O que é o princípio regulador do culto? - Ministério Ligonier
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O que é o princípio regulador do culto?

Nota do editor: Este artigo faz parte da série da revista Tabletalk: Os últimos tempos.

O que é o princípio regulador do culto? Em termos simples, o princípio regulador afirma que a adoração corporativa de Deus deve se basear em diretrizes específicas das Escrituras. Em outras palavras, declara que nada deve ser introduzido na adoração coletiva a menos que haja uma garantia específica das Escrituras.

Sejamos claros: adoramos a Deus em “toda a vida”: ao pescar, jogar golfe, tomar café da manhã ou dirigir um carro. Paulo deixa isso bem claro: 

Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm 12:1-2).

Por causa disso, alguns argumentam que não há um conjunto especial de regras para a adoração congregacional. Há apenas adoração. Porém isso ignora algumas questões muito importantes. É verdade que há um princípio regulador (um conjunto de regras gerais) para o que poderíamos chamar de adoração “em toda a vida”. Tudo o que fazemos deve ter em vista a glória de Deus: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Co 10:31). Podemos chamar isso de um princípio regulador geral. Mas existe uma aplicação mais específica desse princípio para o culto de adoração? Os reformadores (em particular João Calvino) e os puritanos responderam que sim. Deus está especialmente preocupado com a questão de como adoramos em reuniões públicas.

Uma definição comum são as palavras de Calvino: “Deus desaprova todos os modos de adoração não expressamente autorizados por Sua Palavra”, e a Segunda Confissão Batista de Londres de 1689: “A maneira aceitável de se cultuar o Deus verdadeiro é aquela instituída por ele mesmo, e que está bem delimitada por sua própria vontade revelada, para que Deus não seja adorado de acordo com as imaginações e invenções humanas, nem com as sugestões de Satanás, nem por meio de qualquer representação visível ou qualquer outro modo não descrito nas Sagradas Escrituras.”

A Assembléia de Westminster

Quando a Assembleia de Westminster se reuniu, sua principal diretriz era responder a essa mesma pergunta. Logo começou a tratar de outras questões, porém foi a questão da adoração que predominou sua agenda inicial. Mais tarde, ela publicaria um Diretório para a Adoração Pública de Deus. O termo diretório, por si só, é importante; não é um Livro de Oração Comum, como os anglicanos tinham. Eles deixaram bem claro que o diretório funcionava de uma maneira muito diferente.

O primeiro capítulo da Confissão de Fé de Westminster é sobre as Escrituras. Era uma maneira de dizer que, antes de podermos dizer qualquer coisa sobre Deus, a humanidade, o pecado, a igreja ou a adoração, precisamos de alguma base de autoridade. E essa única autoridade é a Palavra de Deus. Toda a Escritura é um produto do sopro de Deus (2 Tm 3:16-17). Os homens falaram conforme foram conduzidos pelo Espírito Santo (2 Pe 1:21). Portanto, para a tradição de Westminster começamos com as Escrituras.

É nesse capítulo inicial sobre as Escrituras como o fundamento de todo conhecimento que o princípio regulador aparece:

Todo o conselho de Deus concernente a todas as coisas necessárias à sua glória e à salvação, à fé e à vida do homem ou é expressamente declarado nas Escrituras ou pode ser lógica e claramente delas deduzido. Às Escrituras, nada se acrescentará em tempo algum, nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens; reconhecemos, entretanto, ser necessária a iluminação interior do Espírito de Deus para a salvadora compreensão das coisas reveladas na Palavra, e que há algumas circunstâncias, quanto ao culto de Deus e ao governo da Igreja, comuns às ações e sociedades humanas, as quais têm de ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã, segundo as regras da Palavra, que sempre devem ser observadas (CFW 1.6).

O que se quer dizer é que as Escrituras estabelecem certos princípios sobre duas questões específicas (há outras): a forma de governo da igreja e o culto público. O mesmo princípio aparece outra vez no capítulo sobre adoração:

A luz da natureza mostra que há um Deus, que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz o bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de toda a força; mas, o modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo, e é tão limitado pela sua própria vontade revelada que ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qualquer outro modo não prescrito nas Sagradas Escrituras (CFW 21.1).

A questão é que a Escritura (ou seja, o próprio Deus, já que a Escritura é a Palavra de Deus) prescreve como adoramos a Deus. A palavra “prescrever” transmite a ideia de autoridade. Quando você vai à farmácia e precisa de algum medicamento que não seja de venda livre, precisa de uma receita, que antes costumava ser um pedaço de papel assinado pelo médico (hoje em dia, em geral esse requerimento é eletrônico).

E por que os teólogos de Westminster (os eruditos que se reuniram na Assembleia de Westminster) acharam que isso era tão importante? A resposta para isso está no capítulo anterior da confissão, que é sem dúvida o capítulo mais importante da confissão e que está situado em um contexto muito especial no século XVII: o capítulo sobre liberdade de consciência. Ele contém a seguinte declaração de vital importância: 

Só Deus é Senhor da consciência, e a deixou livre das doutrinas e mandamentos humanos que, em qualquer coisa, sejam contrários à sua Palavra, ou que, em matéria de fé ou de culto, estejam fora dela (CFW 20.2).

Insistir em uma determinada ação na adoração que as Escrituras não ordenam expressamente é violar a liberdade de consciência. Essa era uma questão vital no século XVII. Para os pais fundadores dos Estados Unidos da América, por exemplo, esse era um assunto relevante. A liberdade de consciência era a única garantia de liberdade religiosa.

A Assembleia de Westminster foi estabelecida após as tentativas do rei (e da Igreja da Inglaterra) de impor uma forma de adoração à Escócia. E alguns escoceses não estavam gostando nada disso. Há a história convincente de Jenny Geddes, por exemplo. Em 1637, Carlos I tentou impor um livro de orações no estilo inglês à nação da Escócia. Diz a lenda que “quando o reitor James Hannay começou a ler o livro […] uma mulher local chamada Jenny Geddes lançou um objeto”.

Impor rituais e cerimônias com significado religioso que não têm apoio expresso das Escrituras é violar a consciência.

Garantia bíblica

Onde a Bíblia ensina o princípio regulador? Em mais lugares do que comumente se imagina, que inclui a constante estipulação do livro de Êxodo com relação à construção do tabernáculo de que tudo fosse feito “segundo o modelo que te foi mostrado” (Êx 25:40).   Acrescente a isso o juízo pronunciado sobre a oferta de Caim, que sugere que sua oferta (ou seu coração) era deficiente de acordo com as exigências de Deus (Gn 4:3-8); o primeiro e o segundo mandamentos, que revelam o cuidado especial de Deus com relação à adoração (Êx 20.2-6); o incidente do bezerro de ouro, que ensina que a adoração não pode ser oferecida meramente conforme nossos próprios valores e interesses; a história de Nadabe e Abiú e a oferta de “fogo estranho” (Lv 10); a rejeição de Deus à adoração não prescrita de Saul, Deus declarou: “O obedecer é melhor do que o sacrificar” (1 Sm 15:22); e a rejeição de Jesus à adoração farisaica segundo a “tradição dos anciãos” (Mt 15:1-14). Tudo isso indica uma rejeição da adoração oferecida em conformidade com valores e orientações diferentes daqueles especificados nas Escrituras.

De particular importância são as respostas de Paulo à adoração pública errônea em Colossos e Corinto. Em um determinado momento, Paulo caracteriza a adoração pública em Colossos como ethelothrskia (Cl 2:23), traduzida de várias maneiras como “falsa devoção” (A21) ou “culto de si mesmo” (ARA). Os colossenses haviam introduzido elementos que eram claramente inaceitáveis (mesmo que estivessem reivindicando uma fonte angelical para suas ações, uma possível interpretação de Col 2:18, a “adoração de anjos”).

Talvez seja no uso (abuso) de línguas e profecia pelos coríntios que encontramos a indicação mais clara da disposição do apóstolo de “regular” a adoração corporativa. Ele regula tanto o número quanto a ordem do uso dos dons espirituais de uma forma que não se aplica a “toda a vida”: nenhuma língua deve ser usada sem um intérprete (1 Co 14:27-28), e apenas dois ou três profetas podem falar, um de cada vez (1 Co 14:29-32). No mínimo, a instrução de Paulo aos coríntios enfatiza que a adoração corporativa deve ser regulamentada e de uma maneira que se aplica de forma diferente daquela que é verdadeira para toda a vida.

O resultado? Elementos específicos da adoração se destacam:

Ler a Bíblia (1 Tm 4:13);

Pregar a Bíblia (2 Tm 4:2);

Cantar a Bíblia (Ef 5:19; Cl 3:16): os Salmos, bem como as canções das Escrituras que refletem o desenvolvimento da história redentora no nascimento, vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus;

Orar a Bíblia: a casa do Pai é “uma casa de oração” (Mt 21:13);

Ver a Bíblia nos dois sacramentos da Igreja — batismo e Ceia do Senhor — algo a que Agostinho se referiu como “palavras visíveis” (Mt 28:19; At 2:38-39; 1 Co 11:23-26; Cl 2:11-12). Além disso, elementos ocasionais como juramentos, votos, jejuns solenes e ações de graças também foram reconhecidos e destacados (veja CFW 21.5). E é isso!

É importante perceber que o princípio regulador aplicado à adoração pública libera a igreja de atos de impropriedade e tolice: não estamos autorizados, por exemplo, para anunciar que palhaços farão mímica da lição bíblica no culto dominical da próxima semana.

O princípio regulador é apenas isso: um princípio. Ele não responde a todas as perguntas que podem ser feitas. E, por causa disso, não compromete a igreja com uma mesmice litúrgica “padrão”. Dentro de uma adesão ao princípio, há um espaço considerável para variações: em assuntos que as Escrituras não abordaram especificamente (adiaphora). Assim, o princípio regulador como tal não pode ser invocado para determinar se são usadas músicas contemporâneas ou tradicionais, se são lidos três versículos ou três caps. das Escrituras, se é feita uma oração longa ou várias orações curtas, ou se é usado um único cálice ou cálices individuais com vinho verdadeiro ou suco de uva na Ceia do Senhor. Em todas essas questões, o princípio “tudo, porém, seja feito com decência e ordem” (1 Co 14:40) deve ser aplicado.

Alguns empregam o princípio regulador para fazer um culto de adoração que é mais “pesado” liturgicamente do que outros. O presbiterianismo escocês e irlandês, exemplificando, seguiu o padrão litúrgico dos puritanos e, por conseguinte, é liturgicamente “leve”.

Entretanto, se alguém sugerir que a dança ou o teatro é um aspecto válido da adoração pública, deve-se perguntar: Onde está a justificativa bíblica para isso? Sugerir que um pregador que se movimenta no púlpito ou usa vozes “dramáticas” é “drama” no sentido acima é trivializar o debate. O fato de que ambos podem ser (para empregar o coloquialismo) “arrumadinhos” é discutível e não vem ao caso; não há nenhum fragmento de evidência bíblica, muito menos mandato, para qualquer um deles. Portanto, é supérfluo argumentar a partir da poesia dos Salmos ou do exemplo de Davi dançando diante da arca (em um estado de nudez!), a menos que estejamos dispostos a abandonar todas as regras recebidas de interpretação bíblica. É interessante que não existia nenhum cargo de “coreógrafo” ou “produtor/diretor” no templo. O fato de que tanto a dança quanto o teatro são atividades cristãs válidas também não vem ao caso.

Sem o princípio regulador, ficamos à mercê de “líderes de adoração” e pastores intimidadores que acusam os adoradores que não obedecem de desagradar a Deus, a menos que participem de acordo com um determinado padrão e maneira. Obedecer quando se trata de uma questão de prescrição expressa de Deus é a verdadeira liberdade, qualquer outra coisa é escravidão e legalismo.

Nota do editor: Trecho adaptado de Let Us Worship God [Adoremos a Deus], de Derek W.H. Thomas, © 2021.

Publicado originalmente em Tabletalk Magazine.

Derek Thomas
Derek Thomas
O Dr. Derek W.H. Thomas é ministro principal da First Presbyterian Church in Columbia, S.C., e professor Chanceler de Teologia Sistemática e Pastoral no Reformed Theological Seminary. Ele é um professor da Fraternidade de Ensino de Ligonier Ministries e autor de muitos livros, incluindo How the Gospel Brings Us All the Way Home.