O cristianismo e a filosofia secular
janeiro 27, 2025
Deus e o homem
janeiro 30, 2025
O cristianismo e a filosofia secular
janeiro 27, 2025
Deus e o homem
janeiro 30, 2025

Doutrina

Nota do editor: Este é o quarto de 17 capítulos da série da revista Tabletalk: Cristianismo e liberalismo.

Dada a gravidade da crise ética em curso no mundo ocidental hoje, a igreja deve redobrar seus esforços para se aprofundar na doutrina. Nós, é claro, devemos continuar a encorajar os cristãos a viver a vida cristã e a falar em favor do dom divino do casamento e da criação de homens e mulheres à Sua imagem. Precisamos abordar com cuidado o triste fato de que o conhecimento público sobre o principal objetivo do homem é sistematicamente suprimido em um mundo onde as pessoas são agredidas, abortadas e consumidas com comida boa, fast food, mais sexo, telas melhores, drogas gratuitas e sonhos mundanos. Porém precisamos sobretudo de doutrina.

J. Gresham Machen escreveu seu clássico livro há um século, quando a igreja enfrentava, entre outras coisas, enormes desafios éticos, alguns deles maiores do que ele próprio poderia conceber. Em sua época, ministros que se passavam por profetas insistiam que a verdadeira tarefa da igreja era atender à necessidade urgente de melhoria da democracia, da civilidade e da reforma moral. Ele mesmo insistiu que uma igreja fiel, em especial, uma igreja em crise, deve crer e ensinar doutrina.

Mas por que doutrina? Antes e desde a época de Machen, a igreja, sobretudo diante da turbulência social e da ambiguidade ética, muitas vezes foi tentada com opções aparentemente melhores do que a doutrina cristã. Alguns professores insistem que a igreja não tem outro credo além da Bíblia. As pessoas nos bancos da igreja não precisam de excessos doutrinários nem da sutileza das confissões ou catecismos do século XVII. Isso tem uma certa plausibilidade. E como Machen expressa, ao falar do membro comum no banco da igreja: “Como nunca lhe ocorreu prestar atenção às sutilezas dos teólogos, ele tem aquela sensação confortável que sempre vem ao frequentador da igreja quando os pecados de outra pessoa estão sendo atacados”. Porém, como Machen explica, depois que alguém ouve sobre a ortodoxia morta dos credos ou dos puritanos, então se volta para a leitura da Confissão de Fé de Westminster ou de O Peregrino, de John Bunyan, “alguém se afasta de frases modernas superficiais para uma ‘ortodoxia morta’ que pulsa com vida em cada palavra”. Além disso, Machen ressalta que, sob o pretexto de criticar velhas confissões obscuras, aqueles que se opõem à doutrina, com frequência, se opõem à Bíblia e seus ensinamentos mais básicos. E, poderíamos acrescentar, os professores que mais se opõem à doutrina muitas vezes se colocam como o padrão a ser seguido.

Machen estava lidando principalmente com pessoas que tinham motivos tortuosos para se opor à doutrina. Eles alegavam se opor à doutrina em geral, pois era mais simples do que admitir honestamente que tinham problemas com algumas doutrinas específicas: o nascimento virginal de Cristo, Sua ressurreição corpórea e muito mais. Mas outros se opuseram à doutrina, porque estavam tentando seguir Jesus, e o próprio Jesus “apenas contou histórias”. Alguns estudiosos acrescentaram que esta é a abordagem principal de toda a Bíblia: apresenta narrativa e poesia, não uma teologia sistemática. Certamente a narrativa — ou melhor, a história — é importante para os cristãos. Temos uma religião histórica: Jesus ensinou isso na maneira como falou sobre o Antigo Testamento; os primeiros cristãos valorizavam isso, como podemos ver na explicação de Lucas sobre sua investigação; e o apóstolo Paulo anunciou isso quando lembrou aos coríntios da historicidade da vida, morte e ressurreição de Cristo (1 Co 15:1-8).

Entretanto, como Machen observa, a Bíblia não se contenta em apenas nos oferecer uma narrativa, pois adicionada à narrativa histórica está uma explicação dela. Uma explicação que acrescenta seu significado, que transforma fatos em doutrinas. Machen diria: “Cristo morreu, isso é história”. Porém, “Cristo morreu pelos nossos pecados”: isso é doutrina” (ver 1 Co 15:3). Esse compromisso com a doutrina é visto nos escritos de Paulo, nos valores dos primeiros cristãos e nos ensinamentos de Jesus.

Há aqueles, muitos deles teólogos liberais, que acreditam que a Bíblia é só uma narrativa. Há também aqueles que pensam que o cristianismo é apenas uma vida, se trata de fazer, não sobre crer. Mais uma vez, Machen nos ajuda aqui. Ele nos lembra que declarações que começam com as palavras “Cristianismo é” são afirmações que podem ser verificadas. Precisamos apenas olhar para os ensinamentos da Bíblia, dos primeiros cristãos ou mesmo para a história mais longa do cristianismo para ver se esse é o caso. Pode até haver alguma verdade em asseverar que o cristianismo deve ser uma vida, não apenas uma doutrina. No entanto, “a afirmação de que o cristianismo é uma vida está sujeita à investigação histórica, quanto à ideia de que o Império romano sob Nero era uma democracia livre”. Quando investigamos essa declaração, descobrimos, como dito acima, que a doutrina é uma parte essencial da fé cristã desde o início.

Machen defende com firmeza em seu livro que o cristianismo é, em sua essência, uma fé doutrinária. Por que precisamos de doutrina, especialmente quando confrontados com o problema urgente do colapso ético do mundo ocidental? No início desse colapso, Machen ofereceu uma visão fundamental que ainda é relevante hoje: o liberalismo está no modo imperativo, nos ordenando o que devemos fazer, “enquanto o cristianismo começa com um indicativo triunfante”, ao nos proclamar quem é Deus e o que Ele fez. Em nosso momento atual, estamos descobrindo que tanto o liberalismo “cristão” quanto o secularismo agressivo são muito prescritivos e moralistas. Atualmente, existem inúmeras regras para o engajamento público e até mesmo para conversas comuns, que determinam o que se deve fazer, dizer ou não dizer. A vida social e política liberal é agora mais do que nunca um imperativo.

É claro que devemos desafiar os imperativos seculares com imperativos divinos. Mas, o que é ainda mais importante, devemos fundamentar nossos imperativos nos “indicativos triunfantes” da fé cristã. Em uma conversa recente com um querido amigo que os surpreendeu com um anúncio de “sair do armário”, uma família cristã foi questionada sobre o que acreditam sobre a sexualidade humana e, com o tempo, eles compartilharam alguns imperativos cristãos: se acreditamos que Deus criou e agora governa este mundo, não podemos inventar coisas no decorrer do caminho. Há maneiras de viver a vida que honram a Deus, e são, sem dúvida, projetadas para o nosso bem. Explicaram sobre o dom divino do casamento e explicaram que Deus nos criou homem e mulher, e à Sua imagem.

Era importante declarar isso. Porém, é possível argumentar que o momento mais poderoso da noite ocorreu quando uma jovem crente de dezessete anos começou a chorar, e explicou à sua amiga não cristã que a fé cristã é bela, e ela estava chorando, pois sua amada amiga não conseguia entender isso. Esse amigo havia reduzido a fé cristã a uma coleção de imperativos, os quais eram abomináveis na mente dele. Por outro lado, essa jovem sabia que a fé cristã é uma vida que flui de uma doutrina, doutrina que oferece vida, paz, esperança e glória. Por isso, ela compartilhou com sua amiga alguma doutrina, na forma de indicativos triunfantes.

Devemos treinar os cristãos e até a nós mesmos para conhecer — e defender — a lei de Deus em toda a sua plenitude. No entanto, devemos compreender também como os indicativos da Palavra de Deus sustentam e orientam esses imperativos, para que a mensagem que levamos a um mundo em ruínas não seja menos impactante ou bela do que deveria.


Este artigo foi publicado originalmente na TableTalk Magazine.

Chad Van Dixhoorn
Chad Van Dixhoorn
O Dr. Chad Van Dixhoorn é professor de História da Igreja e diretor do Craig Center for the Study of the Westminster Standards no Westminster Theological Seminary na Filadélfia. Ele é autor da Guia de estudos da Confissão de Fé de Westminster.