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Nota do Editor: Este é o último de 19 capítulos da série da revista Tabletalk: Palavras e frases bíblicas mal compreendidas.
Vivo em Milão, e gosto de passear pelo perímetro do Castelo Sforza. Construída no século XV, esta estrutura foi uma das maiores cidadelas da Europa por centenas de anos. Suas paredes maciças, com mais de trinta metros de altura, pairam sobre o fosso externo como um gigantesco tsunami de tijolos, o que torna o castelo praticamente impenetrável. Houve um tempo em que essas muralhas se estendiam por toda a cidade, para proteger seus habitantes de invasões e oferecer uma sensação de segurança. No mundo medieval, uma cidade sem muros era quase inimaginável. Ela seria indefesa e improvável de sobreviver.
As vastas muralhas de uma cidade antiga ilustram a necessidade da igreja de ter uma pluralidade de presbíteros. Assim como muralhas e portões fortificados ajudaram a proteger uma cidade para que a vida cívica pudesse prosperar, também uma pluralidade de fiéis superintendentes na igreja ajuda a preservar a vida no reino de Deus. Uma igreja na qual o pastor sênior é o único presbítero ou possui a maior autoridade entre seus líderes está em uma posição muito vulnerável, exposta aos perigos do poder, personalidade e conflito. Basta observar a trajetória de muitas igrejas evangélicas influentes nos últimos anos para ver como isso é verdade. Na maioria dos casos, o eventual colapso resultou em parte da falta de autoridade compartilhada entre um grupo de presbíteros.
Há pelo menos quatro razões bíblicas e práticas para a necessidade de uma pluralidade de presbíteros. Em primeiro lugar, fornece à igreja “maior responsabilidade”. De acordo com a Bíblia, os crentes são responsáveis por sua doutrina e vida. O que eles acreditam e como vivem devem estar de acordo com as Escrituras. Os presbíteros da igreja local têm a pesada responsabilidade de responsabilizar os membros da congregação. “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles”, diz o escritor aos Hebreus, “pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros” (Hb 13:17). Observe que este versículo fala de líderes no plural. Os cristãos não prestam contas apenas a um líder.
Em vez disso, Cristo cuida de Sua igreja por meio de uma pluralidade de presbíteros. Essa responsabilidade compartilhada ajuda a proteger o rebanho do abuso espiritual e da intimidação que podem ocorrer mais facilmente em uma igreja onde todos prestam contas a um homem.
Além disso, o próprio pastor também presta contas aos presbíteros. O modelo bíblico para o governo da igreja não é um sistema hierárquico no qual o pastor principal é um bispo sobre os presbíteros da igreja. No Novo Testamento, “bispos” (também traduzidos como “supervisores”) e “presbíteros” (também traduzidos como “pastores”) são sinônimos. Por exemplo, quando Paulo instrui Tito a constituir presbíteros “em cada cidade” (Tt 1:5), ele descreve as qualificações para esses presbíteros, chamando-os de superintendentes: “Porque é indispensável que o bispo seja irrepreensível como despenseiro de Deus” (Tt 1:7). Ele usa os dois termos para descrever o mesmo ofício. Da mesma forma, em seu discurso de despedida aos líderes da igreja em Éfeso, Paulo “chamou os presbíteros da igreja” para virem a ele (At 20:17). Ele então se dirigiu a eles como “supervisores” ou “bispos” da igreja de Deus (At 20:28). Esses termos nunca são usados nas Escrituras para descrever diferentes níveis de autoridade ou um único líder governando a igreja sozinho. Isso significa que o pastor serve à congregação ao lado dos presbíteros governantes, mas não sobre eles. Ele mesmo é um presbítero que trabalha “na palavra e no ensino” (1 Tm 5:17). Embora tenha treinamento bíblico e dons espirituais para manejar corretamente a Palavra de Deus, seu voto não é mais importante do que os votos de outros presbíteros; nem possui poder de veto sobre o consenso do grupo. Ele deve trabalhar em harmonia com os outros presbíteros, respeitar a liderança deles e submeter-se à sabedoria coletiva. Não há lugar na igreja para um líder dominar sobre outro. O único “chefe” na igreja é o Senhor Jesus Cristo. Somente Ele é a cabeça do corpo (Ef 1:20-22).
Em segundo lugar, uma pluralidade de presbíteros fornece à igreja uma “chance maior de sucesso em sua missão”. Antes de subir ao céu, Jesus deu à igreja Suas ordens de marcha:
Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século (Mt 28:18-20).
De acordo com nosso Senhor, o objetivo da missão da igreja é fazer discípulos. O meio da missão da igreja é o ministério da Palavra e os sacramentos na igreja local. Foi assim que Cristo escolheu reunir Seu povo redimido, receber sua adoração, nutrir sua fé e uni-los como uma comunidade enraizada e estabelecida no amor (Rm 12; Ef 4; Fp 1:27 – 2:11).
Entretanto, nada disso é possível sem uma pluralidade de presbíteros na igreja local. O ministério da Palavra não depende apenas do ministro da Palavra. Os apóstolos nomearam presbíteros para supervisionar a congregação (At 14:21-23; veja Fp 1:1; Tg 5:14) e diáconos para servir o corpo com misericórdia (At 6:1-7). Sem esses oficiais atuando em seus papéis ordenados por Deus, o pastor não pode permanecer dedicado à oração, pregação e ensino. Ele inevitavelmente fica sobrecarregado com a administração e envolvido em tarefas que por direito pertencem aos presbíteros e diáconos. Pior ainda, corre o risco de definir a missão da igreja de acordo com sua própria visão e construir o ministério em torno de seus dons e personalidade. Quando isso acontece, as consequências espirituais são desastrosas. Quando uma congregação é abençoada com uma pluralidade de oficiais fiéis, os resultados são abundantes: “Crescia a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos” (At 6:7).
Ter uma pluralidade de presbíteros fornece à congregação maior cuidado pastoral ao trazer homens com diferentes dons para a liderança da igreja, de modo que possam complementar os pontos fortes do pastor e compensar suas fraquezas.
Em terceiro lugar, uma pluralidade de presbíteros fornece à igreja “maior preservação da verdade”. Ao exortar os presbíteros de Éfeso, Paulo disse:
Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue. Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho… falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. Portanto, vigiai (At 20:28-31).
Os presbíteros regentes têm a responsabilidade de manter a pureza da Palavra e dos sacramentos na igreja local. Devem estar vigilantes para guardar o evangelho para que cada geração possa redescobri-lo. Vivemos numa época em que as pessoas cumpriram a profecia: “Não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos” (2 Tm 4:3). Um corpo de presbíteros na igreja local ajuda a garantir que a congregação permaneça no curso doutrinário e não se deixe levar pelos caprichos teológicos e opiniões pessoais de um líder. Como diz o provérbio: “Na multidão de conselheiros há segurança” (Pv 11:14).
Quarto, uma pluralidade de presbíteros fornece ao rebanho de Cristo “maior cuidado pastoral”. No Antigo Testamento, uma multidão de presbíteros foi designada para ajudar Moisés a cuidar do povo de Deus. O Senhor deu uma porção do Espírito que estava sobre Moisés a setenta presbíteros para que ajudassem a carregar esse fardo (Nm 11:16-17). Da mesma forma, na igreja da nova aliança, os presbíteros compartilham a responsabilidade do cuidado pastoral com o ministro. Pedro escreve: “Rogo, pois, aos presbíteros… pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós” (1 Pe 5:1-2). Os presbíteros fazem isso de várias maneiras práticas. Pastoreiam o rebanho por meio de visitas familiares e disciplina bíblica. Auxiliam na catequese dos jovens da igreja e promovem ativamente o trabalho de evangelismo e missões. Fornecem conselhos bíblicos e ajudam a ministrar aos enfermos e moribundos. Em suma, garantem que o rebanho seja saudável e que tudo na igreja seja feito decentemente e em boa ordem. Nenhum homem tem todos os dons necessários para edificar a igreja. Ter uma pluralidade de presbíteros fornece à congregação maior cuidado pastoral ao trazer homens com diferentes dons para a liderança da igreja, de modo que possam complementar os pontos fortes do pastor e compensar suas fraquezas.
Como pastor, sou grato ao Senhor pelos muitos presbíteros piedosos com quem servi nos últimos vinte anos no ministério, tanto nos Estados Unidos quanto na Itália. Sou grato pelas maneiras pelas quais me responsabilizaram por minha doutrina e comportamento, tiveram amor e coragem para me corrigir quando precisei. Sou grato por seu compromisso com a missão da igreja, sempre me lembrando que se trata de proclamar Cristo por meio dos meios ordinários da graça. Sou grato por sua fidelidade ao evangelho e aos credos e confissões reformadas, e me ajudar a permanecer no caminho teológico e a não perder o foco em Jesus. Sou grato por sua disposição de usar seus dons para o cuidado pastoral e o bem-estar espiritual do rebanho, e de serem exemplos de liderança servil cristã. De acordo com a promessa das Escrituras, quando o Supremo Pastor aparecer, receberão “a imarcescível coroa da glória” (1 Pe 5:4). Até lá, que o Rei Jesus continue a fortalecer os muros de Seu reino em cada igreja local com uma pluralidade de presbíteros fiéis.
Este artigo foi publicado originalmente na Tabletalk Magazine.