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“Dá-me este monte… e eu os expulsarei”. Estas são as palavras de Calebe, aos oitenta anos, registradas no livro de Josué, quando os israelitas invadiram a terra e se prepararam para enfrentar seus inimigos (Js. 14:2). Considerando os obstáculos à frente de Calebe e os perigos que eles representavam, seria difícil pensar nele como alguém que não fosse ambicioso.
Mas as ambições de Calebe eram boas ou ruins? Muitas vezes a palavra ambição traz uma imagem negativa de banqueiros investidores da Wall Street incorporando o egoísmo e a ganância. Alguém pode achar também essa palavra estampada em um pôster motivacional, com um alpinista agarrando na encosta de uma montanha tentando subir. Mas qual destas duas situações é a ambição? É ruim ou devemos cultivá-la em nós mesmos e em nossos filhos? A Bíblia promove a ambição?
Quando procuramos pela palavra ambição várias traduções da Bíblia, a vemos ser usada para traduzir diversas palavras gregas. A palavra ambição é empregada em contextos positivos e negativos. Negativamente, Tiago condena aqueles que têm “inveja amargurada e sentimento faccioso” (Tg. 3:14). Positivamente, Paulo tem a ambição de pregar o evangelho (Rm. 15:20). Claramente a Bíblia reconhece ambições boas e más. Como então sabemos a diferença?
Lembremos o que significa ambição. Segundo o dicionário é simplesmente um desejo de atingir um determinado fim. Mas esta definição talvez seja um pouco vaga, pois pode ser aplicada nas decisões de nossa vida cotidiana que não seriam consideradas ambiciosas. Portanto, deixe-me sugerir a seguinte definição de ambição: um forte desejo que leva a uma vontade de superar obstáculos para atingir um determinado fim. Há duas observações importantes para fazermos aqui. Primeiro é a relação entre “desejo” e “fim”. Segundo, observe que a definição também inclui as palavras “superar obstáculos” e “atingir”, sugerindo que será requerido algum grau de esforço, e isso significa que meios serão usados para isso. Vamos considerar cada uma dessas observações com mais detalhes.
Desejos e fins
Todos nós temos desejos: desejos da mente e da carne. Desejar é um aspecto de ser uma criatura, o resultado de termos uma mente e um corpo. O problema é que o pecado distorce esta relação de várias formas. Primeiro, o pecado resulta em desejos (luxúria, avidez, paixões) para fins errados. Ou seja, nossa natureza pecaminosa distorce nosso pensamento de tal forma que desejamos buscar fins que não agradam a Deus (Tg. 4:1-3).
Segundo, o pecado distorce a proporcionalidade da relação desejo-fim, nos levando a desejar até mesmo os fins certos, mas com a proporção errada (desejo fraco pelas melhores coisas e desejo forte pelas coisas medíocres ou triviais). Lembre-se das palavras de Jesus para os fariseus em Mateus 23:23:
Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!
Por isso, precisamos ser lembrados pelas Escrituras constantemente que devemos renovar nossas mentes a fim de valorizar o que Deus valoriza e odiar o que Deus odeia. Devemos treinar nossas mentes (e, portanto, nossas emoções) para amar o que Deus ama. Observe Romanos 12:2: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”; e Salmos 37:4: “Agrada-te do Senhor, e ele satisfará os desejos do teu coração”.
Meios
A segunda parte da definição de ambição é o uso de meios para atingir os fins desejados. O pecado nos leva a distorcer os meios revelados de Deus para alcançar determinados fins, frequentemente empregamos métodos pecaminosos para atingi-los. Mas os meios usados devem estar de acordo com a Palavra de Deus. As Escrituras estão repletas de mandamentos e princípios que nos orientam no uso dos meios, nos dizendo o que é lícito e o que não é. Mesmo se o desejo for bom e o fim seja agradável a Deus, não devemos usar meios ilícitos para cumprir esse desejo. Podemos desejar ter um filho, e isso seria agradável ao Senhor, mas sequestrar o bebê de alguém como um meio para alcançar esse fim seria pecaminoso.
Implicações da ambição piedosa
Então, vamos juntar essas observações e elaborar uma perspectiva bíblica sobre a ambição. Primeiro, devemos ter uma ambição piedosa. Paulo se define como ambicioso, e certamente, nosso Senhor foi ambicioso (usando nossa definição acima) em cumprir seu chamado como Profeta, Sacerdote e Rei. Em segundo lugar, uma ambição piedosa exige desejos que estejam corretamente relacionados com fins justos. Mas como podemos desenvolver uma ambição piedosa?
Disciplina, dever e desejo
Primeiramente devemos reconhecer e implementar as ferramentas que Deus nos dá. Paulo escreve em 1 Timóteo 4:7: “exercita-te, pessoalmente, na piedade”. Precisamos entender que a disciplina exerce uma função na vida de todo cristão para superar a preguiça e trabalhar para crescer em piedade.
Em segundo lugar, há o dever. Muitos cristãos se estremecem quando a palavra dever é mencionada. Mas o dever deve ser entendido como um meio para um fim. O dever é a obediência disciplinada com o objetivo de desenvolver um amor por aquilo que é praticado. Dever é praticar o deleite naquilo que agrada Deus até que esse deleite seja realmente experimentado. Minha esposa e eu designamos tarefas para nossos filhos e eles, e muitas vezes eles se recusam a fazê-las, mas nosso objetivo é ajudá-los a desenvolver um amor pela ordem e pelo trabalho para que o dever subjacente se torne para eles algo secundário. Disciplina e dever são os caminhos para o deleite.
Identidade e ambição cristã
Outra maneira de crescer na ambição piedosa, para os cristãos, é compreender sua identidade, seu lugar e seu propósito.
Quanto ao lugar, cada cristão deve ter um entendimento claro e bíblico da natureza de sua cidadania no reino de Deus. Entender que somos filhos do Criador e temos uma aliança com Ele é fundamental para entender quem somos. Refletir sobre as prioridades do reino e sobre o juízo final nos ajudará a forjar uma ambição piedosa.
Além de entender quem somos (lugar), precisamos saber o porquê somos (propósito). Bem no início da criação, Deus diz a Adão e Eva o que devem fazer, chamamos isto de o mandato cultural (Gn. 1:28). Somos chamados a ser fecundos e a nos multiplicar. Infelizmente, muitos que professam Cristo têm minimizado a responsabilidade de se casar e ter filhos. Na cultura moderna, ambas coisas são consideradas difíceis e até mesmo contraproducentes para a liberdade e a alegria pessoal. Mas, como um trem que quer se livrar dos trilhos, assim são aqueles que procuram cumprir seu destino autodesignado contrário ao propósito criacional para o qual Deus criou a humanidade. Como cristãos, devemos resistir a essa tendência e considerar o casamento como um presente de Deus. A menos que tenhamos o raro e específico chamado ao celibato por causa do ministério, devemos ter a ambição de nos casar, ter filhos e criar uma família piedosa.
O mandato de exercer domínio sobre o planeta aborda a questão da vocação, do chamado. Você considera o seu trabalho como, de alguma forma, parte desse mandato? Você deveria, se seu trabalho é lícito. E quando você vê seu trabalho como uma parte do plano de Deus, do panorama divino, então sua ambição de se sair bem, ter sucesso, deve crescer.
Os mandamentos acima estão relacionados à família e à esfera civil. Mas Deus também nos colocou na Igreja, ao fazer isso, Ele também prescreve para nós a função que devemos desempenhar em nosso chamado como irmãos e irmãs. Deus dá a cada crente um dom espiritual (Rm. 12; 1 Co. 12; Ef. 4; 1 Pe. 4) pelo qual ministramos uns aos outros. Também recebemos o mandamento de ir pelo mundo e pregar o evangelho (Mc. 16:15) e “fazer discípulos de todas as nações” (Mt. 28:19). Ambas as ênfases, ministério interno na Igreja e proclamação externa para o mundo, são essenciais para a ambição e a prática cristã piedosa.
Paulo escreveu em 2 Coríntios 5:9: “Temos isso como nossa ambição, quer presentes quer ausentes, sermos agradáveis a Ele” (KJA). Que isso também seja verdade de cada um de nós.