Quando o cristianismo moldou as artes - Ministério Ligonier
O Credo de Atanásio
janeiro 25, 2023
Oportunidade e oposição
janeiro 27, 2023
O Credo de Atanásio
janeiro 25, 2023
Oportunidade e oposição
janeiro 27, 2023

Quando o cristianismo moldou as artes

Nota do editor: Este é o segundo de 6 capítulos da série da revista Tabletalk: O século VII: conflito no Oriente.

Os cristãos de hoje costumam falar sobre influenciar a cultura por meio das artes. Isso muitas vezes significa, na prática, que eles se deixam influenciar pela cultura através das artes. No século VII, porém, vemos o cristianismo como uma poderosa força imaginativa e estética que inspirava novas e duradouras formas de arte, estilos e criações artísticas.

Os evangélicos muitas vezes ignoram as realizações artísticas desses dias pré-medievais, seja por aceitação acrítica das generalizações excessivas da “Idade das Trevas” ou pela suposição de que a Igreja desses tempos era comprometida com os pagãos que haviam evangelizado. De fato, havia problemas teológicos no século VII, como atenção excessiva aos santos. Mas as piores corrupções da Igreja, como o papado inerrante, as indulgências, a substituição da Bíblia pelo racionalismo escolástico aristotélico e a substituição do evangelho pela justiça por meio de obras, tudo isso veio depois.

O século VII não foi um tempo para se comprometer com o paganismo, mas para combatê-lo. Tribos bárbaras ainda saqueavam comunidades cristãs. O norte da Europa ainda era em grande parte pagão e um fluxo constante de missionários enfrentava o martírio. E no Oriente e na África, os cristãos estavam começando a ser invadidos por militantes muçulmanos jihadistas.

Mas em meio a guerras, caos e convulsão social, o interesse pela atividade cultural e intelectual e o deleite pela imaginação criativa não só foram mantidos vivos, mas fomentados e inspirados dentro da Igreja, de uma forma que finalmente conquistaria e civilizaria os bárbaros fora dos seus portões. Os cristãos contemporâneos fariam bem em imitar seus irmãos do século VII, ao adentrarmos hoje em nosso tempo de colapso educacional, barbárie cultural e ataques muçulmanos: nossa própria Idade das Trevas.

Os cristãos cultivaram as artes em dois contextos diferentes, embora de maneiras muito semelhantes. A Europa Ocidental ainda vivia nos destroços do Império romano, que havia caído dois séculos antes. Pequenos reinos tribais — alguns cristãos, outros não — forneceram uma medida de ordem social, embora Carlos Magno não criasse seu Império unificado e instituísse a Europa medieval até o século seguinte. A Igreja estava em um modo de sobrevivência missionário.

Mas no Oriente, o Império romano não havia caído. A capital oriental de Roma, Constantinopla, transformou-se na rica e poderosa civilização bizantina. Ali a Igreja, sob a proteção do imperador bizantino, também era rica e poderosa.

Os bizantinos eram conhecidos por sua arquitetura magnífica, mas complexa. Da Grécia e de Roma, os bizantinos levaram colunas e cúpulas. Da Ásia, levaram a decoração ornamentada com seus espaços circulares. Mas foi o cristianismo que reuniu esses elementos em um todo.

As igrejas bizantinas começaram a ser construídas em forma de cruz. No centro estaria uma cúpula sobre o altar, com transeptos estendendo-se em ângulos retos em quatro direções. Tal projeto uniu a arquitetura ocidental linear com a arquitetura oriental circular. Mas em seu cerne está o profundo simbolismo do evangelho, de que as pessoas que vêm adorar a Deus na igreja só podem fazê-lo na cruz de Jesus Cristo.

Além dessa planta cruciforme, que mais tarde seria adaptada no Ocidente tanto no estilo românico quanto no gótico, as igrejas bizantinas também estavam repletas de esplendor visual. O interior das altas cúpulas abobadadas podia ser adornado com ouro puro. Os pisos podiam ser mosaicos com milhares de peças dispostas em designs complexos de tirar o fôlego. Nas paredes e no altar, e em quase todos os lugares que alguém olhasse, havia ícones.

Os ícones são estilizados, quase abstratos, com linhas grossas que esboçam as figuras, preenchidas com cores vivas ou douradas. Porém, os olhos são assustadoramente profundos, como se estivessem olhando diretamente aos olhos.

No entanto, algumas das maiores realizações artísticas do século VII não ocorreram entre os bizantinos, mas entre os sitiados no Ocidente. À medida que os monges copiavam as Escrituras à mão, adornavam a Palavra de Deus com ilustrações de impressionante beleza. (O maior exemplo de manuscritos ilustrados do século VII provavelmente seja Os evangelhos de Lindisfarne, feitos em um mosteiro inglês).

Até os iconoclastas podem apreciar a arte das Bíblias ilustradas, muitas das quais não são representativas: linhas entrelaçadas de maneira intrincada e formas labirínticas, orquestrações de cores e desenhos, figuras fantasiosas e gárgulas caprichosas, são imagens de nada existente no céu ou na terra. Mas acima de tudo, a arte dos manuscritos ilustrados é simplesmente a caligrafia, uma ágil representação visual de sons e letras que é a linguagem escrita, um reconhecimento de que o maior ícone é a Palavra de Deus escrita, que consiste em imagens visuais de letras em todos os seus jotas e tis.

O século VII também foi importante na história da música. Os cantos gregorianos são atribuídos ao papa Gregório, que viveu no século VI, embora isso seja provavelmente incorreto, uma vez que os cantos gregorianos que temos datam do século IX. Mas as formas de canto com certeza se desenvolveram ao longo do século VII.

Esse tipo de canto é simplesmente uma maneira de cantar em prosa. A linha melódica única é livre de requisitos rítmicos e métricos estritos e pode, portanto, acompanhar qualquer texto. No século VII, essa forma de arte voltou a surgir na Igreja, cujo culto, tanto no Ocidente quanto no Oriente, incluía passagens cantadas da Bíblia.

Eu mesmo aprecio aquelas congregações reformadas que apenas cantam os Salmos na adoração. Porém, esses salmos foram parafraseados em uma forma métrica, com ritmo e rima regulares, de modo a se adequarem às estruturas estritas de nossa música mais moderna. Se usassem formas de canto, poderiam cantar os Salmos diretamente da Bíblia. Não há nada intrinsecamente “católico” nesse canto. Os luteranos, assim como os anglicanos, têm cantado os Salmos e outros textos bíblicos desde a Reforma.

O século VII também marca o início da literatura inglesa. Em 672, um monge chamado Caedmon compôs e escreveu o primeiro poema registrado na língua dos anglos; isto é, o inglês. Novamente, era um poema cristão, um hino sobre a criação. Aqui, em uma tradução moderna, é assim que a literatura inglesa começa:

Louvemos agora o celestial

Guardião do reino,

O dom do Criador e Sua sabedoria,

Obra do Pai glorioso.

A literatura inglesa daria muitas voltas, mas começou, como as outras formas de arte do século VII: em glorificar a Deus.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Gene Edward Veith
Gene Edward Veith
O Dr. Gene Edward Veith é reitor e professor emérito de Literatura na Patrick Henry College, em Purceville, Virgínia. Ele é autor de diversos livros, entre eles Deus em ação.