O que significa “solus Christus”?
O que significa “sola gratia”?
dezembro 25, 2023
O que é a eleição incondicional?
dezembro 27, 2023
O que significa “sola gratia”?
dezembro 25, 2023
O que é a eleição incondicional?
dezembro 27, 2023

O que significa “solus Christus”?

Nota do Editor: Este é o décimo primeiro de 16 capítulos da série da revista Tabletalk: Artigos selecionados Ligonier.

Qualquer que seja a era em que vivemos, seja a era dos reformadores ou a presente, somos tentados a poluir a beleza de Cristo através de nossos ídolos. João Calvino expressou que é a nossa exata natureza: “A natureza do homem… é uma fábrica perpétua de ídolos… A mente do homem, cheia como é de orgulho e audácia, ousa imaginar um deus de acordo com a sua própria capacidade”.

A doutrina de solus Christus se destacou durante a Reforma quando os reformadores identificaram o problema de uma igreja que estava lançando sombra sobre Cristo; de uma igreja que estava se arrogando prerrogativas que pertencem somente a Cristo. Esse problema fez com que os reformadores reconhecessem a necessidade de purificar qualquer coisa que pudesse lançar sombra sobre o esplendor absoluto da supremacia de Cristo em nossa salvação. Depois de identificar esse problema eles propuseram uma solução bíblica e teológica que serve para a nossa época.

O problema de uma igreja forte

No início do século XVI, a igreja era o centro da vida do povo na Europa Ocidental. Ao longo dos séculos anteriores, a Igreja católica romana havia passado de “Companhia dos salvos” para “Companhia de salvação”.

O que significa “Companhia de salvação”? Lutero reconheceu que em seu tempo as pessoas haviam se tornado escravas do sistema sacramental da Igreja católica romana e ao invés de olhar para Cristo para sua posição diante de Deus, eles olhavam para a igreja. Pensava-se que por causa de Cristo, de Maria e dos santos havia um depósito de graça na Igreja católica. Os padres eram os seus únicos dispensadores e os fiéis tinham que recorrer a eles.

Em 1520, Lutero escreveu Do cativeiro babilônico da igreja, onde atacou o sistema sacramental da igreja. Este sistema, Lutero afirmou, representava um cativeiro que havia se tornado sua própria Babilônia, que mantinha cativo o povo de Deus do berço ao túmulo: na igreja uma pessoa era batizada na infância, confirmada na juventude, casava ao ser maior de idade e recebia extrema unção no leito de morte. Cada um destes sacramentos, junto a ordenação, eram vistos como transmissores de graça quando ministrados por um padre. A graça conferida era suplementada ao longo da vida de alguém por mais dois sacramentos: frequente confissão de pecados a um padre e receber a eucaristia por meio da missa.

Do berço ao túmulo, o cristão era dependente da Igreja católica, amarrado aos sacramentos a fim de receber a graça pela qual alguém pode ser salvo.

Lutero olhou para a Escritura e viu apenas dois sacramentos. O efeito de seu ensino foi de transferir o foco da Igreja católica e de seu clero para Cristo somente, a salvação não oriunda de uma companhia de padres abrindo as torneiras da graça, por assim dizer, mas a salvação em uma única pessoa: Jesus Cristo, o Filho de Deus.

Despojado dessa sacramentologia ornamentada, alguém poderia perguntar onde procurar a graça? Se a Igreja católica estava errada, o que os crentes deveriam fazer? Qual seria a orientação dos Reformadores, como Lutero, para eles?

Há uma famosa pintura de Lutero na Igreja da Cidade (a Stadtkirche) em Wittenberg, onde ele estava de pé no púlpito pregando. Ele está com uma das mãos levantada com o dedo indicador estendido, que aponta para Cristo na cruz. Os crentes deveriam olhar para Cristo somente.

Quando Lutero declarou: “A cruz somente é a nossa teologia”, isto era uma afronta a todo o sistema católico romano: Solus Christus conduziu todo o programa de reforma na igreja, e limpou toda a poluição da tradição feita por homens.

Portanto, Lutero e os outros reformadores, ao buscarem reparar os efeitos do ensino prejudicial sobre como nos tornamos justos diante de Deus, destruíram as tradições acumuladas e focaram em Cristo e em como Sua pessoa e obra são centrais para a nossa fé.

A solução de um Salvador forte

A resposta dos reformadores ao problema de uma igreja forte é o Salvador forte encontrado nas Escrituras autoritativas. Considere 1 Jo 1:1-4:

O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada), o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Estas coisas, pois, vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa.

Por um lado, os reformadores não tiveram uma rixa cristológica com a Igreja católica romana daqueles dias. Ou seja, Jesus Cristo tendo duas naturezas — verdadeiro Deus e verdadeiro Homem — em uma pessoa foi a cristologia clássica que os reformadores levaram a frente em seu ensino.

Como diz João, esse Filho estava com o Pai desde toda a eternidade, mas também foi tocado por nossas mãos: um Filho, tanto divino quanto humano. No entanto, esse belo Cristo precisava ser apresentado de maneira nova para que as pessoas vissem que ele, e somente ele, é a fonte e a solução para nossa salvação. 

É como se os reformadores, em suas pregações e escritos, pegassem seus pincéis e preenchessem todo o quadro da salvação com nada além de Cristo. Nem mesmo a menor pincelada poderia mostrar a Igreja Católica Romana e seus sacerdotes como parte dessa obra, pois fazer isso seria poluir o quadro da salvação.

Afinal, onde os reformadores foram para pintar seu quadro de Cristo? Cada um dos solas se baseia no primeiro: sola Scriptura. Somente a Escritura é o lugar onde vamos para obter nosso quadro de Cristo. Portanto, eles foram para passagens como 1 João, cientes de que o livro começava com um quadro de Cristo e terminava com uma advertência para que nos afastássemos dos ídolos. Eles foram para Colossenses 2:9: “porquanto, nele (Cristo), habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade.” O Filho de Deus plenamente encarnado – verdadeiramente Deus e verdadeiramente Homem em uma só pessoa – é nossa única esperança de salvação. Em toda a sua força, ele nos salva, preenchendo a lacuna com sua poderosa mediação. Em Cristo não há apenas a humanidade perfeita, mas também “toda a plenitude da Divindade”. O evangelho da Reforma é a afirmação disso, o anúncio de tudo o que há em Cristo Jesus para a plenitude de nossa salvação.

Uma teologia da cruz

Se acrescentarmos ao quadro da salvação nossas obras vazias ou falsos mediadores, então pregaremos o que Lutero chamou de “teologia da glória” em vez de “teologia da cruz” – roubando assim a glória de Cristo como nosso Salvador forte.

Isso ainda é uma tentação para a igreja hoje? Ela pode assumir formas diferentes em relação à Igreja Católica Romana do fim da Idade Média, mas certamente é uma tentação.
Somos sempre tentados a buscar uma “teologia da glória” que polui a imagem pura da salvação que nos é dada na Palavra. Uma teologia da glória quer Deus, mas ignora a cruz, inserindo, assim, artifícios humanos para chegar a Deus. O solus Christus era necessário no século XVI e é necessário no século XXI, a fim de impor sobre nós o fato de que nosso relacionamento com Deus pode ser mediado por ninguém menos que somente Cristo.

Este artigo foi publicado originalmente na Ligonier Ministries Blog.

D. Blair Smith
D. Blair Smith
O Dr. D. Blair Smith é professor assistente de Teologia Sistemática no Reformed Theological Seminary em Charlotte, na Carolina do Norte.