O teólogo da aliança: Heinrich Bullinger - Ministério Ligonier
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O teólogo da aliança: Heinrich Bullinger

Heinrich Bullinger (1504–1575) é considerado o reformador mais influente da segunda geração. Como herdeiro de Ulrico Zuínglio, em Zurique, na Suíça, ele consolidou e continuou a Reforma suíça que seu antecessor havia iniciado. Philip Schaff escreve que Bullinger foi: 

[…] um homem de fé sólida, coragem, moderação, paciência e perseverança […] [que foi] providencialmente capacitado para preservar e promover a verdade em um momento difícil da história. Durante seus 44 anos como ministro-chefe em Zurique, a produção literária de Bullinger superou a de Martinho Lutero, João Calvino e Zuínglio juntos. Foi de importância monumental na disseminação do ensino reformado por toda a Reforma. A influência de Bullinger foi tão abrangente em toda a Europa continental e Inglaterra que Teodoro de Beza o chamou de “o pastor comum de todas as igrejas cristãs”. 

Bullinger nasceu em 18 de julho de 1504, na pequena cidade suíça de Bremgarten, a dezesseis quilômetros a oeste de Zurique. Seu pai, também chamado Heinrich, era o pároco local, que vivia em união estável com Anna Wiederkehr. Essa prática foi oficialmente proibida pela hierarquia católica romana, mas o pai de Bullinger recebeu permissão para entrar em tal relacionamento ao concordar em pagar ao bispo um tributo anual. O jovem Heinrich foi o quinto filho nascido desse casamento ilegítimo. O casamento entre os pais de Bullinger acabou sendo formalizado em 1529, quando o seu pai se juntou ao movimento reformado.

O pai do jovem Heinrich o preparou para o sacerdócio desde muito cedo. Aos doze anos, foi enviado para a escola monástica de Emmerich, conhecida como Escola dos Irmãos da Vida Comum. Essa escola era uma cidadela da via antique, a “maneira antiga” de aprender que foi enfatizada pelos teólogos da Alta Idade Média, como Tomás de Aquino (1225–1274) e John Duns Scotus (c. 1265–1308). Lá, Bullinger recebeu uma educação avançada em princípios humanísticos, especialmente nos estudos de latim. Ao mesmo tempo, ficou sob a influência da devotio moderna, a “devoção moderna”, uma ênfase medieval na eucaristia e na vida espiritual profunda. Agostinho e Bernardo estavam entre os primeiros líderes desse movimento pietista, e ele foi revivido por Tomás de Kempis em seu livro A Imitação de Cristo. Bullinger foi atraído pela ênfase desse movimento na meditação e na busca de uma experiência espiritual pessoal com Deus. Também nessa época, Bullinger começou a exibir uma notável aptidão para a erudição.

A Universidade de Colônia

Três anos depois, em 1519, Bullinger foi para a Universidade de Colônia, onde começou a estudar teologia escolástica tradicional. Colônia era a maior cidade da Alemanha e o catolicismo romano estava profundamente arraigado ali, as superstições papais eram elevadas na cidade e os místicos alemães se reuniam ali em grande número. Tomás de Aquino e Scotus haviam ensinado lá antes e a influência escolástica permanecera firmemente enraizada. Mas Bullinger estava convencido da abordagem humanista. Em seus estudos, seguiu os escritos dos Pais da Igreja, em particular Ambrósio, Crisóstomo e Agostinho. A insistência deles na prioridade das Escrituras o levou a estudar a Bíblia por si mesmo. Tal busca, ele admitiu mais tarde, era desconhecida para a maioria de seus colegas.

Enquanto estava em Colônia, Bullinger foi exposto aos ensinamentos do principal humanista da época, Erasmo de Roterdã (c. 1466–1536). Erasmo elevou as Escrituras acima da lógica aristotélica e procurou reformar a Igreja por meio da erudição humanista e dos ensinamentos morais de Cristo. Mas foram as obras de Lutero que mais desafiaram o pensamento de Bullinger. Os livros de Lutero estavam sendo queimados em Colônia, o que apenas despertou o interesse de Bullinger pelo conteúdo de tais obras. Logo, sua mente foi capturada pelas ideias de Lutero. Também estudou Loci communes (1521), de Philip Melanchthon, a primeira obra sistemática da teologia luterana. Nela, Melanchthon tratou das doutrinas reformadas distintivas, a da escravidão da vontade e a da justificação pela fé somente. Essa obra impactou ainda mais Bullinger. Sementes de reforma estavam sendo semeadas em sua mente. Aos dezessete anos, abraçou a verdade fundamental de que a justificação é somente pela fé em Cristo. Em meio a essa transformação pessoal, Bullinger obteve seu mestrado.

Em 1522, Bullinger voltou para casa, em Bremgarten, como um novo homem. Continuou seu estudo persistente das Escrituras junto com a leitura dos Pais da Igreja, de Lutero e de Melanchthon. No ano seguinte, tornou-se o diretor da escola do convento cisterciense de Kappel. De 1523 a 1529, instruiu os monges sobre o Novo Testamento e introduziu o ensino reformado. Sob sua influência, o culto protestante substituiu a missa. Além disso, muitos monges se tornaram ministros reformados.

Bullinger tirou uma licença de cinco meses em 1527 e fez uma viagem a Zurique. Essa jornada provou ser uma mudança de vida para ele. Assistiu a palestras de Zuínglio e conheceu o reformador suíço, e iniciou um relacionamento que teria um efeito profundo sobre ele e o futuro da Reforma suíça. Foi designado para acompanhar Zuínglio à Disputa em Berna, que teve início em 7 de janeiro de 1528. Nessa ocasião, as Dez Teses de Berna foram apresentadas e subscritas. Por tudo isso, Bullinger teve uma visão privilegiada do funcionamento da Reforma. Posteriormente, Bullinger fez uma viagem anual a Zurique para discutir teologia com Zuínglio. Por meio dessa associação próxima, Zuínglio tomou conhecimento das habilidades de Bullinger nas Escrituras. Embora nenhum dos dois soubesse disso na época, Bullinger estava se preparando para se tornar o sucessor de Zuínglio.

Pastoreio em Hausen e Bremgarten

Mais tarde, em 1528, Bullinger tornou-se pastor em tempo parcial da igreja da vila em Hausen, perto de Kappel. Pregou seu primeiro sermão em 21 de junho, e iniciou um compromisso que lhe permitiria desenvolver seus dons no púlpito. No ano seguinte, seu pai declarou publicamente seu compromisso com o ensino reformado e começou a reformar sua paróquia em Bremgarten. No entanto, o Bullinger mais velho foi forçado a renunciar ao cargo por causa da resistência de seus paroquianos. Em uma reviravolta incomum, o jovem Bullinger sucedeu seu pai como pastor da igreja. Continuou a reforma bíblica que seu pai havia iniciado e ficou conhecido como o reformador de Bremgarten.

Com o desejo de casar-se, Bullinger viajou para o antigo convento dominicano em Oetenbach, em 1529, ao ter ouvido que as freiras haviam se tornado reformadas. O convento se desfez, mas duas mulheres ficaram para estabelecer um testemunho protestante. Uma foi Anna Adischwyler, crente devota. Bullinger pediu que ela se tornasse sua esposa e ela aceitou. Ao longo dos anos, eles tiveram onze filhos e adotaram outros. Incrivelmente, todos os seis filhos homens se tornaram ministros protestantes.

Nos dois anos seguintes, Bullinger ajudou a difundir o ensino reformado por meio de seu púlpito e no início de seu prolífico ministério como escritor. Nessa época, começou sua longa série de comentários sobre os livros do Novo Testamento.

Com o crescente enraizamento das crenças protestantes na Suíça, a resistência católica romana logo surgiu. Cinco cantões (estados) católicos, alarmados com a ascensão do protestantismo em Zurique, declararam guerra à essa fortaleza reformada em outubro de 1531. Nenhum cantão protestante ofereceu a Zurique qualquer apoio. Em 11 de outubro, na Batalha de Kappel, os protestantes foram emboscados e Zuínglio, em serviço como capelão militar, foi morto. Zurique foi forçada a aceitar termos desfavoráveis de paz. Algumas regiões da Suíça, inclusive Bremgarten, voltaram ao catolicismo.

Bullinger, um líder protestante reconhecido, foi ameaçado com a forca em Bremgarten. Fugiu para Zurique, onde, três dias depois, foi convencido a pregar no púlpito vazio de Zuínglio. Tão poderosa foi a pregação de Bullinger que as pessoas exclamaram que ele talvez fosse Zuínglio. Oswald Myconius, um seguidor de Zuínglio, disse: “Como a fênix, ele [Zuínglio] ressuscitou das cinzas.” Era de vital importância para as igrejas suíças que Zuínglio fosse substituído por um homem com as mesmas convicções reformadas e abundante energia na obra do Senhor. Em Bullinger, eles encontraram um homem assim.

Ministro-chefe de Zurique

Seis semanas depois, em 9 de dezembro de 1531, Bullinger, com apenas vinte e sete anos de idade, foi eleito por unanimidade pelo Conselho de Zurique e pelos cidadãos para suceder Zuínglio. Depois que o conselho concordou em garantir a liberdade do clero para pregar sobre todos os aspectos da vida na cidade, Bullinger aceitou a posição. Se tornou o antistes —  o “ministro-chefe” —  da cidade. Ao fazê-lo, assumiu a liderança do movimento reformado na Suíça de língua alemã. Em 23 de dezembro, assumiu o púlpito do Grossmünster, cargo que ocupou por quarenta e quatro anos até sua morte em 1575. Nessa função, Bullinger presidiu as outras igrejas do sínodo cantonal como uma espécie de “bispo reformado”. Também foi responsável pela reforma do sistema escolar.

Bullinger era um pregador incansável. Nos primeiros dez anos de seu ministério em Zurique, ele pregava seis ou sete vezes por semana. Depois de 1542, pregava duas vezes por semana, aos domingos e sextas-feiras, o que lhe permitiu dedicar-se a um rigoroso horário de escrita. Bullinger seguiu Zuínglio no método de pregação lectio continua, versículo por versículo através de livros inteiros das Escrituras. Seus sermões expositivos eram bíblicos, simples, claros e práticos. Ao todo, estima-se que Bullinger pregou em Zurique entre sete mil e sete mil e quinhentos sermões. Essas exposições se tornaram a base para seus comentários, que tratavam de grande parte da Bíblia.

Bullinger também era um pastor de grande coração. Sua casa estava aberta a viúvas, órfãos, estrangeiros, exilados e irmãos perseguidos. Gratuitamente concedeu comida, roupas e dinheiro aos necessitados. Bullinger até garantiu uma pensão para a viúva de Zuínglio e educou os filhos do reformador com seus próprios filhos e filhas. Era um pastor dedicado que produziu um dos primeiros livros protestantes para confortar os doentes e moribundos. Muitos dos crentes perseguidos da Inglaterra escaparam do reinado de terror de Maria Tudor em Zurique, ao encontrarem refúgio nos braços abertos de Bullinger. Ao voltarem para casa, esses refugiados tornaram-se os principais puritanos ingleses.

Um homem de habilidades teológicas consideráveis, Bullinger foi coautor da Primeira Confissão Helvética (1536), a primeira confissão nacional suíça, e desempenhou um papel fundamental no Consensus Tigurinus (1549),  uma tentativa de Calvino e Bullinger de retificar as divergências protestantes sobre a Ceia do Senhor. Durante as discussões sobre esse documento, Bullinger convidou Calvino para Zurique para conversas cara a cara. Calvino aceitou o convite. Em 20 de maio de 1549, ele e William Farel viajaram para Zurique, onde se encontraram com Bullinger. Calvino e Bullinger chegaram a um acordo sobre os sacramentos que uniam os esforços reformados em Genebra e Zurique. Por esses documentos confessionais, Bullinger ajudou a animar a Suíça durante o início de seu período de Reforma. Ele combateu a doutrina luterana da consubstanciação na Ceia do Senhor e refutou o ensino anabatista sobre o batismo. No entanto, permaneceu de mente aberta para os vários movimentos radicais.

Ao longo desse tempo, Bullinger foi consultado pela realeza inglesa, incluindo Eduardo VI (1550) e Elizabeth I (1566). Ele via os líderes da Igreja da Inglaterra como companheiros clérigos reformados enquanto lutavam contra Roma. Partes de seu livro Décadas foram dedicadas a Eduardo VI e Lady Jane Grey. Em uma escala mais ampla, manteve correspondência com líderes reformados em todo o mundo protestante, inclusive Filipe de Hesse. Seu conselho sábio e equilibrado deu orientação bastante necessária a muitos no movimento reformado.

Nos anos finais de Bullinger, sofreu as trágicas mortes de sua esposa, Anna, e de várias de suas filhas. Faleceram devido ao surtos de peste em 1564 e 1565. O próprio Bullinger ficou gravemente doente durante o segundo surto. Embora tenha sobrevivido, sua saúde permaneceu instável e morreu em 17 de setembro de 1575, após quatro décadas de ministério incansável e eficaz. Deixou um rico legado nas verdades da graça soberana que ajudou a dar ordem teológica e eclesiástica à Reforma.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Steven Lawson
Steven Lawson
O Dr. Steven J. Lawson é presidente e fundador do OnePassion Ministries, é professor da Fraternidade de Ensino de Ligonier Ministries, e autor de vários livros, incluindo Fundamentos da Graça e The Moment of Truth.