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Nota do editor: Este é o nono de 17 capítulos da série da revista Tabletalk: Cristianismo e liberalismo.
Ao contrário do que afirmam os modernistas, o cristianismo histórico defendido por J. Gresham Machen não era individualista. O cristianismo “atende plenamente às necessidades sociais do homem”, escreveu ele no cap. 5 de Cristianismo e liberalismo, e concluiu o capítulo com reflexões sobre as consequências sociais da salvação: o evangelho transforma as instituições humanas, que inclui famílias, comunidades, o local de trabalho e até mesmo o governo.
Porém Machen não havia terminado. O que resta é a mais alta e importante instituição de todas: a igreja de Cristo. De fato, toda a tese de Cristianismo e liberalismo aparece no último capítulo, quando Machen pede a recuperação de uma visão elevada sobre a igreja. No entanto, a julgar pelo estado atual da igreja, mesmo entre aqueles que afirmam amar este livro, podemos nos perguntar quantos leram com atenção o último capítulo.
Machen começa desafiando uma forma tênue de comunidade que se baseia na “fraternidade universal do homem”. Limites doutrinários claros são necessários para sustentar uma comunhão genuína de irmãos e irmãs em Cristo, simplesmente porque, como ele demonstrou de modo claro nas páginas anteriores, o liberalismo é um desvio total do cristianismo. Ele escreveu: “A maior ameaça à Igreja cristã hoje não vem dos inimigos externos, mas dos inimigos internos, vem da presença interna na igreja de um tipo de fé e prática que é anticristã até a essência”. Em consequência, “uma separação entre as duas partes na igreja é a necessidade urgente do momento”. O apelo “direto” e “honesto” de Machen lhe rendeu o respeito de “neutros amigáveis” (como o jornalista secular H.L. Mencken descreveu enquanto acompanhava o debate de perto).
Como essa separação ocorreria? Na época em que o livro foi publicado, o que parecia a perspectiva mais provável — de ambos os lados da divisão — era que um pequeno número de liberais deixaria a igreja. E Machen os convidou a dar esse passo de honestidade. Mas ele também antecipou outro cenário, em que os conservadores seriam forçados a deixar a igreja. Uma década depois, foi assim que a disputa ocorreria, já que ele próprio foi destituído pelo alto crime de “deslealdade” aos conselhos da igreja que estavam cercados pelo modernismo. A fidelidade ao chamado ministerial o compeliu e seus aliados a carregar esta cruz.
Apelos compensatórios para preservar a unidade da igreja obscureceram as questões que Machen expôs, e tal pacifismo eclesiástico não proporcionou nem paz nem unidade duradouras: “Nada causa mais discórdia do que a tentativa de impor uma unidade, dentro da mesma organização, entre aqueles que têm objetivos fundamentalmente divergentes”. A tolerância ao desvio doutrinário é “simples desonestidade”.
Machen antecipou outra opção: alguns ministros poderiam gravitar em direção à independência funcional, e estar contentos na ortodoxia de suas próprias congregações ou na solidez de seus presbitérios. Porém, ele respondeu, que essa não era uma opção presbiteriana. Os presbiterianos devem se comprometer com o testemunho corporativo da igreja. A voz de cada púlpito na igreja é a voz de toda a igreja. Em vista disso, todos os oficiais da igreja são responsáveis pela proclamação de todos os seus púlpitos.
A eclesiologia de Machen buscava distinguir uma comunhão genuína de santos de suas falsificações. Não há comunhão na vida onde não há concordância de pensamento. A indiferença doutrinária alimenta o amplo eclesialismo que permitiu que o liberalismo teológico entrasse nos púlpitos da igreja. Apenas um “acordo pleno” com a doutrina da igreja, que se expressa na confissão de fé e catecismo, pode produzir verdadeira comunhão cristã.
Para estabelecer e preservar esse acordo, a igreja deve realizar com diligência quatro tarefas. Primeiro, ela deve se comprometer com a tarefa de batalhar pela fé. Em segundo lugar, a igreja deve ter cuidado na ordenação de seus oficiais, e manter uma alta qualificação para a aptidão ao ofício eclesiástico. Terceiro, os presbíteros devem governar, isto é, devem proteger a pregação do púlpito. Por fim, a igreja deve restaurar a catequese e outros ministérios de discipulado para lidar com a ignorância predominante nos bancos da igreja. Em uma palavra, a igreja deve zelar por sua doutrina. Deve ser vigilante na propagação e defesa dessa doutrina, inclusive com militância e exclusivismo.
Machen não pretendia dividir a igreja. Os liberais estavam fazendo isso. Ele buscou a unidade da única maneira sustentável: por meio de sua clara separação do mundo. Um século depois, vemos que Machen tinha razão. O liberalismo se tornou muito parecido com o mundo e, portanto, o protestantismo tradicional está perdendo influência e membros em números drásticos.
E a igreja evangélica nos Estados Unidos? Manteve a militância ou seu testemunho corporativo para o mundo? A ênfase na experiência religiosa e a indiferença à doutrina tiveram seu efeito em muitos setores do evangelicalismo dos Estados Unidos, onde encontramos compromissos confessionais relaxados, o fim da catequese e relutância em aplicar a disciplina na igreja. É de se admirar que o comprometimento e a frequência semanal à igreja tenham diminuído para muitos cristãos professos como uma prioridade para a vida cristã? Agora nos sentimos livres para entrar e sair de igrejas com base em nossos gostos e preferências. Ou pior ainda, abandonamos a igreja em nossas buscas individuais de autenticidade religiosa. As igrejas de hoje aceitaram esses termos de bom grado e, em vez de lutar contra a mundanidade de sua época, buscaram com desespero se promover para satisfazer os caprichos dos consumidores religiosos. Para uma época obcecada pela autenticidade, Machen oferece o oportuno lembrete de que o teste de autenticidade da igreja em nossa ou em qualquer outra época é a exibição das marcas da verdadeira igreja: a pregação da Palavra, a administração pura dos sacramentos e o exercício da disciplina eclesiástica.
Quem não dedicar uma análise cuidadosa ao último capítulo de Cristianismo e liberalismo de Machen perderá o seu valor duradouro. Uma igreja que define seu propósito no florescimento da experiência religiosa pessoal de um indivíduo é aquela que sucumbiu à mundanidade. Machen nos orienta a ver o chamado da igreja como a administração da doutrina encontrada na Palavra de Deus e resumida em seus padrões confessionais. Este se torna um lugar de pertencimento para peregrinos que renunciaram à mundanidade em sua jornada em direção ao lar celestial, um lugar que oferece a esperança com a qual Machen conclui seu livro.
Não há refúgio contra a contenda? Não existe um lugar de renovação onde o homem possa se preparar para a batalha da vida? Não há lugar onde dois ou três possam se reunir em nome de Jesus, para esquecer por um momento todas as coisas que dividem as nações e raças, para esquecer o orgulho humano, para esquecer as paixões da guerra, para esquecer os problemas intrigantes dos conflitos industriais e para se unir em gratidão transbordante aos pés da Cruz? Se existe tal lugar, então essa é a casa de Deus e a porta do céu. E debaixo do limiar daquela casa brotará um rio que revitalizará o mundo exausto.
Este artigo foi publicado originalmente na TableTalk Magazine.