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O homem como alguém composto de corpo e alma

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Nota do Editor: Este é o terceiro de 13 capítulos da série da revista Tabletalk: A doutrina do homem.

Com poucas exceções, a igreja cristã tem afirmado que a natureza humana é composta de corpo e alma. Conforme criado por Deus, o corpo e a alma de um ser humano são unidos como uma pessoa autoconsciente em uma unidade psicossomática: uma visão conhecida como dicotomia. O objetivo deste ensaio é examinar o ensino bíblico sobre o corpo (o elemento físico/material da natureza humana) e a alma (o elemento imaterial descrito de várias maneiras na Bíblia como “alma” ou “espírito”). Depois de considerar as informações bíblicas, abordaremos um afastamento popular do ensino bíblico conhecido como tricotomia, a visão de que os humanos são compostos de corpos, almas e espíritos, que nega que a natureza humana seja composta de corpo e alma.

Começamos com nossa existência corporal. Uma vez que é ensinado no relato da criação, os cristãos têm afirmado essa verdade contra os desafios do pensamento não-cristão e pagão. A Bíblia nos diz que a existência corporal é essencial à natureza humana, o que atenua a tendência de depreciar o corpo por ser material, como consta na filosofia platônica (que afirma que a alma é imortal e essencial à natureza humana, enquanto o corpo não é), ou distorções gnósticas do ensino cristão (que afirmam que nossa natureza espiritual divina domina a existência humana). O cristianismo, ao contrário, ensina que o corpo não é um mero apêndice do espírito e que o espírito não transmigra para formas de vida superiores ou inferiores (como na reencarnação). O corpo também não é a prisão da alma, uma noção popular, mas antibíblica. O corpo é um elemento essencial da existência humana. O corpo não é mau apenas porque é material.

A morte e a separação resultante do corpo e da alma são devidas ao salário do pecado, a destruição da unidade de corpo e alma que Deus estabeleceu na criação. Deus criou o corpo humano primeiro, e só então deu vida ao corpo que Ele fez do pó da terra e projetou para a existência em um mundo material (Gn 2:7). Deus declarou que tudo que Ele havia feito era “muito bom” (1:31), inclusive o corpo, conforme reafirmado no Salmo 139. Nosso retorno ao pó na morte após a partida da alma de nosso corpo não é a libertação final do espiritual do material, mas a triste consequência do pecado de Adão e da maldição (morte).

Além do relato da criação, há outras considerações importantes sobre o elemento material da natureza humana. Em Sua encarnação, Jesus Cristo, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, tomou para Si uma verdadeira natureza humana (Gl 4:4), o que indica que nossa existência corporal era adequada para a encarnação de Cristo. Uma segunda consideração é que o corpo de Jesus ressuscitou dentre os mortos (Lc 24:40-43; 1 Co 15:3-8). É descrito como as primícias da ressurreição dos corpos daqueles que estão em Cristo (1 Co 15:35-58). Ao contrário da tradição popular, não passaremos a eternidade como espíritos desencarnados, que flutuam sem peso nas nuvens. Em vez disso, seremos redimidos em corpos ressurretos e glorificados, reunidos para sempre à nossa alma-espírito com a integridade da pessoa totalmente restaurada. Por meio de Sua ressurreição corporal e glorificação, Jesus desfez a penalidade do pecado: a separação do corpo da alma na morte.

O fato de termos um elemento imaterial e espiritual além de nossos corpos materiais é igualmente claro nas Escrituras. Este elemento imaterial é identificado de várias maneiras nas Escrituras como “alma” (do grego psych) ou “espírito” (pneuma). Jesus fala de “alma e corpo” em Mateus 10:28, enquanto em Mateus 26:41, Ele contrasta “carne” e “espírito”. Os termos “alma” e “espírito” são usados indistintamente. Um “espírito” é imaterial (Lc 24:39) e afirma estar dentro de nós (1 Co 2:11). Em outra passagem, Paulo fala de santificação como purificação de “toda impureza, tanto da carne como do espírito” (2 Co 7:1). Tiago fala de um corpo sem espírito como “morto” (Tg 2:26) porque na morte, o espírito deixa o corpo (Mt 27:50; At 7:59).

O termo “alma” é usado de várias maneiras nas Escrituras, mas geralmente se refere à vida constituída no corpo (como em Mt 16:25-26; 20:28; Lc 14:26; Jo 10:11-18; At 15:26; 20:10; Fp 2:30; 1 Jo 3:16). A palavra quase sempre serve como sinônimo para a pessoa inteira (por exemplo, Lc 12:19; At 2:41, 43; Rm 2:9; 3:11; Tg 1:21; 5:20; 1 Pe 1:9). “Espírito” também pode se referir à vida humana em um sentido geral (como em Mt 27:50, quando Jesus entregou Seu espírito), ou pode se referir ao aspecto espiritual da vida humana em contraste com a carne (do grego sarx, como em 1 Ts 5:23).

Os tricotomistas afirmam que o corpo é o elemento material da natureza humana, a alma é a força vital e o espírito é o elemento imortal da existência humana que se relaciona com Deus. A tricotomia foi rejeitada por quase todos os teólogos cristãos como uma noção filosófica grega especulativa e não como uma concepção bíblica. É certo que uma doutrina não é necessariamente falsa apenas por causa de suas origens, mas é importante lembrar que o pedigree de uma doutrina geralmente é uma boa pista sobre suas consequências finais. Quando vista da perspectiva da reflexão cristã ao longo do tempo, a tricotomia tem um pedigree duvidoso. Com suas raízes na separação de Platão do corpo da alma e na divisão posterior da alma de Aristóteles em elementos “animais” e “racionais”, a noção tricotomista da natureza humana como tripartida é notoriamente pagã em vez de bíblica.

A tricotomia tem sido defendida de várias maneiras. Na literatura e pregação cristã popular, afirma-se que, uma vez que Deus é uma Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) e uma vez que os seres humanos são criados à imagem de Deus, os seres humanos também são tripartidos, compostos de um corpo, uma alma e um espírito. Mas tais analogias são inferências desnecessárias e não extraídas adequadamente das informações bíblicas.

Dois textos bíblicos são frequentemente usados para demonstrar que a tricotomia seria um ensino bíblico. Vários escritores cristãos primitivos encontraram confirmação da tricotomia nas palavras de Paulo em 1 Ts 5:23: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.”

No entanto, à luz dos dados bíblicos cumulativos, outra intenção da parte de Paulo é aparente. O apóstolo não está catalogando os elementos constituintes da natureza humana, assim como Jesus não o estava fazendo em Lc 10:27, quando expressou: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Como Jesus faz, Paulo usa vários termos para enfatizar.

O texto que comprova e mais amplamente usado para tricotomia é Hb 4:12: “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.” Os tricotomistas argumentam que é feita uma divisão entre alma e espírito, o que indica que não podem ser sinônimos. Mas a ideia de “divisão” nunca é usada nas Escrituras no sentido de distinguir entre dois aspectos diferentes. É sempre usado ao distribuir e dividir várias facetas de uma mesma realidade (Mt 27:35; Lc 11:17-18; Jo 19:24; Hb 2:4). O argumento do autor não é que a Palavra separa alma de espírito como se fossem dois elementos distintos da natureza humana, mas que a Palavra de Deus divide alma e espírito no sentido de penetrar nas partes mais profundas do nosso ser.

A diferença entre tricotomia e dicotomia bíblica tem consequências importantes que inevitavelmente informam uma compreensão cristã do relato da criação e da natureza humana essencial. Por exemplo, a tricotomia sustenta que Deus não redime toda a pessoa nesta vida (corpo e alma), mas coloca um espírito regenerado (eterno) dentro de nós que não precisa de redenção.

Deus nos fez à Sua imagem, o que implica um elemento corporal adequado para a existência terrena e prefigura a encarnação de Cristo. Deus nos dá almas (ou espíritos) com autoconsciência intencional que desejam e são capazes de ter comunhão com Ele. A morte (nossa grande inimiga) é a separação daquilo que Deus uniu. É a maldição sobre uma raça caída, não nossa libertação daquilo que é material. Na ressurreição geral no final dos tempos, Deus nos ressuscita como “corpos espirituais” (corpos e almas redimidos) que são imperecíveis e que, Paulo expressa em 1 Co 15, são ressuscitados em poder e, portanto, adequados para as glórias eternas de paraíso.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Kim Riddlebarger
Kim Riddlebarger
O Dr. Kim Riddlebarger é o pastor principal da Christ Reformed Church em Anaheim, Califórnia, e um dos apresentadores do programa de rádio White Horse Inn. É o autor de vários livros, incluindo A Case for Amillennialism [Um argumento a favor do Amilenismo] e First Corinthians [1 Coríntios] na série Lectio Continua.