O lugar do reino de Deus 
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O lugar do reino de Deus 

Nota do Editor: Este é o quarto de 17 capítulos da série da revista Tabletalk: O reino de Deus.

A autoridade de qualquer rei está limitada às fronteiras do Seu reino. A aplicação deste axioma ao reino de Cristo cria uma tensão entre fé e visão. A Bíblia declara que a terra, que inclui tudo e todos que nela existem, pertence ao Senhor (Sl 24:1), mas o mundo é hostil ao reinado de Deus, determinado a romper com Deus e com Seu governo soberano (Sl 2:3). Apesar da rebelião, Deus declara que estabelecerá Seu Rei ungido no monte santo de Sião (v. 6). A fé no governo mediador de Cristo, que nos subjuga, governa e nos defende, ao restringir e derrotar todos os Seus e nossos inimigos (Breve Catecismo de Westminster, Resposta 26), é um consolo para os cidadãos do Seu reino. Contudo, a Escritura antecipa uma expressão da realeza de Cristo além do domínio espiritual de Sua igreja, da qual Ele é o Cabeça soberano (Ef 1:22; Cl 1:18).

Muitas vezes, a Bíblia descreve o governo de Cristo em termos geográficos. Seu domínio se estende de mar a mar, na verdade, até os confins da terra (Sl 72:8). Zacarias 14:9 antecipa aquele dia em que o Senhor será Rei sobre toda a terra. Daniel aponta para aquele tempo em que todos os reinos do mundo serão despedaçados e substituídos por um reino que nunca será destruído (Dn 2:44). É melhor ver esta inclusão geográfica como cumprida naquele estado eterno quando Deus cria um novo céu e uma nova terra que substitui a velha criação, amaldiçoada pelo pecado, por um novo mundo semelhante ao Éden, marcado pela justiça perfeita (Is 65:17; 2 Pe 3:13; Ap 21:1). Talvez a característica mais considerável deste futuro reino seja a presença do Rei no meio dos cidadãos (Zc 2:5, 10-11). Embora a igreja hoje esteja num ambiente hostil, ela tem a bendita esperança de que todos os reinos deste mundo fracassarão e que o reino de Deus prevalecerá. Agora, a igreja está em conflito; logo, a igreja triunfará e ocupará um verdadeiro lugar de paz e justiça na presença do Rei.

A atenção dada à terra prometida em todo o Antigo Testamento é instrutiva para esta teologia do reino. Grande parte da teologia do Antigo Testamento diz respeito à conquista, herança, expulsão e reintegração de posse desta terra por Israel. A promessa inicial de uma terra era um componente integral da aliança de Deus com Abraão. Deus prometeu a Abraão uma terra com coordenadas geográficas que se estendia desde o rio Eufrates até o rio do Egito (Gn 12:7; 15:18 – 17:8). Embora o Senhor tenha garantido a Abraão que sua descendência possuiria a terra para sempre, Abraão, na melhor das hipóteses, a possuiu de forma pouco mais que simbólica, já que possuía apenas uma caverna (Gn 13:17; 23). Abraão sabia que na terra prometida havia mais do que sujeira, já que sua principal preocupação era uma pátria celestial superior (Hb 11:16). Num certo sentido, a experiência de Abraão reflete a da igreja: a sua posse “agora” da terra não equivalia à realidade “ainda não” por vir. Esta teologia da terra serve como uma lição prática do reino de Deus.

Em primeiro lugar, a terra foi “prometida”. Embora a promessa fosse certa, havia um componente geográfico na promessa que não foi cumprido não só por Abraão, mas também pelos seus descendentes. Durante mais de quatrocentos anos, a descendência de Abraão esteve em sujeição numa terra estrangeira, sem qualquer perspectiva de herdar a antiga promessa. Mas Deus renovou a promessa (Êx 6:8; 13:5, 11) e a nação deu os primeiros passos para a sua herança. Tal como o seu pai Abraão, confiaram na promessa sem ver o cumprimento, uma vez que a geração que saiu do Egito nunca atravessou o Jordão. A mesma situação acontece com a igreja hoje. Pela fé, sabemos que os mansos herdarão a terra (Mt 5:5) e a descendência espiritual de Abraão herdará o mundo (Rm 4:13). Isto está além da nossa experiência “agora”, mas é a promessa de Deus. Algo é certo: Cristo preparou um lugar para o Seu povo (Jo 14:2; Hb 6:19-20).

Em segundo lugar, a terra era “próspera”. O Senhor descreveu a terra como boa e ampla, onde manava leite e mel (Êx 3:8). Esta é uma figura de linguagem que fala da abundância que a terra proporcionaria. A prosperidade da terra era uma forma vívida de retratar as bênçãos que pertenciam aos remidos. Ser um do povo redimido de Deus é estar num lugar de riqueza espiritual. Em termos paulinos, Deus nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo (Ef 1:3). A terra de “leite e mel” do cristão equivale a lugares celestiais.

Em terceiro lugar, a terra foi “povoada”. A terra que Deus prometeu dar a Israel não permaneceu inativa ou desabitada durante todos os anos em que estiveram sob a escravidão egípcia. O Senhor declarou que a terra era habitada por nações maiores e mais poderosas que Israel (Dt 7:1). A presença desta população nativa representava um problema para a fé e uma ameaça potencial à fidelidade. O Senhor enfrentou a ameaça advertindo-os contra habitar a terra ao lado dos nativos e contra fazer quaisquer tratados com eles que os induzissem a pecar contra Deus (Êx 23:32-33). Em vez disso, deveriam “[destruir] totalmente” os ídolos do povo e “despedaçar de todo as suas colunas” (v. 24). A falha de Israel em atender a este aviso resultou na sua expulsão da terra.

O problema da fé era também evidente. Visto que os cananeus nativos eram guerreiros tão fortes e capazes e Israel era tão fraco e inexperiente na guerra, como adquirir a terra era a questão crucial. Que a terra fosse uma dádiva de Deus era uma coisa, mas possuir a dádiva parecia ser outra coisa bem diferente. Não era provável que os nativos partissem voluntariamente, eles resistiriam para manter sua terra natal. A perspectiva de Israel vencer essa luta era pequena. A forma como o Senhor explica o processo de posse da terra ilustra uma lição espiritual vital da conquista do crente sobre o domínio do pecado.

O procedimento para lidar com os cananeus era duplo: Deus lutaria por Israel e Israel teria que lutar por si mesmo. O Senhor assegurou ao povo que eliminaria o inimigo, os destruiria e os faria recuar (Êx 23:23, 27). Ele faria isso enviando Seu anjo diante deles, a quem deveriam obedecer (vv. 20, 23). Além do anjo que lideraria o ataque, Deus enviaria Seu terror e vespas diante dos israelitas para expulsar os cananeus (vv. 27-28). Ambos são figuras de linguagem, referindo-se àquilo que produz terror.

A conquista de Canaã ilustra a cooperação entre Deus e o povo. Deus alcançou e garantiu a vitória em virtude de Suas promessas de dar-lhes a terra e de expulsar os cananeus que impediam que eles possuíssem a promessa. No entanto, os israelitas tiveram que cruzar o Jordão e expulsar o inimigo em uma batalha mortal (Dt 9:3). Com a convicção de que Deus lhes havia dado a vitória, entraram na terra e lutaram à luz daquela vitória certa. Os israelitas tomaram posse da terra apenas obedecendo à ordem de Deus e usando as suas espadas. As batalhas pela posse das terras foram implacáveis e a posse de novos territórios foi gradual.

A conquista da terra ilustra a batalha do crente contra o pecado, a sua santificação progressiva. Embora Cristo tenha alcançado a nossa vitória sobre o pecado e destruído o seu domínio sobre nós, o pecado não foge de nós só porque fomos salvos. Se tentarmos combater o pecado com nossas próprias forças, a derrota será certa, pois o pecado é mais forte do que nós. Por outro lado, se não nos esforçarmos para combater o pecado com a armadura de Deus, a derrota será inevitável. Mas se nos juntarmos ao conflito reivindicando tudo o que Deus prometeu e que Cristo venceu, poderemos desfrutar da vitória. Mesmo quando experimentamos a vitória sobre um pecado específico, nunca podemos baixar a guarda, já que vivemos num mundo cheio de cananeus, de pecado e tentação. Uma vitória leva apenas ao próximo conflito. A guerra é a marca da nossa experiência presente no reino.

Em quarto lugar, a terra era um lugar de “presença divina”. No cântico de Moisés, ele incluiu no seu louvor uma referência à terra para onde Deus iria introduzir o Seu povo: “Tu o introduzirás e o plantarás no monte da tua herança, no lugar que aparelhaste” (Êx 15:17). Num sentido especial e espiritual, estar na terra era estar onde o Senhor está; era estar em Sua presença. O Senhor graciosamente assegurou a Moisés que Sua presença o acompanharia pela terra e lhe daria descanso (Êx 33:14). A ideia de “descanso” tornou-se sinônimo de terra e da presença de Deus (Sl 132:13-14). O descanso estava onde o Senhor estava, era o sinal de Sua presença. Neste sentido, a terra aponta para o descanso final a ser experimentado por todo crente no reino celestial de Deus, o lugar de Sua presença gloriosa e o lar eterno do crente (1 Pe 1:4). Num outro sentido, é paralelo ao descanso sabático desfrutado pelo crente no local de adoração, onde Deus se reúne com o Seu povo. O local de adoração é uma manifestação do lugar do reino de Deus.

A terra prometida é relevante na teologia do reino. Ambos são lugares reais. A terra simbolizava a presença de Deus, a proteção e a provisão para Seu povo redimido. No sentido final, a terra é um tipo (uma profecia ilustrada) do reino universal e eterno de Deus, a experiência última da presença divina e da consequente paz. A terra fala tanto do destino final do povo de Deus como da jornada diária para esse destino. A entrada na terra do descanso é o destino final dos crentes. O reino está chegando.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Michael P.V. Barrett
Michael P.V. Barrett
El Dr. Michael P.V. Barrett es vicepresidente de asuntos académicos, decano académico y profesor de Antiguo Testamento en el Puritan Reformed Theological Seminary en Grand Rapids, Michigan. Es autor de varios libros, incluyendo Beginning with Moses: A Guide to Finding Christ in the Old Testament [Empezando con Moisés: Una guía para encontrar a Cristo en el Antiguo Testamento]..