No princípio…
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março 10, 2023O que é a fé salvadora?
A fé é essencial ao cristianismo. O Novo Testamento chama, repetidamente, pessoas a crerem no Senhor Jesus Cristo. Há um corpo definido de conteúdo em que se deve crer, que é parte e parcela de nossa atividade religiosa. No tempo da Reforma, o debate envolvia a natureza da fé salvadora. O que é a fé salvadora? A ideia de justificação somente pela fé sugere a muitas pessoas um antinomianismo levemente oculto, que afirma que pessoas podem viver do modo que desejarem, contanto que creiam nas coisas certas. Entretanto, Tiago escreveu: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? […] Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (2:14, 17). Lutero disse que o tipo de fé que justifica é fides viva, uma “fé viva”, uma fé que, inevitável, necessária e imediatamente produz o fruto de justiça. A justificação é somente pela fé, mas não por uma fé que está sozinha. Uma fé sem qualquer fruto de justiça não é fé verdadeira.
Para a Igreja católica romana, fé mais obras é igual a justificação. Para os antinomianos, fé menos obras é igual a justificação. Para os reformadores protestantes, fé é igual a justificação mais obras. Em outras palavras, as obras são o fruto necessário da fé verdadeira. As obras não são levadas em conta na declaração de Deus de que somos justos aos Seus olhos; não fazem parte das bases da decisão de Deus para declarar-nos justos.
Quais são os elementos que constituem a fé salvadora? Os reformadores protestantes reconheceram que a fé bíblica tem três aspectos essenciais: notitia, assensus e fiducia.
Notitia se refere ao conteúdo da fé, as coisas que cremos. Há certas coisas que temos de crer a respeito de Cristo: que Ele é o Filho de Deus, que Ele é o Salvador, que Ele proveu uma expiação e assim por diante.
Assensus é a convicção de que o conteúdo de nossa fé é verdadeiro. Uma pessoa pode saber a respeito da fé cristã e, apesar disso, crer que tal conteúdo não é verdadeiro. Podemos ter uma dúvida ou outra misturada com nossa fé, mas precisa haver certo nível de afirmação e convicção intelectual se vamos ser salvos. Antes que uma pessoa possa crer realmente em Jesus Cristo, tem de crer que Cristo é realmente o Salvador, que Ele é quem afirmou ser. A fé genuína diz que o conteúdo, a notitia, é verdadeiro.
Fiducia se refere à confiança e dependência pessoal. Saber e crer no conteúdo da fé cristã não é suficiente, pois até os demônios fazem isso (Tg 2:19). A fé é eficaz apenas se o indivíduo confia pessoalmente apenas em Cristo para a salvação. Uma coisa é alguém dar assentimento intelectual a uma proposição, mas outra coisa bem diferente é colocar sua confiança pessoal em tal proposição. Podemos dizer que cremos na justificação somente pela fé, mas, apesar disso, continuarmos pensando que iremos ao céu por causa de nossas realizações, nossas obras ou nosso esforço. É fácil introduzirmos a doutrina da justificação somente pela fé em nossa mente, mas é difícil colocá-la no coração de modo que confiemos somente em Cristo para salvação.
Há outro elemento em fiducia além de confiança, e esse elemento é afeição. Uma pessoa não regenerada nunca virá a Jesus, porque não quer a Jesus. Em sua mente e coração, está fundamentalmente em inimizade com Deus. Enquanto uma pessoa é hostil para com Cristo, ela não tem nenhuma afeição por Ele. Satanás é um caso assim. Satanás conhece a verdade, mas odeia a verdade. Ele não tem nenhuma inclinação para adorar a Deus, porque não ama a Deus. Somos assim por natureza. Somos mortos em nosso pecado. Andamos de acordo com os poderes deste mundo e satisfazemos as concupiscências da carne. Até que o Espírito Santo nos transforme, temos um coração de pedra. Um coração não regenerado é um coração sem afeição por Cristo; é tanto sem vida quanto sem amor. O Espírito Santo muda a disposição de nosso coração para que vejamos a doçura de Cristo e o abracemos. Nenhum de nós ama a Cristo perfeitamente, mas não podemos amá-lo se o Espírito Santo não mudar o nosso coração de pedra e transformá-lo num coração de carne.
Trecho do livro Somos todos teólogos, de R.C. Sproul, Editora Fiel.
Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.