Como desmascarar a heresia - Ministério Ligonier
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Como desmascarar a heresia

Nota do editor: Este é o segundo de 6 capítulos da série da revista Tabletalk: Motivo de toda alegria: os atos de Cristo no terceiro século.

Nossos predecessores teriam sido poupados de muito tempo, esforço e dor se Deus tivesse nos dado um glossário de termos quando se revelou a nós por meio das Escrituras. A Bíblia não é uma teologia sistemática, com todas as questões difíceis que lhe exporíamos, com respostas claras em um esboço e frases completas. Não é um livro fácil de se entender em alguns aspectos.

Há várias razões para isso. Primeiro, no livro que nos deu, Deus se descreve como um ser incompreensível, além do nosso entendimento. Embora Deus tenha se revelado, de fato, a Seu povo, Ele não quis se revelar completamente. Em segundo lugar, e intimamente relacionado com a ideia anterior, enquanto Deus em Sua misericórdia condescendeu em falar conosco em símbolos linguísticos que podemos entender, a linguagem finita não é capaz de captar com precisão a realidade infinita. Em terceiro lugar, as mentes dos redimidos estão deterioradas pelos resquícios do pecado que se apegam a todas as nossas faculdades e continuarão a fazê-lo até que recebamos nossos novos corpos na ressurreição final. Quarto, o diabo e seus companheiros guerreiam contra a verdade, aproveitando-se de todas as instâncias possíveis para perverter nossas mentes, distorcer nossas afeições e desviar nossa vontade.

Aceitamos muitas coisas porque Deus se revelou a nós pelo Seu Espírito, que dá testemunho da Palavra viva de Deus, Cristo, através das páginas da Bíblia. Embora seja difícil para a mente humana entender essas coisas, afirmamos que é irracional acreditar no contrário. Entre as verdades difíceis para aqueles que não conhecem o Salvador está a natureza triúna de Deus, a Trindade. No entanto, essa compreensão é o fundamento sobre o qual o cristianismo se sustenta. Se Deus não é triúno, Ele não é o Redentor, pois a Bíblia deixa claro que a pessoa é salva somente por meio da obra trina de Deus (o Pai redime, o Filho adota e o Espírito Santo aplica ao habitar em nós; Ef 1:3-14). A verdade de que Jesus Cristo é Deus  Jo 1:1) é parte integral da mensagem do evangelho.

Mas como alguém com coerência racional pode acreditar na verdade de Deuteronômio 6:4, “o Senhor é um”, e na verdade de que Deus é três (Mt 28:19; 2 Co 13:14)? Como você expressa a singularidade de Deus enquanto afirma a pluralidade de Deus, Sua unicidade e trindade? Ou, para responder a questão com a qual a igreja primitiva lutou, como alguém pode confessar que Deus é um e ainda confessar que Jesus Cristo é Deus? Não é uma pergunta fácil. Ainda assim, os primeiros pais da Igreja entenderam que era essencial encontrar uma resposta. Inácio de Antioquia, um discípulo do apóstolo João, referiu-se a Cristo por palavras como “Deus encarnado”, “nosso Deus” e “Deus manifestado como homem” (Carta aos Efésios caps. 7:2; 19:3). E Tertuliano (c. 160–225 d. C.) cunhou o termo “trindade” ao falar da divindade da seguinte forma: “Embora eu deva manter em todos os lugares uma única substância em três (pessoas) coerentes e inseparáveis, ainda assim sou obrigado a reconhecer… que aquele que emite uma ordem é diferente daquele que a executa” (Contra Práxeas, 12).

Foram necessários três séculos de discussão, motivada pelos críticos de fora da igreja (que usaram o aparente dilema para atacar sua credibilidade) e também por mestres internos (que ensinaram o erro enquanto propunham defender a verdade) para trazer a igreja aos concílios de Nicéia (325 ) e Constantinopla (381). Nessas reuniões, nossos antepassados ​​resolveram a questão eliminando formas errôneas de afirmar a relação entre o Pai e o Filho e declarando a verdade em um credo.

O surgimento de duas tentativas errôneas de explicar a diversidade e a unidade na Divindade levou a questão a uma resolução. Um deles era um ensinamento chamado adocionismo, ou monarquianismo dinâmico (o último termo, cunhado por Tertuliano, refere-se à singularidade de Deus, que Ele é um). Essa visão vislumbrava a solução subordinando o Filho ao Pai. Os defensores do modalismo, como Paulo de Samósata e, mais tarde, os arianos, os socinianos e figuras do atual movimento liberal dentro da cristandade, argumentaram que Jesus Cristo não possui igualdade absoluta com o Pai. Em vez disso, por causa das habilidades, moral e percepções únicas de Jesus, Deus escolheu honrá-lo com o título de “Filho de Deus” (uma designação não ontológica).

A influência do modalismo representou um perigo igual ou possivelmente ainda maior para a saúde das igrejas porque foi abraçado por vários bispos de Roma (papas) no terceiro século. Em uma tentativa de preservar a verdade da unicidade de Deus, vários clérigos ensinaram que os nomes de Deus expressam múltiplas manifestações dEle. Deus é um e se revela a Si mesmo não em múltiplas pessoas, mas metamorfoseando-se na aparência de um ou de outro, seja Pai, Filho ou Espírito Santo. Tertuliano resumiu a visão de Práxeas, ao afirmar: “É impossível acreditar em um só Deus a menos que se diga que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são a mesma pessoa” (Contra Praxeas, 2).

A pessoa cujo nome ficou praticamente identificado com o modalismo foi Sabélio de Pentápolis. Gregório de Nazianzo, o bispo de Constantinopla do quarto século, protestou contra Sabélio, ao expressar: “Pois nem o Filho é o Pai, pois o Pai é Um, mas Ele é o que o Pai é; nem o Espírito é o Filho porque Ele é de Deus, pois o Unigênito é Um, mas Ele é o que o Filho é. Os Três são Uma Divindade, e o Um, três em Suas características” (Orações Teológicas, 5.9).

Enquanto a posição adocionista, que foi condenada no Sínodo de Antioquia em 269 d. C., parecia preservar a unidade da Divindade ao denegrir a divindade de Cristo, a visão modalista exagerava a unidade da Divindade, e destruía a distinção das pessoas nela.

A perseguição romana ao cristianismo terminou no início do século IV. A defesa do cristianismo e da tranquilidade no império tornou-se tão importante que o imperador Constantino convocou o primeiro grande concílio da história da igreja para resolver a controvérsia sobre o relacionamento entre o Pai e o Filho. Dos bispos reunidos em Nicéia, perto de Constantinopla, três partidos eram evidentes: os que temiam o adocionismo, os que temiam o modalismo e uma maioria que parecia não ter percebido a gravidade dos problemas.

O Credo Niceno de 325 não acabou com o conflito acalorado. Atanásio sentiu que era um golpe mortal para qualquer tentativa de subordinar o Filho ao Pai. Mas outros pensaram que permitia o erro de modalismo. Em consequência, a controvérsia continuou na igreja por décadas, até o Concílio de Constantinopla (381 d. C.). Lá, com definições cuidadosamente elaboradas por clérigos, a relação das três pessoas divinas foi finalmente elucidada. Foi estabelecido que a Divindade era uma em essência, uma comunidade compartilhada de características que chamamos de atributos de Deus. Além disso, três pessoas distintas compartilham desse fundo de atributos comuns e são compartilhadas igualmente. Portanto, é apropriado falar da Divindade sendo composta de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.

Ainda assim, a explicação modalista de Jesus Cristo não se extinguiu quando foi rejeitada pela igreja no século IV. O “pai do liberalismo moderno”, Friedrich Schleiermacher (1768–1834), explicou a Trindade como uma manifestação múltipla da consciência de Deus; ele rejeitou a noção de pessoas distintas na Divindade. Ainda hoje, a Igreja Pentecostal Unida nega a existência de três pessoas na Divindade.

Em última análise, as abordagens modais da Trindade de Deus transformam a Bíblia em uma confusão. O uso de frases como “façamos” na narrativa da criação indica pluralidade na Divindade. Além disso, no batismo de Cristo, dos céus Deus afirma: “Este é o meu Filho amado”. Ele não disse: “Estou falando comigo mesmo”. O modalismo faz de Deus um esquizofrênico furioso. No entanto, uma leitura cuidadosa de tais passagens da Bíblia nos leva a crer que existem pessoas distintas na Divindade. Essa compreensão das Escrituras é um legado precioso de nossos primeiros pais da Igreja.

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

John D. Hannah
John D. Hannah
O Dr. John D. Hannah é professor de Teologia Histórica no Dallas Theological Seminary em Dallas, Texas. Ele escreveu muitos livros, entre eles Como glorificamos a Deus?