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O cristianismo e a filosofia secular

Nota do editor: Este é o terceiro de 17 capítulos da série da revista Tabletalk: Cristianismo e liberalismo.

J. Gresham Machen apresenta em seu inestimável livro Cristianismo e liberalismo observando que ele viveu em “uma época de conflitos”. Talvez todos os humanos tenham vivido em tempos de conflitos desde que a humanidade caiu no pecado. O conflito fundamental é sempre entre Satanás e a Semente da mulher (Gn 3:15), porém esse conflito assume formas um pouco diferentes em épocas diferentes. Machen vê o conflito de sua época como um conflito entre o materialismo e a vida espiritual, que continua sendo uma realidade para nós cem anos depois.

Em seu livro, Machen celebra os avanços modernos na melhoria de nossas vidas que surgiram por meio de descobertas científicas. O perigo que ele vê é que esses mesmos sucessos cegaram muitos para a realidade de que há mais na vida do que bem-estar físico. Se concentraram apenas no material e se tornaram materialistas. O mundo natural que nos cerca, que pode ser visto e tocado, é o único mundo. O sobrenatural, ou seja, a atuação de Deus além do natural neste mundo, é descartado. Mas Machen sabiamente faz alusão às palavras de Jesus (Mt 16:26): Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?

O grande propósito do livro de Machen é insistir que somente o verdadeiro cristianismo pode responder ao desafio do materialismo e mostrar que o verdadeiro cristianismo é diferente e oposto ao pseudocristianismo liberal ou modernista. Suas reflexões sobre a natureza do verdadeiro cristianismo em cada capítulo mostram a profunda e poderosa importância dessas verdades. Porém antes de desenvolver esse grande tema, ele reflete em poucas palavras sobre as questões mais amplas que os cristãos enfrentam em nossos tempos, especificamente o naturalismo e o materialismo. “A melhoria material andou de mãos dadas com o declínio espiritual”, ele escreve.

Como Machen observa, a “descrença moderna” não atacou apenas a religião verdadeira, mas também minou a vida superior dos indivíduos em geral. Ele considera a cosmovisão materialista como algo que restringe a liberdade dos indivíduos de cultivar as grandes conquistas da mente e do espírito humano. Ele aponta as artes modernas, a música e a literatura como evidências do declínio moderno das conquistas do ser humano.

Um exemplo que ele oferece dos efeitos mortais da negligência do espírito está no campo da educação moderna. Seus comentários parecem realmente proféticos. Não esqueça: ele está escrevendo em 1922. Ele se lamentava de que “a escolha das instituições de ensino estava sendo retirada dos pais e colocada sob a responsabilidade do Estado”. Na educação estatal, “a criança é colocada sob o controle de especialistas psicológicos, os quais não tem o menor conhecimento dos reinos superiores da vida humana”. Na verdade, a “regulamentação burocrática” na educação, como em qualquer outro lugar, está a levar a um “utilitarismo monótono em que todas as aspirações mais elevadas se perdem”. Essa educação valoriza o ensino apenas do que é útil na estimativa do materialismo.

Como exemplo dessa tendência do estado de arruinar a educação, Machen se refere a uma lei aprovada em 1919 em Nebraska. A lei proibia o ensino de qualquer idioma, exceto inglês, em qualquer escola, pública ou privada, até que o aluno comprovasse proficiência em inglês no oitavo ano. Machen fulmina: “Em outras palavras, nenhuma língua estrangeira, ao que tudo indica, nem mesmo latim ou grego, deve ser estudada até que a criança esteja velha demais para aprendê-la bem. É dessa maneira que o coletivismo moderno lida com um tipo de estudo que é essencial para todo avanço mental genuíno”. Infelizmente, nem todos nós hoje compartilhamos o entusiasmo de Machen pelo latim e pelo grego, porém podemos ver ao nosso redor os efeitos desastrosos de muitas regulamentações burocráticas para escolas públicas.

Ele é mais profético quando descreve o caráter de muitas escolas públicas de sua época:

Quando se considera o que as escolas públicas nos Estados Unidos já são em muitos lugares — materialismo, desincentivo a qualquer esforço intelectual prolongado, incentivo às perigosas modas pseudocientíficas da psicologia experimental — só podemos ficar chocados com a ideia de uma comunidade na qual não há como escapar de um sistema tão destruidor de almas.

Pense no que ele diria sobre nossas escolas da atualidade. Ele veria os modismos dos psicólogos que insistem que o grande objetivo da educação deve ser fazer com que nossos filhos se sintam bem consigo mesmos e que eles falharam muito nesse objetivo.

Machen não se opõe de forma alguma à educação pública. Ele escreve:

Um sistema de educação pública, se isso significa fornecer educação gratuita para aqueles que a desejam, é uma conquista notável e benéfica dos tempos modernos. Mas uma vez que se torna monopolista, é o mais perfeito instrumento de tirania que já foi inventado.

A tirania destrói os direitos dos pais de determinar a educação que desejam para os filhos que Deus lhes deu e esmaga qualquer diversidade genuína de pensamento em favor do naturalismo dominante. Ele não queria obrigar as escolas públicas a serem apenas cristãs, porém desejava que elas tivessem espaço para o pensamento cristão.

O tipo de educação que Machen incentiva não é estritamente cristão, preconceituoso ou arrogante. Ele apela bastante ao estudo do pensamento não cristão para ampliar e aprofundar nosso conhecimento e nos tornar humildes:

Sócrates não era cristão, nem Goethe, contudo, compartilhamos o respeito com que seus nomes são tratados. Eles se elevam imensuravelmente acima da média dos homens. Se aquele que é o menor no reino dos Céus é maior do que eles, sem dúvida é maior não por qualquer superioridade inerente, mas em virtude de um privilégio imerecido que deveria torná-lo mais humilde e não indiferente.

O amplo conflito espiritual da época de Machen se manifestou no protestantismo dos Estados Unidos, o que deixou claras suas divisões. O que havia sido chamado de “Império evangélico” de um protestantismo bastante unido no século XIX nos Estados Unidos se dividiu no século XX nas posições modernista e fundamentalista. Mais adiante, essas posições passaram a ser chamadas de “linha principal” e “evangélicos”, respectivamente. O lado liberal continuou sua estratégia de adaptação com a descrença e vem declinando muito em tamanho e influência. O lado evangélico continuou a enfatizar certos fundamentos bíblicos, porém tendeu a adotar uma estratégia de minimalismo em vez de uma teologia abrangente da Bíblia. O lado evangélico também diminuiu em tamanho e influência na América.

Machen não ficaria nem um pouco surpreso. Sabia que nem a adaptação à descrença nem o minimalismo bíblico promoveriam, com eficácia, a causa de Cristo. Também sabia que as filosofias seculares propostas como alternativas ao cristianismo acabariam levando ao declínio espiritual e cultural. Ele viveu para ver a ascensão do marxismo-leninismo, mas não toda a miséria que essa ideologia causaria ao mundo. Algumas melhorias materiais podem ter sido vistas ao longo do tempo em alguns países comunistas, entretanto, o progresso foi tão lento que poderíamos nos perguntar se até mesmo as mudanças materiais não teriam acontecido mais rápido sob outro sistema de governo. Machen viu com nitidez que este mundo pecador precisa de um cristianismo pleno e robusto que aceite os ensinamentos de toda a Bíblia. Ele esperava que seu livro “mostrasse o que é o cristianismo, para que os homens pudessem ser levados a se afastar dos elementos fracos e miseráveis e recorrer outra vez à graça de Deus”. Seu livro promove a causa de Cristo e ainda pode nos ajudar a entender os grandes ensinamentos da Bíblia. Nos apresenta de forma clara a alternativa cristã às filosofias fracas e, em última análise, pobres deste mundo (Gl 4:9).


Este artigo foi publicado originalmente na TableTalk Magazine.

W. Robert Godfrey
W. Robert Godfrey
O Dr. W. Robert Godfrey é professor da Fraternidade de Ensino de Ligonier Ministries, presidente emérito e professor emérito de História da Igreja no Westminster Seminary California. Ele é o professor destacado da série de seis partes de Ligonier, A Survey of Church History, e autor de vários livros, incluindo Saving the Reformation.