O homem como transgressor da aliança e portador da imagem restaurada 
homem
O homem na relação de aliança com Deus 
setembro 25, 2023
antropologia
Antropologia cristã e a vida moral
setembro 29, 2023
homem
O homem na relação de aliança com Deus 
setembro 25, 2023
antropologia
Antropologia cristã e a vida moral
setembro 29, 2023

O homem como transgressor da aliança e portador da imagem restaurada 

Nota do Editor: Este é o quinto de 13 capítulos da série da revista Tabletalk: A doutrina do homem.

As Escrituras não declaram que parte do ser humano é criada à imagem de Deus, mas que homens e mulheres são criados à imagem de Deus. Assim, a imagem existe na totalidade de sua condição de criatura. Portanto, se pensarmos na imagem em sua extensão mais ampla, ela abrange a alma e o corpo, os dons possuídos, a dignidade dada e o dom de domínio sobre a terra. É claro que Deus, como espírito infinito, não tem corpo, mas devemos dizer com reverência que até o corpo da criatura humana é parte da imagem de Deus. Por mais que compartilhe características com criaturas inferiores, o corpo humano é especialmente preparado para refletir a semelhança com Deus em um nível terreno, como criatura. O material não é mau; portanto, acreditamos não apenas na existência duradoura da alma, mas também na ressurreição do corpo. Assim, somos chamados a honrar a Deus com nossos corpos (1 Co 6:20), para usá-los como instrumentos de justiça (Rm 6:13).

DESOBEDIÊNCIA

A aliança de vida (ou de obras), aquele vínculo de amor entre Deus e a humanidade que o Senhor estabeleceu na criação, afeta não apenas Adão e Eva, mas todos os que, no propósito de Deus, são representados por Adão e descendem dele de maneira comum. Muitas perguntas podem surgir em nossas mentes com isso. Afinal, o pecado de Adão não é o primeiro pecado na criação de Deus; que pertence a Satanás. Nem é o primeiro pecado humano; que parece pertencer a Eva, quem foi enganada (1 Tm 2:14), enquanto o pecado de Adão foi um ato deliberado de alguém encarregado de proteger aquela que havia sido tirada de seu lado. A responsabilidade final como cabeça da aliança era sua. O amor não pode ser coagido, de modo que Deus trata seu companheiro de aliança como uma criatura racional e moral que o servirá voluntariamente, movida pelo amor para retribuir com amor. Quando Adão abusa de sua liberdade ao dar ouvidos ao tentador, nenhuma razão atenuante pode ser oferecida, pois sua desobediência não tem desculpa. No entanto, o princípio da representação é aquele que conhecemos na vida diária, e Adão é nosso representante cujo pecado é imputado a todos os que são descendentes dele no curso normal, como declaram as Escrituras (Rm 5:12-21).

Quais são as consequências? Se a infidelidade de um cônjuge pode trazer culpa, vergonha e desavença no relacionamento do casal, ambos pecadores, quanto mais a brecha causada pela desobediência de Adão resulta em culpa, vergonha e desavença diante do Deus santo? Mas este é o afastamento mais severo: o vínculo de amor e confiança no Senhor Deus é rompido. Adão tinha sido, digamos assim, um rei-sacerdote. Do lado de Deus, também há afastamento, e Ele, com ira santa, expulsa o casal pecador do jardim do santuário e bloqueia seu retorno. Eles são culpados e estão sob sentença de morte.

QUÃO TOTAL É A DEPRAVAÇÃO?

Não obstante, Adão e Eva ainda possuem a imagem divina. Não se tornam animais desprovidos de responsabilidade moral, mas permanecem humanos sem desculpas e totalmente responsáveis. Contudo, sua semelhança com Deus é prejudicada em todas as partes. Todos os descendentes de Adão continuam a possuir a imagem do homem formado da terra (1 Co 15:47). Mas a morte agora os domina de corpo e alma. No dia em que desobedeceram, a sentença foi proferida, e a certeza da sentença é expressa como um edito real (Gn 2:17; veja 20:7). Deslocamento nos relacionamentos humanos, trabalho doloroso e tristeza são características por causa da rejeição do Senhor Deus. O homem também não perdeu todos os dons ou todo o domínio sobre a criação, mas agora age não para a honra do Criador, mas para seu próprio louvor. Ele sempre deveria se espalhar sobre a terra e subjugá-la, mas agora frequentemente usa mal a criação por causa de sua ganância e desejo de glória. Obstáculos que poderia ter superado o enfraquecem. Por fim, seja qual for o seu trabalho, ele é derrotado pela terra e retorna ao pó de onde veio, sua dignidade é reduzida ao nível dos animais que perecem (Sl 49:12).

Quando falamos da depravação total do homem, não estamos dizendo que o homem é tão mau quanto poderia ser ou que não há nada de bom nele. Em vez disso, estamos dizendo que “cada aspecto” do homem é afetado e arruinado pelo pecado, e estamos dizendo que não há bem “espiritual” nele (ver Confissão de Fé de Westminster 16.7; Catecismo Maior de Westminster 25). Ele está “morto” em seus delitos e pecados (Ef 2:1). No entanto, reconhecemos que os incrédulos ainda têm dons que o Senhor em Sua bondade lhes dá como Ele dá a todos (Sl 145:9). Hirão, o rei pagão de Tiro, tinha habilidades de construção que faltavam em Israel (1 Rs 5:7). Um poeta pagão pode falar palavras dignas de citação (At 17:28). Um médico incrédulo pode ter mais habilidade do que um médico cristão. Embora não devamos deixar de reconhecer a humanidade nos outros, a bondade e a compaixão que podem mostrar, e que podem ofuscar no nível humano cristãos imperfeitamente santificados, não podemos abandonar a realidade de que Deus olha para o coração e que todos são pecadores desesperadamente necessitados diante de um Deus santo.

O PLANO ETERNO DE DEUS

Com a situação tão grave da humanidade, é conveniente notar que a rebelião do homem, que é justamente imputada inteiramente a nós, ainda faz parte do plano de Deus, e esse plano não coloca o primeiro Adão em primeiro plano. Em vez disso, Adão era o “tipo” ou “modelo” daquele que viria (Rm 5:14), Jesus Cristo. Pois o propósito de Deus com a humanidade “criada à” Sua imagem contrasta com Jesus Cristo, que “é” a imagem do Deus invisível. Ele é o primogênito de toda a criação, isto é, Aquele que tem precedência, pois “tudo foi criado por meio dele e para ele” (Cl 1:15-16). Hebreus 1:3 também nos lembra que Cristo é “o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder”. Porque o Filho de Deus tomou para Sua pessoa divina uma verdadeira natureza humana, podemos afirmar com razão que “aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude” (Cl 1:19). Que o Filho de Deus se encarnasse para o bem daqueles criados à imagem de Deus não é incongruente.

É somente em Jesus que a humanidade pode alcançar sua meta. O primeiro Adão foi criado com um destino superior a ser realizado pela obediência amorosa. Ele falhou no teste e esse destino se tornou uma meta inatingível para ele. Mas aqueles que são chamados de acordo com o propósito de Deus são predestinados para serem conformes à imagem de Seu Filho, a fim de que Ele seja o primogênito (tenha preeminência) entre muitos irmãos (Rm 8:29), para que Cristo possa dizer ao Pai: “Eis aqui estou eu e os filhos que Deus me deu” (Hb 2:13).

RESTAURAÇÃO DA IMAGEM

Se Adão introduziu a era da morte para a humanidade por meio de sua desobediência, Jesus introduz a era da vida: “E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas” (2 Co 5:17). A falha do primeiro Adão envolveu uma falha em obedecer aos termos da aliança, portanto, a impossibilidade de alcançar a meta de uma humanidade aperfeiçoada em comunhão com Deus para sempre. Cristo não nos leva de volta ao ponto de partida de Adão, mas por Sua obediência Ele alcança a “glória da sua herança” (Ef 1:18) concedida a Adão, mas perdida. Para aqueles que estão unidos a Cristo pela fé, esta é a realidade. Nossos pecados são imputados a Cristo, quem morreu, “o justo pelos injustos” (1 Pe 3:18), e Sua justiça é imputada em nossa conta. Pois o evangelho é tudo sobre “a justiça de Deus” (Rm 1:17) e como Ele é “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3:26). O Espírito de Deus traz vida dos mortos para aqueles por quem Cristo morreu e ressuscitou. Aqueles que estão unidos a Cristo são renovados em conhecimento (Cl 3:10), pois não decidem mais o que é certo sem obedecer à Palavra de Deus; seguem a verdadeira justiça e santidade (Ef 4:24). A nova vida cresce em semelhança com Cristo por meio da obra do Espírito de Deus com a Palavra na comunhão da igreja, o corpo místico de Cristo, onde todos os dons devem ser usados para a edificação uns dos outros em amor enquanto buscamos a bendita e gloriosa esperança (Tt 2:13) e aguardamos nossa herança com Cristo nos novos céus e terra de Deus, onde habita a justiça (2 Pe 3:13).

Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.

Rowland S Ward
Rowland S Ward
O Dr. Rowland S. Ward é ministro da Presbyterian Church of Eastern Australia e professor de História e Pesquisa da Igreja no Presbyterian Theological College em Melbourne, Austrália. Ele é autor de vários livros, entre eles God and Adam: Reformed Theology and the Creation Covenant [Deus e Adão: teologia reformada e a aliança da criação] e The Westminster Confession of Faith: A Study Guide for the 21st Century [A Confissão de Fé de Westminster: guia de estudo para o século XXI].