O sangue da vida: a perspectiva de um pastor - Ministério Ligonier
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O sangue da vida: a perspectiva de um pastor

Nota do editor: Este é o quarto de 6 capítulos da série da revista Tabletalk: A agonia e o êxtase: os atos de Cristo no primeiro século.

Com suas esperanças frustradas pela morte de seu Mestre, dois amigos de Jesus caminham com pesar na estrada de Emaús. Após encontrar um “estranho” ao longo do caminho, explicam como a crucificação de Jesus havia destruído seus sonhos: “Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel” (Lc 24:21). Leia a desilusão deles: “Nós tínhamos esperança, mas Ele morreu.”

Semanas depois, suas esperanças estão vivas outra vez, que emergem com Ele de seu túmulo. Eles viram Jesus, de forma misteriosa, mas de forma tangível vivo novamente, assim o viram várias vezes. O sonho em seus corações chega à ponta de suas línguas: “Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel?” (At 1:6). Certamente, um Deus que resgatou Seu Messias da sepultura pode desterrar os infiéis opressores de Sua terra, e quebrar o jugo que pesava sobre o pescoço de Seu povo!

Entretanto, aos olhos de Jesus, os mais loucos sonhos de Seus discípulos para o retorno de Israel não são grandes o suficiente. Deus tem uma agenda de reino muito superior ao que imaginaram, uma que supera a preocupação insignificante com a posição de Israel na hierarquia política. Jesus os lembra que o tempo de Deus não é assunto deles (como havia dito antes, Mc 13:32); então, Ele expande o horizonte dos Seus discípulos em relação ao reino de Deus: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1:8). Dessa promessa flui o restante do relato de Lucas sobre “os Atos”, mas não dos apóstolos. Ao caracterizar seu evangelho como um relato de “todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar” (At 1:1), Lucas dá a entender que Atos relata tudo o que Jesus continuou a fazer e a ensinar depois de ascender aos céus. A diferença é que agora Ele reina como Senhor e Cristo no céu, que estende Seu governo na terra por meio do poder do Espírito na palavra de Suas testemunhas.

A luz se move em ondas, como as ondulações em um lago, que irradiam do ponto onde a pedra atravessou a superfície. Obediente ao comando do Senhor, a igreja espera o Espírito em Jerusalém e, quando Ele vem em poder, ali ela dá o seu primeiro testemunho ousado. Embora o local seja a capital de Israel, seus ouvintes constituem a primícia de uma colheita mundial (de maneira apropriada, já que a lei estabeleceu o Pentecostes como uma festa das primícias, Nm 28:26). Lucas insere uma lista de nacionalidades (At 2:9-11) que lembra o painel de nações que antecede Babel (Gn 10), a fim de enfatizar o movimento centrífugo geográfico e demográfico do reino. À medida que o evangelho é divulgado, uma grande quantidade de pessoas, oriundas de vários lugares são alcançadas. A igreja cresce de cento e vinte para mais de três mil almas em apenas um único dia, e o número logo ultrapassa cinco mil (At 4:4).

O aumento traz oposição e sobrecarga administrativa. Os apóstolos passam dias e noites atrás das grades acusados pelos invejosos líderes de Israel, que ameaçam com sérias consequências a menos que as testemunhas de Jesus parem de anunciar Sua morte e ressurreição. Mas as testemunhas não são livres para desistir; a autoridade do seu Senhor ressuscitado supera a dos líderes judeus. Obrigados a obedecer antes a Deus do que a homens, explicam calmamente: “Nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4:20; confira 5:29).

A fecundidade do evangelho em números absolutos, bem como as diferenças de idioma, interrompe os cuidados da igreja com as viúvas de língua grega, o que ameaça a unidade da igreja. A solução é distribuir a autoridade de liderança, com sete homens sábios e experientes (todos com nomes gregos, e um prosélito gentil!). A palavra continua crescendo (At 6:7), pois a igreja cresce pela Palavra (veja At 12:24; 19:20; Cl 1:6).

Por meio de Estevão e de seus colegas, o reino irrompe como uma onda sobre os muros de Jerusalém, espalhando-se pela Judeia e Samaria, carregada por cristãos dispersos pela perseguição como semente vivificante (At 8:1). Estevão abriu as comportas ao declarar que Deus (que não está trancado em casas feitas por mãos humanas) pode estar com Seus servos em qualquer lugar: com Abrão na Mesopotâmia, com José no Egito, com Moisés no Sinai (7:2, 9, 30). Estevão sela seu testemunho com seu próprio sangue, e sua paz diante da morte inflama o zelo de Paulo, o qual não iria descansar até eliminar essa ameaça às suas preciosas tradições (8:3).

Filipe, conservo de Estevão, é disperso para o norte até Samaria (At 8:4-25) e depois para a costa (8:26-40). Por meio dele, o reino de Deus rompe mais duas barreiras demográficas. Os samaritanos são mestiços étnicos e sincretistas religiosos, aderiam aos livros de Moisés, mas misturavam o conteúdo com elementos pagãos (2 Rs 17:24-41 mostra os antecedentes dessa condição). No entanto, o Jesus que Filipe prega irrompe como a luz do dia nos corações nublados, cheios de superstição e magia. Logo, Pedro e João seguem os passos de Filipe e integram os crentes samaritanos na igreja batizada pelo Espírito (At 8:14-25).

A segunda barreira é ainda maior: o aparentemente inviolável muro de separação entre judeus e gentios incircuncisos (Ef 2:14-15). O tesoureiro da Etiópia fez uma peregrinação ao templo de Deus, em Jerusalém, e, ao retornar, está intrigado com um precioso pergaminho que contém a profecia de Isaías sobre o Servo sofredor (At 8:26-39). Esse dignatário não pode ser um prosélito do judaísmo, ele é um eunuco, e sua deficiência, bem como sua linhagem gentia, o excluem duplamente da assembleia do Senhor (Dt 23:1). Entretanto, agora, um novo dia raiou. Deus agora recebe tanto eunucos quanto estrangeiros em seu novo templo, e aceita “forasteiros” em Sua graça (Is 56:3-8).

Pedro segue Filipe para o oeste até a costa, e chega até Jope a tempo para seu encontro divino com os emissários de um centurião romano, Cornélio (At 10 – 11). Aos olhos dos judeus, Cornélio é um gentio piedoso, mas ainda assim incircunciso e, portanto, não faz parte do povo de Deus (10:1-2; 11:3). Mais grave ainda, Cornélio só precisa do perdão que é encontrado apenas no nome de Jesus (10:43). Tal perdão ele e seus amigos recebem pela fé enquanto Pedro prega e o Espírito inunda os corações e enche seus lábios com louvor (10:44-46). O maremoto da graça rompe o muro entre judeus e gentios de uma vez por todas. Logo, uma vibrante e multiétnica igreja cresce na cosmopolita Antioquia da Síria (11:19-30).

Enquanto isso, a visão de Saulo era destruir a igreja (At 9:1-2). Entretanto, Jesus tem outros planos. Embora levasse consigo mandados de prisão para todos os cristãos, Saulo se vê preso ao se aproximar de Damasco, derrubado pela ofuscante glória do Senhor a quem ele perseguia, Paulo foi apreendido pela graça soberana para levar o nome de Jesus “perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel” (9:15). Em Atos 13 – 28, ouvimos Saulo (Paulo) dirigir-se a cada uma dessas audiências, ao levar consigo o evangelho, da costa de Israel até à capital de César.

De Antioquia, o Espírito Santo envia Barnabé e Saulo para as terras costeiras do outro lado do mar (veja Is 42:4; 49:1), começando com Chipre e o centro-sul da Ásia Menor (At 13 – 14). Após o concílio apostólico que confirmou decisivamente que Deus congrega os gentios pela fé em Jesus, não pela circuncisão da carne (At 15), Paulo parte com um novo companheiro, o profeta Silas. Como se fosse um pastor alemão celestial, o Espírito de Jesus impede suas tentativas de entrar nas províncias da Ásia e Bitínia, conduzindo-os para o oeste até a costa do Egeu (16:6-8). Em resposta a uma visão, cruzam o mar e entram na Macedônia, e levam o evangelho para a Europa.

Por meio de Paulo, outrora o violento perseguidor, mas agora o defensor apaixonado, a Palavra impacta judeus e gentios tementes a Deus, imersos na Escritura e na tradição da sinagoga (At 13:13-49). Ela também brilha em meio à escuridão das superstições politeístas (14:8-18) e dos intelectuais sofisticados (17:16-34). Jesus, o Senhor, compartilha Seu papel de servo com seus servos: “Eu te constituí para luz dos gentios, a fim de que sejas para a salvação até os confins da terra” (13:47).

Finalmente, Paulo chega a Roma, os confins da terra (na perspectiva de Israel), embora o evangelho já estivesse enraizado por lá quando ele chega (At 28:15; veja Rm 1:8) e já tivesse impactado até mesmo a casa de César (Fp 4:22). Lucas acertadamente termina seu relato com uma afirmação paradoxal de que Paulo, embora aprisionado em sua casa pelos guardas romanos, prega Jesus e Seu reino sem impedimentos (28:31). Paulo está acorrentado, mas a Palavra de Deus não está (2 Tm 2:9).

O heroico alcance do evangelho através do império mais poderoso do Mundo Antigo nos deixa sem fôlego. Nossa vida previsível e passageira faz com que aqueles dias emocionantes do passado pareçam quase míticos em sua grandeza: a agonia dos espancamentos suportadas alegremente “por esse Nome” (At 5:41) e o êxtase de corações escravizados ao serem libertos. Mas o espírito de Deus que moveu Lucas a escrever essa história sagrada (não um mito!) não nos deu Atos para despertar a nostalgia dos “bons velhos tempos”. A agenda do reino de Deus ainda está avançando. O Espírito que capacita as testemunhas de Jesus é dado não apenas a apóstolos que testemunharam a Sua ressurreição, também é dado a todos aqueles que obedecem ao chamado do evangelho de Deus (5:32). A Palavra que fez crescer os homens continua crescendo, e sua luz faz com que olhos cegos vejam a glória de Deus e os confins da terra testemunham a salvação do nosso Deus.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

John Piper
John Piper
O Dr. John Piper é fundador e professor do Desiring God, e chanceler no Bethlehem College & Seminary em Minneapolis. Ele é autor de diversos livros, incluindo Lições de um leito de hospital, Uma glória peculiar, Lendo a Bíblia de modo sobrenatural e Surpreendido por Deus.