem de Deus.
O QUE A BÍBLIA DIZ
Se a “maneira” como a Bíblia apresenta a criação do homem aponta para sua importância em relação ao restante da criação, então “o que” a Bíblia afirma sobre o homem aponta para sua essência única em relação ao seu Criador. As outras criaturas encontram seus lugares em seus respectivos reinos. O homem encontra seu lugar supremo em seu relacionamento com seu Deus. Ele é o único em toda a criação que toca a terra e o céu. Na realidade, sua própria essência é que ele é feito à semelhança do Deus do céu.
Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança […] Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gn 1:26-27).
O homem como a imagem de Deus é a afirmação mais importante que a Bíblia faz sobre a criação. Mostra que a prioridade do homem na criação e seu domínio sobre ela decorrem de sua essência como portador da imagem de Deus. Isso indica a unidade fundamental da raça humana, que se aplica aos dois gêneros complementares da humanidade: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança […] Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1:26-27). O fato de Deus fazer o “homem” à Sua imagem é paralelo ao fato de Deus criá-“los” — isto é, “homem e mulher” – à Sua imagem. Ambos são iguais nisso. Tanto o homem quanto a mulher têm comunhão com Deus. Ambos recebem da mesma forma o conhecimento da vontade moral de Deus. Ambos compartilham igualmente o mandato de governar a terra, cuidar e guardar o jardim do santuário (Gn 1:28). Sem Eva, “não é bom que o homem esteja só” (Gn 2:18). Com Eva, Adão tem uma companheira compatível, o compreende e se comunica com ele: como seu igual.
A unidade de nossa raça está enraizada no fato de que cada membro da raça humana é um portador de imagem. Cada pessoa que encontramos, não importa sua etnia particular (ou mistura de etnias), representa a melhor obra de Deus. Isso é suficiente para que uma pessoa seja respeitada e tratada com dignidade, não importa seu sexo, raça ou idade, nascido ou não nascido, cristão ou não. Eles são portadores de imagem. São a nossa espécie. Quão ridículo é bendizer a Deus e, no momento seguinte, amaldiçoar uma pessoa que foi feita “à semelhança de Deus” (Tg 3:9). Quão repreensível e consequente é derramar sangue humano, porque “Deus fez o homem segundo a sua imagem” (Gn 9:6).
Os portadores da imagem de Deus representam o melhor da criação de Deus. Mesmo que uma pessoa não tenha professado sua fé em Cristo como seu Criador, Salvador e Senhor, deve ser tratada com a dignidade que todo membro de nossa raça merece. É um ser caído, mas ainda é um ser humano. A imagem está muito corrompida em um incrédulo. Mas não é irreparável. Um homem caído está longe de ser o homem ideal, mas ainda é um homem. Essa é a grandeza e a tragédia da raça humana. Francis Schaeffer declarou: “Não existem pessoas pequenas.” C. S. Lewis expressou: “Não existem pessoas comuns.” As pessoas com quem interagimos todos os dias têm uma alma, algo que não pode ser dito de qualquer outra coisa na criação.
Na criação física, o homem é a única correspondência espiritual entre o céu e a terra. Em última análise, isso é o que toca o âmago de nossa essência e o propósito de nossa vida. É experimentar as realidades da alegria espiritual, da paz eterna e do amor inabalável de Deus, que transcendem essa criação. Como portadores da imagem de Deus, fomos feitos para entrar em comunhão com nosso Criador. Nossa verdadeira vida está no que é do alto, não no que é da terra. Erguemos nossos olhos com fé para nosso Criador e Redentor celestial e encontramos nossa vida em Jesus Cristo (Cl 3:1-4). Ele nasceu “em semelhança de homens” e sofreu o que não podíamos suportar para conseguir o que não poderíamos ganhar (Fp 2:7). Por meio de Sua ressurreição, Deus nos ressuscitou para andarmos em novidade de vida, para que a imagem de Deus seja renovada em nós (Ef 4:24; Cl 3:10). Esta é a verdadeira essência de quem somos e do que deveríamos ser, para sempre. Está lá na história da criação, tanto em como a Bíblia diz quanto no que a Bíblia diz. E é cumprido no evangelho. Fomos feitos para isso. Estamos sendo renovados para isso.
Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.